Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Xeque na Democracia, enviada toda segunda-feira, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
A conspiração bolsonarista não está nada morta – e é possível que suas digitais estejam no massacre promovido por Cláudio Castro no Rio de Janeiro de pelo menos 117 pessoas, sem julgamento.
Há meses, os filhos de Jair Bolsonaro estão atuando nos EUA e no Brasil para pedir a designação, pelo governo dos EUA, de organizações criminais de tráfico de drogas ao terrorismo, o que permitiria incursões dos militares norte-americanos pelas águas e até pelo território brasileiro.
Se você não tem acompanhado o que o governo Trump tem feito no nosso continente, aqui vai um breve resumo. Desde o começo de setembro, navios e aviões militares dos EUA estão afundando embarcações que saem da Venezuela e navegam nas águas do Caribe. Trump diz poder fazer isso por ter designado a fação Tren de Aragua como terrorista. Não há provas de que os mortos sejam de fato integrantes da facção. Mas, a cada assassinato, ele corre para publicar um vídeo nas redes sociais do ataque, uma peça de propaganda feita para viralizar online a partir da instrumentalização do ódio sempre reforçado pelos algoritmos – o chamado rage bait, ou “isca através do ódio”.
Até agora, foram ao menos 15 barcos afundados e 64 pessoas assassinadas, sem qualquer prova de que eram de fato narcotraficantes.
Em pelo menos um caso, a embarcação havia dado a volta e recuado, segundo apuração do New York Times. Geoffrey Corn, advogado militar que trabalhava no Exército americano, afirmou ao jornal que não há nenhuma justificativa legal para dizer que se tratou de um ato de autodefesa. “Acho que é um precedente terrível. Nós cruzamos uma linha aqui.”
No dia 23 de outubro, depois de dois ataques a barcos no Pacífico, Flávio Bolsonaro fez uma postagem com um desses vídeos compartilhados pelo Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth. “Ouvi dizer que há barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?”, escreveu.
Flávio depois recuou e disse que o convite se tratava de uma “invenção” da imprensa. Mas a fala foi um “apito de cachorro”, uma estratégia de manipulação online segundo o qual algo é dito e depois desdito, de maneira que a mensagem se espalhe da mesma forma para aqueles que a devem receber.
Quando fez este comentário, Flávio não era apenas um observador distante. Ele participava havia meses de uma campanha para que os EUA passem a considerar o PCC e o CV como grupos terroristas – convidando-os a vir matar gente nas nossas águas.
Em 5 de maio, Flávio se reuniu com um emissário do governo americano chamado Ricardo Pita, que integrava uma polêmica comitiva enviada pelos EUA sob liderança do coordenador de sanções da Casa Branca, David Gamble.
A imprensa, na época, martelou que a visita tinha a ver com possíveis sanções a Alexandre de Moraes, mas o governo americano, em nota, afirmou que a pauta era outra: “A missão tem como objetivo fortalecer a cooperação bilateral no enfrentamento de organizações criminosas transnacionais, bem como os programas de sanções dos EUA voltados ao combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas, contribuindo para a proteção dos cidadãos americanos e brasileiros, em alinhamento com a agenda America First.”
A delegação visitou o Itamaraty e o Ministério da Justiça, mas iniciou sua agenda com Flávio Bolsonaro e, segundo a CNN, se reuniu também com as Secretarias de Segurança do Rio e de São Paulo.
À época, Flávio Bolsonaro afirmou à CNN que entregou um “dossiê” a Ricardo Pita, assessor sênior do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental. Segundo Flávio contou à CNN, o dossiê fora elaborado pela secretarias de Segurança Pública do Rio a seu pedido.
“O que nós tratamos aqui é que eu pedi ao governador Cláudio Castro um relatório de inteligência sobre expansão de grupos brasileiros, em especial de tráficos de armas e drogas, mais especificamente o CV e o PCC, sobre as vinculações deles com organizações criminosas internacionais, como Hezbollah”.
Na reunião ele pediu ainda a Ricardo Pita uma viagem de parlamentares brasileiros a Washington para falar destes grupos e apresentar “como seus tentáculos chegaram também aos Estados Unidos”.
Nos EUA, Eduardo Bolsonaro disse que tratou do mesmo tema em uma reunião na Casa Branca – ele teria pedido para PCC e CV fossem considerados organizações terroristas. “Sugeri em reunião na Casa Branca medidas como essa, no combate ao crime organizado. Uma sugestão do Flávio [Bolsonaro] por sinal. A sugestão foi muito bem recebida por membros da Casa Branca”, disse à CNN, naquele mesmo dia, 5 de maio.
Três dias depois, o secretário de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, retomou o tema do dossiê, ao afirmar que ele seria “oficialmente” entregue a autoridades norte-americanas pelo governador Cláudio Castro. Não se tem notícia se isso se trata do mesmo dossiê ou de outro relatório, feito pelo mesmo setor de inteligência com o mesmo objetivo.
Segundo O Globo, Victor Santos afirmou que um relatório produzido pelas inteligências das polícias Militar e Civil do Estado seria entregue durante a visita da comitiva de David Gamble ao Rio em mais um pedido para a designação nos EUA. “Temos narcoterroristas no Rio”, disse, listando a utilização de civis “como escudos humanos”, o impedimento de serviços públicos e os tribunais do tráfico como atos terroristas.
“Temos o total apoio do governador Cláudio Castro, que é um entusiasta dessa articulação. O princípio do pacto federativo dá legitimidade ao governador para buscar essa declaração junto aos americanos”, disse.
Dias depois, em 9 de maio, Cláudio Castro arrumou as malas rumo a Nova York, onde se reuniu com autoridades da Divisão da Agência de Controle de Drogas (DEA) e o Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento (UNODA). O objetivo expresso da viagem era “firmar parcerias no enfrentamento ao tráfico de drogas e armas”.
Vamos ao que se sabe sobre o relatório, obtido pela coluna de Malu Gaspar no O Globo, de nome “Análise Estratégica: Inclusão do Comando Vermelho nas listas de sanções e designações dos EUA”. Nele, a gestão Castro argumenta que o Comando Vermelho cabe nos critérios estadunidenses para designação como organização terrorista por causa da sua “crescente sofisticação, transnacionalidade e brutalidade”. O principal argumento é que a designação poderia facilitar pedidos de extradição de chefes do CV refugiados em países como Paraguai e parcerias com Interpol, DEA e FBI, além de sanções econômicas.
Para o governo Lula, há mais caroço neste angu. Bancos e empresas brasileiras que tivessem qualquer vínculo com essas organizações – mesmo sem saber – poderiam ser sancionadas, assim como a designação poderia atrair penalidades por “omissão” no combate a esses grupos. Fora, claro, o risco de envio de navios à nossa costa pra atirar em gente em barquinhos.
Tudo isso, em um contexto de retaliações já ativas pelos EUA contra nossa economia por ter investigado, julgado e condenado Jair Bolsonaro, aumentaria o potencial de interferência norte-americana.
O tal “consórcio da paz”, formado por governadores de direita para apoiar a designação de traficantes como terroristas, deve ser lido, desta maneira, não apenas como uma aliança eleitoreira, mas uma sinalização clara ao governo dos EUA.
Dentre os “presidenciáveis” afiliados, destacou-se a rapidez com que Tarcísio de Freitas articulou com seu secretário de segurança pública, o capitão Guilherme Derrite – responsável pelo assassinato de 28 pessoas na baixada santista através da Operação Escudo – uma licença do cargo para relatar o projeto de lei 1283/2025, que enquadra organizações de narcotráfico como terroristas na Câmara dos Deputados. O projeto diminui o papel da Polícia e da Justiça federais na investigação e julgamento do crime de terrorismo, empoderando polícias civis e tribunais estaduais e pode incluir militares no combate ao narcotráfico.
Derrite deve substituir o deputado Nikolas Ferreira (PL-SP), que é o atual relator do texto, e tem, além da marca pessoal de Tarcísio, a grande vantagem de ter sangue nas mãos. Ele já se reuniu na quarta-feira passada (29/10) com o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta para tratar do texto.
Quando ocorre uma megaoperação policial, em especial uma que vem a ser a mais mortal da história do Brasil, uma das primeiras perguntas que devemos fazer é: por que agora? É uma das perguntas que, até hoje, segue sem resposta.
Sabemos que a Operação ocorreu em meio a vitórias diplomáticas do governo Lula e à aproximação com Donald Trump.
A ação correu, ainda, um mês antes da Cúpula das Américas, onde, segundo informa o colunista do UOL Jamil Chade, Donald Trump pretende pressionar países latino-americanos a adotarem um comunicado conjunto afirmando que os narcotraficantes são terroristas – ampliando para todo hemisfério a carta branca que os EUA deram a si mesmo nas águas do Caribe e do Pacífico.
O governo Trump já vem colecionando vitórias no continente. Peru e Equador, segundo Jamil Chade, já declararam que vão apoiar a proposta de Trump. Na semana passada, a Argentina de Milei (que recebeu de Trump um presentinho de 20 bilhões de dólares) já designou oficialmente o CV e o PCC como organizações terroristas. O Paraguai fez o mesmo.
O Brasil, claro, deve ser contra.
Fato é que a operação de Cláudio Castro funcionou também, ela mesma, como um “apito de cachorro” para a administração americana, alertando que, se o governo Trump quer um governo que seja subserviente à sua política de matança em outros países do continente, só existe uma turma a ser apoiada nas eleições de 2026 – a dos bolsonaristas.
			
										
										PayPal									
					
					
					
					
					
					
					
						
					
					
					
					
					
					
							
							
