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Prisão de presidente da Alerj expõe laços políticos de facções criminosas

Deputado flagrado ajudando ex-colega ligado ao CV foi reeleito por unanimidade para a presidência da Casa

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5 de dezembro de 2025
17:00

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“Ô presida! Não tem como levar não, irmão. Pô, como é que leva?! Tem como levar não, irmão. Esses filhas das puta vão roubar as carnes, hein?”, graceja o homem em frente ao freezer lotado de peças de picanha durante seus preparativos para a fuga, horas antes da Polícia Federal chegar à sua casa – e encontrá-la vazia, com provas destruídas ou retiradas depois da dica recebida do amigo.

A mensagem de vídeo foi enviada pelo ex-deputado TH Joias, ao seu contato de emergência número 1, o deputado Rodrigo Bacellar (PL), um dos únicos números salvos no celular recém registrado para escapar da vigilância da PF. Naquele 2 de setembro de 2025, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), acompanhava ao vivo a fuga do comparsa, alertado por ele da iminência da operação da Polícia Federal.

TH, que acabou preso na casa de outro amigo no dia seguinte, é acusado de ser “um relevante membro do Comando Vermelho” e um “facilitador do crime organizado” no Rio de Janeiro, atuando não apenas na lavagem de dinheiro, mas como “intermediário na aquisição de armas e equipamentos tecnológicos voltados à frustração das ações contra a malta”, como o ministro Alexandre Moraes destaca como em sua petição pela prisão preventiva de Bacellar por obstrução de Justiça, realizada na quarta-feira passada (03/12).

No momento em que tramavam a fuga, três meses antes, os dois ainda eram colegas de Alerj, daí o “ô presida” da mensagem. Embora TH Joias já tivesse sido condenado em 2017 a quase 15 anos de prisão por tráfico de drogas, ele conseguiu sair da cadeia depois de dez meses do cumprimento da pena e candidatar-se a deputado, cargo que só perdeu depois de preso e ainda assim através de uma manobra que evitou sua cassação. Como TH era suplente, o deputado titular reassumiu o mandato “como uma estratégia imediata de controle de danos, visando desvincular a imagem da ALERJ do investigado TH JOIAS, que, como é de conhecimento público, era aliado político e presença constante em eventos institucionais dos Poderes Executivo e Legislativo”, como explica o ministro Alexandre Moraes na mesma petição.

A quantidade monumental de picanha que ficou de fora do caminhão de mudanças, providenciado às pressas depois do aviso de Bacellar, faz a gente imaginar quem vai sentir falta dos churrascos de TH Joias em sua casa na Barra da Tijuca. Joalheiro de confiança de celebridades da música, do crime e do futebol, como Neymar, TH Joias era amigo íntimo do traficante Índio do Lixão, que o levou à cúpula do CV, com quem passou a manter “relações próximas, notadamente com o líder da facção EDGAR ALVES DE ANDRADE, v. DOCA e URSO, e com o segundo na linha hierárquica extramuros, LUCIANO MARTINIANO DA SILVA, v. PEZÃO”, de acordo com Moraes.

Para quem não lembra, Doca era o alvo declarado número 1 da operação sanguinária nos Complexos da Penha e do Alemão no final de outubro passado. Mas, assim como Gardenal, seu braço direito, o líder do CV fugiu antes da operação, avisado sabe-se-lá-por-quem. O governador do Rio de Janeiro, chegou a dizer que a polícia do Rio sabia onde ele estava, mas não conseguiu prendê-lo. Não deixou transparecer ironia em sua declaração.

Diálogos interceptados no âmbito da mesma operação que prendeu TH Joias, Índio do Lixão, assessores e policiais militares que faziam a escolta de traficantes, e Alexandre Carracena, secretário de Esporte e Lazer de Cláudio Castro em 2022 e subsecretário de Defesa do Consumidor até janeiro passado, mostram a influência dos traficantes do CV até no policiamento do Rio de Janeiro.

Em uma conversa com o subsecretário Carracena, Índio do Lixão conta que encontrou pessoalmente o secretário do Consumidor, Gutemberg de Paula Fonseca, que foi quem indicou Carracena para o cargo, para pedir “cobertura política” e recebe elogios de Carracena por ter ajudado politicamente Gutemberg. Embora o secretário tenha negado o encontro, Carracena disse à polícia que soube da reunião com o traficante pelo próprio Gutemberg.

Em outra troca de mensagem, essa entre Índio e TH Joias, o traficante pede ao então deputado que retire o Batalhão de Choque da Gardênia Azul, favela que havia sido ocupada pelo CV. Seis meses depois, a base na Gardênia Azul passou para o comando do batalhão local, o 18º BPM (Jacarepaguá).

O secretário Gutemberg também é homem de confiança do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), de acordo com apuração da revista Veja. Ex-árbitro de futebol, ele é uma espécie de “representante da família Bolsonaro no governo Cláudio Castro”, segundo a revista. Há poucos meses, Gutemberg, Flávio Bolsonaro e TH Joias apareceram juntos em fotos durante uma agenda em Búzios, no litoral fluminense.

Já Bacellar, que promoveu e acobertou a fuga de TH Joias, também tem outras conexões interessantes. Em 2023, o Ministério Público abriu uma investigação contra ele por voar no helicóptero particular da Zocar, empresa de Márcio Macedo Sobrinho, que também é dono da M. Gold, esta dedicada ao garimpo de ouro com sede em Itaituba, no Pará. Além de colecionar multas ambientais, em julho do ano passado, a empresa foi alvo da operação Ganância, no Pará. Foram sessenta mandados de busca e apreensão, cinco pessoas foram presas, por movimentação ilegal de 16 bilhões de reais.

A ligação entre o garimpo na Amazônia e o crime organizado já foi bem estabelecida por diversos estudos, incluindo o Atlas da Violência. Já as conexões entre as facções criminosas – do CV às milícias – com o Estado do Rio de Janeiro nunca estiveram tão claras. Para ter uma ideia de sua extensão política, ainda que por omissão, basta lembrar que Bacellar foi reeleito à presidência da Alerj por unanimidade.

Nas palavras de Alexandre Moraes, as investigações “descortinam a existência de um verdadeiro estado paralelo, capitaneado pelos capos da política fluminense que nos bastidores vazam informações que inviabilizam o sucesso de operações policiais relevantes contra facções criminosas violentas, a exemplo do Comando Vermelho”.

Não é à toa que governadores como Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas, sempre às voltas com a presença do PCC em diversas esferas do poder político e econômico em São Paulo, tentaram inviabilizar o projeto de Segurança Pública do governo federal, e enfraquecer a PF, sob o disfarce de endurecer as medidas contra o crime organizado. Felizmente, o senador Alexandre Vieira (MDB-SE) parece ter conseguido salvar o PL do governo (destruído na Câmara pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite) e restituir o poder da PF e das forças de segurança nacionais, que podem ainda receber recursos das Bets. Dada a presença do crime organizado também no setor de apostas, será interessante ver se haverá bandidos financiando o combate ao crime.

Aliás, adivinhem quem apresentou meses atrás um projeto “duro” contra o crime organizado no Rio e comemorou a operação que matou 121 pessoas? Ele mesmo, Bacellar, o patrono da fuga de TH, o amigo de Doca, líder do CV e chefe da temida Tropa do Urso, formada por traficantes “treinados por ex-integrantes das Forças Armadas e de forças policiais, que oferecem táticas militares e táticas de guerrilha para que as ações se perpetuem”, de acordo com o secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Marcelo Menezes.

Antes de aplaudir as operações policiais no Rio de Janeiro ou eleger políticos de direita “linha dura contra o crime”, vale o alerta: o buraco é mais em cima.

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