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Desabamento no restaurante Jamile: quem são e onde estão os verdadeiros donos do negócio?

Empresários que se apresentavam como sócios do estabelecimento não constam nos documentos de constituição da empresa

Reportagem
11 de outubro de 2025
11:06
Divulgação CBM

Desde a última quarta-feira, 8 de outubro, os paulistanos se perguntam quem são e onde estão os donos do restaurante Jamile, localizado na região do ‘Bixiga’, na capital de São Paulo. Foi nesse estabelecimento que o mezanino desabou, causando a morte da cozinheira Suênia Maria Tomé Bezerra e ferindo mais oito pessoas.

A pergunta se justifica pela ausência de responsáveis pelo local. Até o momento, os empresários que antes eram relacionados ao restaurante na imprensa ou negaram participação no negócio, caso do chef Henrique Fogaça, ou não se manifestaram, como os empresários Anuar Tacach, da agência promocional Out of Office e Alberto Hiar, conhecido como Turco Loco, fundador da marca de roupas Cavalera e ex-deputado estadual de São Paulo pelo PSDB (1999 a 2007).

Quando ocorre um desastre com vítimas fatais, como o que aconteceu no restaurante Jamile, os donos do local são os primeiros a ser procurados porque são os responsáveis pelo espaço, como explica a advogada Fernanda Marotti.

“O acidente de trabalho com resultado morte é um dos eventos mais graves no âmbito das relações laborais. Além de representar uma tragédia humana, ele gera importantes consequências jurídicas nas esferas trabalhista, civil e penal, impondo à empresa e seus administradores deveres imediatos e responsabilidades de longo prazo”, afirma.

Para tentar elucidar a dúvida e descobrir quem deve responder pelo desabamento, a Agência Pública realizou uma pesquisa na Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) e na prefeitura de São Paulo. A surpresa foi que os nomes do chef e dos empresários não constam nos cadastros de constituição das empresas que funcionam no endereço do restaurante Jamile desde 2015, quando o negócio foi inaugurado. De acordo com esses documentos, nos últimos dez anos, o restaurante Jamile teve apenas duas “donas”, Viviane Esteque e Mislaine Monteiro Silva.

Por que isso importa?

  • O eventual uso de terceiros, também conhecidos como ‘laranjas’, na constituição da empresa, é uma forma de escapar de responsabilidades que a legislação impõe e pode permitir que quem realmente lucra com o negócio saia ileso de acusações criminais

Por que Fogaça, Anuar e Hiar são identificados como donos do Jamile?

As primeiras notas na imprensa, publicadas logo após o incidente, identificavam o local como “restaurante de Henrique Fogaça”, o famoso jurado do reality show MasterChef. Erro justificável porque Henrique Fogaça assina o menu do restaurante e tem se colocado como o rosto institucional do Jamile. Em uma entrevista de 2024 à revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios, Fogaça afirma que pretende expandir o restaurante como franquia. Após o desabamento, entretanto, a assessoria do chef esclareceu, via uma nota oficial, que ele nunca foi sócio do local ou exerceu qualquer função de administração.

Desfeito o mal-entendido, surgiram reportagens com os nomes de dois empresários que desde 2015 se apresentam na imprensa como os responsáveis pelo Jamile: Anuar Tacach e Alberto Hiar, o Turco Loco. Eles foram procurados pela reportagem, mas não retornaram os contatos. O espaço segue aberto para manifestação.

Tacach e Hiar, de fato, nunca foram juridicamente sócios do restaurante Jamile, que é um nome fantasia. O primeiro registro do negócio na Jucesp aconteceu em 1º de agosto de 2012, três anos antes da sua inauguração, como Tredici Bar e Restaurante. Eram três sócios, um casal de investidores que hoje vive no Reino Unido e Viviane Esteque, irmã de Valéria Steck Hiar, esposa de Alberto Hiar. Viviane também é sócia da Cavalera, que entrou em recuperação judicial em 2021.

Em 2013, os outros dois nomes foram retirados da sociedade e Viviane Esteque se tornou a única sócia-administradora da Tredici, situação que mantém até hoje. Em 1º de outubro de 2018 a empresa enfrentou uma execução fiscal – que é basicamente um processo aberto pelo município contra o estabelecimento para cobrar impostos devidos.

Em setembro de 2020, de acordo com um processo da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, houve o pedido de bloqueio de valores. Isso se alongou até julho de 2025, quando houve o pedido de penhora de bens da sócia Viviane Esteque, que, de acordo com o mesmo processo, não tem bens penhoráveis.

No dia 28 de agosto de 2025 houve a última decisão judicial, que bloqueou todos os bens passados e futuros da Tredici Bar e Restaurante, e o juiz concedeu ao estabelecimento mais um ano para pagar a dívida de cerca de R$ 213 mil.

A essa altura, porém, a Tredici já não se encaixava mais no segmento de bares e restaurantes. Com o argumento que precisava se reestruturar por causa da pandemia de Covid-19, a empresa modificou o seu ramo de negócios. No dia 30 de novembro de 2021 passou a ser uma empresa de processamento de dados. O endereço foi alterado para um edifício residencial no bairro Ipiranga, e o telefone continuou sendo o mesmo do restaurante Jamile.

Com essa mudança, desde 25 de junho de 2019, o Restaurante Jamile opera sob uma segunda razão social: Studio Bar e Restaurante, que funciona exatamente no mesmo endereço da Treze de Maio, e com o mesmo telefone divulgado pelo restaurante em sua conta no Instagram. A única sócia-administradora da empresa é Mislaine Monteiro Silva, um nome não-relacionado com qualquer um dos supostos sócios. Juridicamente, ela é a principal responsável pelo desabamento do dia 8 de outubro, segundo Fernanda Marotti.

“Fora as implicações na esfera trabalhista e civil, a empresa e seus prepostos (sócios ou administradores), podem responder criminalmente se o acidente decorrer de violação das normas de segurança, seja por negligência, imprudência ou imperícia, pelo crime de homicídio culposo previsto no art. 121, §3º, do Código Penal. As penas podem ser agravadas se comprovada omissão dolosa de medidas preventivas para segurança do ambiente de trabalho”, descreve a advogada.

Quem é Mislaine Monteiro Silva

Um mês antes do desabamento que destruiu a cozinha do Jamile, o empresário Anuar Tacach, que atesta em seu perfil na rede social Facebook trabalhar no restaurante, estava esquiando em Aspen. O chef Henrique Fogaça, prestador de serviço do estabelecimento, estava em viagem ao exterior na semana do desastre, segundo sua assessoria de imprensa.

Já Mislaine Monteiro, a sócia-proprietária jurídica desse mesmo restaurante, que teve um faturamento declarado de R$ 6,4 milhões no ano de 2023, seguia sua vida com a família, na periferia de Itapevi, em um conjunto residencial de moradores de baixa renda. A reportagem esteve no local.

Apartamento onde mãe de Mislaine, Joelma Monteiro, recebeu a reportagem

Joelma Monteiro, mãe de Mislaine, atendeu a Agência Pública neste apartamento. Declarou que a filha mora com a família, mas “precisou viajar e ficaria pelo menos uma semana fora”. Quando foi informada sobre a reportagem e que, de acordo com os contratos da Jucesp, Mislaine Monteiro era a sócia-proprietária do Restaurante Jamile, ela reagiu com indignação. Disse que a filha “não tem nada a ver com isso, não é dona de nada, e nem trabalhou no restaurante”.

Em meio às exclamações e ao espanto, Joelma explicou que sua outra filha, Jaciara, trabalha no Restaurante Jamile. Mais calma, pediu que a reportagem aguardasse na pequena sala, enquanto foi ao quarto fazer ligações. Depois de alguns minutos, retornou e disse que quem falaria seria o marido, que estava a caminho.

Antes disso, chegou uma filha, que não quis se identificar, junto com a irmã de Joelma. Elas pediram que a reportagem se retirasse. A mulher, que se dizia irmã de Mislaine Monteiro também reiterou que a posição da família seria a de manter o silêncio porque não tinha qualquer envolvimento com o assunto.

Jamile SP: Perícia

Uma perícia foi realizada na sexta-feira, 10 de outubro, no restaurante Jamile. Uma testemunha que pediu para não se identificar disse à reportagem que a principal hipótese para o desabamento é o colapso da viga principal do mezanino, devido a uma solda feita fora das especificações. Não há previsão do prazo necessário para entrega do laudo.

A subprefeitura da Sé informou que o restaurante tinha um laudo de funcionamento emitido em 2022 e que todas as licenças estavam em dia. O ex-vereador pelo PT e professor titular de planejamento urbano da Universidade de São Paulo (USP), Nabil Bonduki, afirmou na sexta-feira, 10 de outubro, em uma publicação em suas redes sociais, que o pedido de reforma do restaurante Jamile nunca foi autorizado pela prefeitura.

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