Em meio à frente fria que espantou o calor do Rio de Janeiro, a Casa Pública sediou no último sábado (30) a conversa sobre “A Nova Roupa da Direita”. Marina Amaral, codiretora da Pública, conduziu a entrevista ao vivo com o professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná Adriano Codato, que tem estudado os partidos de direita no Brasil.
O evento foi inspirado na primeira reportagem financiada por leitores da Pública que participaram do projeto crowdfunding Reportagem Pública (leia a reportagem aqui). Com a casa cheia e grande interação da plateia, as perguntas da terceira Conversa Pública do ano focaram a tentativa de entender esse fenômeno político brasileiro que se revelou nos últimos anos, quando movimentos de direita começaram a tomar as ruas, e suas repercussões.
Leia aqui alguns trechos da entrevista:
Marina Amaral: Por que foi tão difícil formular uma teoria dessa ida da direita às ruas? Até que ponto você acha que a academia foi surpreendida?
Adriano Codato: Todos os agentes políticos foram surpreendidos desde junho de 2013, com as ondas sucessivas de protestos. Claro, há muita teoria sobre movimentos sociais. Mas movimento social é quase que sinônimo de movimento social de protesto antissistema ou protesto de esquerda. Movimento social de direita havia nos anos 1930, com o nazismo e o fascismo; no Brasil, movimento social de direita, o último grande, foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, às vésperas do golpe militar. O conservantismo brasileiro delegou para alguns partidos políticos a representação de seus interesses e valores. Só que como há uma fratura muito grande entre as pessoas comuns e o mundo da política – os partidos, os representantes – as pessoas de fato indignadas com uma série de coisas, principalmente com a corrupção, foram para as ruas.
Marina Amaral: Quer dizer, você acredita que a mola foi a corrupção mesmo? Não foi um pretexto, como a esquerda acredita?
Adriano Codato: Há uma ideia que unifica esses movimentos, que é a anticorrupção, muito mais que o anticomunismo ou esses inimigos mais elaborados. Quando a gente fala em direita e esquerda, essas são categorias bastante sofisticadas. As pessoas não assumem doutrinas e vão para rua defender uma doutrina. As pessoas vão à rua porque têm uma compreensão – fragmentada, pouco organizada – do que está acontecendo e ficam indignadas. Esse fenômeno de ruptura das pessoas com o mundo da política é mundial, acontece em todas as democracias. Sondagens sobre como funciona o sistema político nos Estados Unidos mostram que 10% das pessoas estão satisfeitos. Sondagens na França mostram que menos de 20% das pessoas acreditam em políticos. No Brasil, 5% das pessoas acreditam em partidos políticos. Hoje os parlamentares gostam de dizer que a Dilma tem 10% de popularidade, mas a pesquisa da Fundação Getulio Vargas em 2015 mostrou que a popularidade, a legitimidade do Congresso Nacional, é de 15%. Então, eles não estão assim muito bem, né?
Se existe uma narrativa que unifica todo mundo, é a anticorrupção. E aí eu queria propor duas ideias para a gente discutir. Primeira: o PT [Partido dos Trabalhadores] não é toda a esquerda. E nem todo mundo que está na rua é fascista. Existem grupos de extrema direita, de direita, organizados, existem grupos que se aproveitam, existem skinheads, saudosos da ditadura militar, enfim, é um conjunto muito grande de agentes que a gente, pra efeito de explicação, reúne nesse rótulo “direita” ou “nova direita”. Nós nem sabemos ainda se essa é uma direita nova, se ela apareceu ou se ela cresceu. A gente não sabe isso. Se ela estava no armário e de repente ela saiu. Ou se foi o antipetismo que a inventou.
Marina Amaral: Uma coisa que surpreendeu muito foi que só depois, na segunda eleição da Dilma, é que começou a aparecer, pelo menos de modo massivo, essa história de que o PT era comunista, que queria implantar a ditadura bolivariana, o Foro de São Paulo… Por que você acha que de repente, no fim do terceiro governo do PT na Presidência, apareceu esse fantasma do comunismo?
Adriano Codato: Eu suspeito que esse fantasma do comunismo seja, na verdade, uma ideia que empolga e organiza pouca gente no meio desses milhares de pessoas que vão às ruas nas cidades. Eu acho que o que move essas pessoas é essa ideia de anticorrupção, a ideia de que somente o PT é corrupto, e isso tem a ver com o fato de que as pessoas identificam no Brasil o governo com o governo federal. Na pesquisa que a Folha fez em São Paulo durante a crise hídrica, quando aos paulistas era perguntado de quem era a culpa da falta de água em São Paulo, era da Dilma. Por quê? A culpa é do governo. E o governo no Brasil é o governo federal.
É preciso lembrar que, quando a Dilma foi eleita em 2010, o PIB no país cresceu 7,5%. Era um movimento de empolgação, de satisfação muito grande. O Brasil estava crescendo, tinha o dinheiro das commodities, uma inflação controlada. Até 2012, as contas públicas estavam absolutamente equacionadas, a dívida pública, o crescimento do PIB, a inflação. Tudo equacionado. E a crise econômica de fato vai empurrando as pessoas para a oposição.
Marina Amaral: Mas, ainda assim, essa polarização ganhou uma cara bem específica, porque, embora você diga que nem todo mundo é fascista, o Bolsonaro virou um ícone e era um deputado praticamente desconhecido. Você acha que teve algum tipo de trabalho de mídia, de grupos, ou isso veio espontâneo?
Adriano Codato: Acho que vieram aí duas coisas. Primeiro, a grande imprensa organizou uma história com começo, meio e fim, em que o vilão é o PT. Em política, é preciso que as ideias sejam muito simplificadas. Um sistema tributário complexo é reduzido ao pato da Fiesp. A corrupção sistêmica dos contratos entre o Estado brasileiro e as empreiteiras é reduzido ao boneco do pixuleco. É preciso ideias-força que aglutinem as pessoas e as empolguem. Porque as pessoas têm uma mentalidade muito difusa sobre o que é direita e esquerda e o que exatamente elas querem. Então, a grande imprensa organizou essa história e deu a posição de vilão ao PT. É muito mais simples a gente compreender a política na chave do amigo/inimigo e a política como uma novela em que há mocinhos e bandidos. Isso de um lado. De outro lado, é para assustar mesmo o fato de o Bolsonaro [PSC-RJ] estar com 8% de intenção de votos. É para assustar mesmo o fato de o Bolsonaro, nos estratos mais ricos e mais educados, ter 25% da intenção de voto. E essa figura política representa uma nova cara da velha direita, que é a direita da ditadura militar, agora modernizada graças aos memes do Facebook e toda essa pátina tecnológica. Aí vem o anticomunismo, mas vêm também todos esses valores que vão grudando nessa nova direita, que é o racismo, o sexismo, o machismo, a questão da maioridade penal… Bolsonaro é um fenômeno a ser explicado ainda.
Marina Amaral: Professor, você falou que estuda a direita institucional, a direita dos partidos. Que evolução houve na direita institucional?
Adriano Codato: Pois é, algumas lições a gente pode tirar da votação de domingo, da admissibilidade do relatório do impeachment na Câmara dos Deputados. A primeira lição é que não é preciso voto distrital porque cada deputado representa um distrito muito específico. A segunda lição é que existe ideologia, sim, na política brasileira, não é só fisiologia. A votação mostrou que o governo tem 137 votos. Nós fomos fazer um estudo sobre os programas dos partidos políticos, os manifestos partidários. Estamos usando uma metodologia que é utilizada num projeto que chama Projeto de Comparação de Manifestos de Partidos, que tem uma base de dados de mais de 1.500 manifestos no mundo todo. Utilizando essa metodologia, a gente põe um software para ler os programas dos partidos e isola algumas ideias determinadas dos partidos políticos. Os programas são muito diferentes entre si.
A gente pode pensar que o universo político é dividido em dois eixos para facilitar. Ideias sobre economia e ideias sobre comportamentos. Em ideias sobre economia, partidos, movimentos e pessoas podem ser a favor do intervencionismo do Estado ou de uma economia mais liberal. Do lado do comportamento, pessoas podem ser liberais, progressistas, a favor dos direitos como aborto, legalização de drogas etc., ou elas podem ser conservadoras em termos morais. Há uma combinação muito complexa aí porque há partidos que são estatistas e conservadores. A nova direita brasileira, esses micropartidos, partidos evangélicos, são muito assim. Por exemplo, o PSD [Partido Social Democrático] do Gilberto Kassab, é um partido que em seu programa aceita – de forma oportunista ou não, de forma eleitoral ou não – as conquistas sociais. Diferentemente do DEM [Democratas], que inclusive entrou no Supremo contra as cotas. Há uma direita que é liberal em direitos econômicos e liberal em termos de costumes. Por exemplo, o Partido Novo.
Marina Amaral: Aliás, o Partido Novo quem organizou foi o Juliano Torres, que é o mesmo que organizou o Movimento Brasil Livre no Brasil. O interessante nisso, pra mim que sou jornalista, é que você investiga o caminho do dinheiro. Porque o MBL foi bancado com dinheiro de uma entidade chamada Students for Liberty, que era uma entidade que recebia dinheiro de todas as fundações de direita liberal americana. Daí a gente vê que esse mesmo grupo está criando o Partido Novo.
Adriano Codato: No outro quadrante tem uma turma, um tipo de partido que é conservador em termos morais e liberal na economia. Por exemplo, o DEM. Ele integrou a aliança com o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] no governo Fernando Henrique, o seu programa fala de valores liberais, prosperidade, livre iniciativa, empreendedorismo etc. E tudo isso é muito diferente em cada partido que a gente pega. Mas a gente consegue aglutinar, por exemplo, num lado que é estatista e conservador, os partidos evangélicos. Você tem liberais em economia e liberais no comportamento.
Marina Amaral: Que é o PSDB?
Adriano Codato: Então, não conseguimos ainda classificar o PSDB, porque a gente ainda não fez o trabalho. O PSDB está mais, se a gente acompanhar as votações desde 2013, está totalmente do lado da oposição e mais para a direita, mas menos que o DEM. Agora, o PP [Partido Progressista], do Paulo Maluf, está mais para a direita, mas mais perto do governo nas votações. Essa é outra maneira de pensar as posições dos partidos, pelos seus comportamentos nas votações. O difícil de fazer isso é que muito poucas votações são nominais, como a que a gente viu domingo, em que o sujeito responde sim ou não individualmente.
Carolina Durão: O que me assusta um pouco com o aumento da bancada evangélica e com a capacidade de mobilização que eles têm é que acho que isso não passa por um momento da internet; ao contrário, acho que passa por um trabalho de base nas periferias. A direita evangélica substituiu a esquerda nas comunidades e periferias?
Adriano Codato: O que as pessoas que estão estudando a bancada evangélica dizem é que sim. Esse tipo de direita, ou essa vertente da direita, que está nesses novos partidos de direita que são ao mesmo tempo estatistas e conservadores, não passa por esse mundo de internet. Nesse mundo de internet, que é muito radicalizado, aí são esses valores de anticomunismo, direita militar, aí que isso aparece. Mas também aparece o negócio da anticorrupção.
Marina Amaral: A gente teve aquele espetáculo esclarecedor que foi a votação do impeachment, o fato de a gente conseguir ver a cara de todas aquelas pessoas. Se o movimento da direita que estava na rua era basicamente ligado à corrupção, ao se revelar que muitos dos deputados que votaram eram corruptos, por que isso não fez refluir o movimento pelo impeachment?
Adriano Codato: Algumas racionalizações dizem o seguinte: primeiro tiramos o PT e depois o Eduardo Cunha. Então, o Eduardo Cunha serve como instrumento, que era inclusive a ideia do PSDB. O PSDB imaginava que ia reinar depois que o PT saísse e agora ele é uma força auxiliar menor do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. Porque colou tanto a imagem e o fato da corrupção no PT que essas altas camadas médias que tiveram seu imaginário organizado pelas mídias identificam imediatamente o PT com corrupção. E aí é preciso hierarquizar estrategicamente os inimigos. Tanto é que a comemoração no domingo foi bastante tímida, não é? No dia seguinte, as pessoas estavam um pouco envergonhadas de ter como aliados aquela massa parlamentar.
Vitor: Há uma associação entre esquerda e corrupção ou é mais uma tendência partidária, do PT e a corrupção, ou do PMDB e a corrupção?
Adriano Codato: Um colega de São Paulo fez duas rodadas de perguntas na manifestação de abril de 2015 e na manifestação de agosto de 2015, e aí, na percepção das pessoas, 92% achavam que a Dilma era corrupta. 77% achavam que o Haddad era corrupto. 45% achavam que o Alckmin era corrupto. Há uma identificação de política e corrupção e depois uma identificação do PT com a corrupção. Muito também porque é difícil descolar a esquerda que não é petista. No momento atual, as pessoas não têm uma percepção de que o PT é diferente do PSOL [Partido Socialismo e Liberdade], que é diferente do PSTU [Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado], que é diferente do PCO [Partido da Causa Operária] e que é diferente do PC do B [Partido Comunista do Brasil] .
Marina Amaral: A direita liberal se beneficia da percepção da corrupção?
Adriano Codato: Acho que a direita liberal se beneficia da percepção e da realidade de que o Estado brasileiro trata muito mal o cidadão. A oferta de serviços públicos e a capacidade que o Estado tem de regular bens públicos, como o transporte, isso deixa todo mundo indignado. Por mais governista que seja a pessoa, ela fica indignada quando tem que ir tirar carteira de identidade, ser atendida em hospital…
Rosa Cardoso: Você apresentou aqui a questão da corrupção como um tema que mexe intuitivamente com as pessoas, como a carestia mexeu. Se a gente olhar para antes, desde o Getúlio aparecia esse tema. Mas eu queria chamar atenção para como esse tema da corrupção tem sido usado pelos atores do sistema de Justiça, desde Moro aos procuradores da República, ao procurador-geral da República, o Janot, que foram formados numa escola de globalização, de perseguir o crime organizado. Principalmente a partir de 2010, as nossas leis copiam leis americanas, são formadas num círculo de cooperação internacional. Então, isso judicializou e enobreceu essa luta contra a corrupção. E aí tem interesses externos sim…
Adriano Codato: E isso tem um efeito inclusive de reforço para esses movimentos. Eu estou tentando trazer essa conversa para o lado de uma ideia que tenta articular esses movimentos, porque veja como é heterogêneo o movimento antigoverno: você tem uma facção que é ultraliberal em economia, outra que é ultraconservadora em matéria de costumes. Você tem outra facção que enfatiza mais a repressão, maioridade penal; então, é difícil articular tudo isso. As pesquisas de São Paulo, essas de agosto de 2015, mostram que 80% das pessoas que estavam nas ruas achavam que o Estado deveria prover serviços básicos, como saúde e educação. Então, nós não temos um desfile de neoliberais.
Vera Saavedra Durão: A minha hipótese é a seguinte: até que ponto foi mesmo a insatisfação? Porque o país tava rachado na eleição. Em Minas Gerais, o Aécio chegou a reunir a elite amiga dele e estourar um champanhe às 6 da tarde. A Maria Cristina Fernandes, do Valor, fez agora uma coluna muito interessante nessa quinta-feira falando que o PSBD foi o abre-alas desse movimento. Porque no dia seguinte o Aécio e o Aloyzio Nunes já estavam dizendo que iam sangrá-la até o final do governo dela.
Adriano Codato: Só para recuperar: aquela ideia de que há um movimento na América Latina de uma unificação das direitas, eu disse que é preciso pesquisar. Aqui, de fato, no primeiro momento foi o PSDB, você tem toda a razão, em 2014. O primeiro movimento foi pedir recontagem dos votos. O segundo movimento foi pedir impugnação das chapas. O terceiro movimento foi dizer que não vai governar. O quarto movimento foi sabotar a votação da Previdência, votar contra o fator previdenciário. O quinto movimento foi disputar com Eduardo Cunha e perder. Enfim, foram vários movimentos, e ali o PSDB foi o protagonista desse processo de impeachment. O que eu questiono é se podemos creditar na conta do PSDB a capacidade de organizar esse movimento. Como esse movimento é muito antipolítico… Parece que até botaram o Aécio para correr na manifestação de março. E a minha percepção diante desses movimentos é que há, sim, um racismo de classe. Racismo de classe é o preconceito social mais exagerado, essa ideia de que Bolsa Família é coisa de vagabundo, cotas é um absurdo, que os aeroportos parecem rodoviárias… Não é racismo de pele, é racismo de classe. O que eu tenho dúvida é se o racismo de classe é suficiente para levar tanta gente para a rua.
Marina Amaral: O que você espera agora? Por exemplo, a imprensa já acabou com o governo Dilma, já está o Temer, é presidente, já discute ministério… Será que esse povo que foi para a rua vai querer participar mais?
Adriano Codato: Eu acho que vai ter uma tolerância de uns três meses. E quando o PMDB ocupar todas as estatais… Essa lua de mel está fadada a acabar. Não sei quando vai acabar. Agora, a guerra contra o PT, não. Porque tem um prefeito do PT em São Paulo que representa ainda toda essa esquerda que essa direita odeia. É o candidato mais chamativo do PT, que é o Haddad. Eu acho que no futuro vai se voltar essa narrativa da corrupção, do gayzismo, da incompetência contra o Haddad. Ele já tem uma aprovação muito baixa, e 77% das pessoas naquela pesquisa achavam que ele era corrupto.
Rodolfo Rassan: Eu faço pesquisa para o mestrado sobre ódio, violência e intolerância política do Brasil com o recorte das manifestações contra e pró-governo em 2015 e 2016. A ideia é em relação à ascensão desses grupos de direita. Você também consegue identificar uma requalificação do discurso de ódio e intolerância?
Adriano Codato: Nós trabalhamos com candidatos eleitos principalmente para Câmara Federal e assembleias estaduais. O que nós identificamos é uma organização da agenda hiperconservadora em termos de costumes e de todos os preconceitos que vêm associados a isso na Câmara dos Deputados a partir dessa legislatura. Há um aumento espetacular desses novos partidos de direita, desses pequenos partidos, esses partidos que nós classificamos como nova direita; tirando daí o DEM, o PP, o PTB e o PR, eles crescem em duas cadeiras para mais de 80 entre 98 e 2014. Isso acompanha a fragmentação partidária. Então tem outras razões para explicar também o sucesso desses partidos. A partir do momento que eles têm esse poder e contam com o poder de agenda do presidente da Câmara, para colocá-los em comissões estratégicas, para nomear o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, da Comissão de Direitos Humanos, conseguem organizar essa agenda e dar uma visibilidade impressionante a essa intolerância.
Marina Amaral: Você falou que, ao contrário do que a gente imagina, a votação do impeachment pelo plenário da Câmara revelou um perfil ideológico do voto, quer dizer, aqueles deputados não estariam ali votando contra ou a favor do impeachment por motivos fisiológicos, mas ideológicos. É isso?
Adriano Codato: Eu não sei. Mas, se a gente trabalhar com a transcrição dos votos, é um discurso que não é a favor das contas públicas, a favor do relatório, contra as pedaladas; é um discurso muito organizado contra “a nossa bandeira jamais será vermelha”, “em nome de Deus em nome da família”, “em nome do meu reduto eleitoral”, e assim por diante. Ali se revela que esse tipo de divisão existe – esquerda e direita – e a declaração de votos deles é típica da direita de manual.
Mariana Simões: Vamos encerrar, mas eu queria fazer uma pergunta para a Marina, já que ela fez a reportagem sobre “A Nova Roupa da Direita”. Em termos culturais, teve um movimento nas redes sociais em resposta àquela matéria da Veja de “bela, recatada e do lar”. Não foram só as pessoas de esquerda e feministas. Juntou todo mundo. Tem uma vertente nova da direita que roubou um pouco dessas bandeiras que eram da esquerda?
Marina Amaral: O que eu acho nessa história da “bela, recatada” é que o movimento de mulheres avançou muito. Eu me lembro de quando eu estava na Caros Amigos nos anos 1990, que eu me perguntava onde estava o movimento feminista. O que tinha era Marcha das Mulheres, Mulheres do MST, não tinha assim um movimento feminista concentrado na produção da mulher. Isso aconteceu, e eu acho que é um dos avanços mais legais que aconteceram nos últimos tempos. Acho que a Dilma poderia ter apelado mais para esse movimento porque ficou evidente que as mulheres têm uma outra posição, um outro poder. E daí realmente tanto fazia a posição. Porque tantas mulheres querem seguir o modelo de Marcela Temer? Eu vejo as mulheres denunciando assédio na rua, mas que alegria que me dá lembrar de milhares de vezes em que nós, da nossa geração, tínhamos que fazer movimento oposto, porque a história era o medo: a mulher não deve frequentar determinados lugares. Eu acho que isso é uma grande esperança. O fato de o Lula ser um operário quando ele assumiu o governo foi muito mais valorizado do que a Dilma ser uma mulher e uma guerrilheira.