A autorização do porte de arma para as guardas municipais em todas as cidades; a aplicação de multas às empresas de transporte que participaram da greve dos caminhoneiros; alterações nas regras de impostos sobre planos de saúde e do setor financeiro; ou, ainda, o aumento a servidores da Justiça e Ministério Público no estado do Rio de Janeiro. Todos esses temas têm algo em comum: tiveram seu destino definido em 2018 por uma canetada de um único juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). No caso, o recém-chegado ministro Alexandre de Moraes, que tomou posse há apenas um ano e meio.
Mais alta corte do país, o STF tem o poder de suspender leis ou normas governamentais, caso elas contrariem a Constituição. No jargão jurídico, isso se traduz em processos de Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), por exemplo.
Em seu artigo 97, a Constituição determina que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros” podem os tribunais declarar a “inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Porém, é comum que ações do tipo sejam julgadas por apenas um juiz – o que contraria, segundo especialistas ouvidos pela Pública, a própria Carta Magna.
Levantamento inédito feito pela reportagem encontrou 73 processos com decisões liminares monocráticas, ou seja, ordens judiciais provisórias tomadas por um único ministro nessas classes desde 2017 durante o expediente normal, sem considerar os recessos. Em média, foi uma por semana.
São 51 ADIs e 22 ADPFs, sorteadas ou distribuídas diretamente a um ministro relator. Alexandre de Moraes é o campeão nessas liminares. Foi responsável por 25 delas.
Ainda que essas decisões não sejam um ponto final para o caso, uma vez que podem ser revertidas no plenário, é o próprio relator quem controla o processo quando ele é liberado para ser incluído na pauta. Assim, muitas vezes, as liminares – que deveriam ser provisórias – acabam se prolongando.
Um dos casos mais relevantes é das regras de distribuição dos royalties do petróleo (ADI 4.917), alterada por liminar da ministra Cármen Lúcia em 2013, que até hoje não foi a julgamento no plenário.
Questionado sobre a base legal para as decisões individuais nesses casos, em nota publicada na íntegra aqui, o Supremo alega que os ministros relatores tomam como base o regimento interno e leis abaixo da Constituição. As regras citadas os autorizam a dar liminares ou medidas cautelares para aqueles casos durante o recesso, em situações de urgência “extrema”, “excepcional” ou com “perigo de lesão grave”.
Nos casos das ADIs, além do regimento interno, o Supremo se justificou com base em trecho do artigo 10 da Lei das ADIs (9.868/1999), que diz: “Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado”. Não há menções a decisões individuais.
Do petróleo às armas
Os processos em ADI e ADPF podem tratar de uma variedade de temas, cujas decisões do Supremo repercutem também em cortes de todo o país.
Além de interferirem em decisões de outros poderes, como governos e casas legislativas, as liminares individuais nesses casos são problemáticas, pois não se restringem às partes envolvidas em cada processo. Algumas delas têm impactos políticos gigantescos em todo o Brasil. Uma delas é a disputa em torno da destinação dos valores (royalties) pagos ao poder público pelas petroleiras.
A fixação das regras de distribuição causa atrito entre estados produtores e não produtores de petróleo. No final de 2012, parlamentares se mobilizaram para aumentar a fatia recebida pelos não produtores. A mudança foi vetada pela ex-presidente Dilma Rousseff, mas o veto foi derrubado no Congresso. Já em 2013, a partir de uma ação movida pelo governador do Rio de Janeiro, estado produtor, Cármen Lúcia entrou em cena e suspendeu por liminar as alterações aprovadas pelos parlamentares de ambas as casas.
Passados cincos anos, em abril de 2018, a Confederação Nacional de Municípios lançou uma nova campanha demandando o julgamento imediato daquele caso no plenário. Segundo a organização, em valores corrigidos, estados e municípios não produtores deixaram de receber mais de R$ 43,7 bilhões desde que Cármen Lúcia tomou a decisão.
O constitucionalista Marcellus Ferreira defende que as decisões liminares deveriam ser revisadas pelos demais juízes rapidamente. “Sem isso, há uma hiperjudicialização dos rumos do país”, afirma.
Recentemente, outros casos ganharam destaque. Em junho de 2018, atendendo a pedido do partido Democratas (DEM), o ministro Alexandre de Moraes, com uma canetada, derrubou trechos do Estatuto do Desarmamento que restringiam o porte de armas de fogo para guardas municipais em cidades com menos de 500 mil habitantes, afetando assim 5.511 dos 5.570 municípios brasileiros.
Para Moraes, se aplicada, a restrição ao porte de arma de fogo deveria se relacionar com índices criminais, não com a população das cidades. Na decisão de 16 páginas, o ministro traz ainda dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e do Sistema Único de Saúde. Na prática, com a decisão, guardas de municípios de todos os tamanhos ficaram liberados para adquirir armas, expandindo o mercado da indústria de armamentos no país.
Já em julho foi a vez do atual presidente do STF, Dias Toffoli usar de seus poderes para suspender uma lei de Foz do Iguaçu (PR) que proibia debates relacionados a gênero e orientação sexual nas escolas municipais. A pedido do PCdoB, Toffoli derrubou liminarmente a proibição municipal – aprovada dentro do movimento Escola sem Partido. Ele defende que cabe à União estruturar o curriculum escolar que orientará as demais esferas federativas. Esse foi o único caso de liminar durante o recesso identificado desde 2017.
Para o julgamento em plenário, além de os processos serem liberados pelos relatores, é preciso ainda que o presidente do STF decida incluí-los na pauta do tribunal. Até lá, vale a decisão individual.
“Em tese, o juiz último é o plenário. Na prática, é o relator que decide quando o plenário vai se manifestar. Ele acaba sendo juiz em causa própria, pois tem a chance de determinar se e quando sua definição vai ser revista coletivamente”, resume o professor de direito da FGV do Rio, Diego Arguelhes, que empregou o termo “ministrocracia” em texto recente, para descrever os poderes individuais dos juízes do STF.
Especialistas criticam uso sem critério
“Se a Constituição não dá um poder específico aos ministros de forma explícita, o Regimento Interno [do STF], produzido e alterado pelos próprios, não pode fazer isso”, analisa Ivar Hartmann, coordenador do projeto do Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas. “A Constituição diz que as decisões em ADI devem ser tomadas pelo plenário. O regimento dá apenas uma autorização genérica que não pode ser usada para superar a Constituição em processos dessa importância.”
Já para os julgamentos de descumprimento de preceitos fundamentais (ADPF), ele nota que nesse caso pelo menos há uma autorização explícita na lei, em situações excepcionais. Mesmo assim, diz Ivar, “há um uso excessivo das decisões individuais como um todo, e isso é especialmente preocupante nestas classes, pois ali é um dos últimos espaços onde as discussões substantivas realmente ocorrem”.
Professor de direito constitucional, André Rufino do Vale afirma que, por regra, as liminares individuais em ADI são “ilegais e inconstitucionais”. Segundo ele, que escreveu com o ministro Gilmar Mendes um artigo em que trata do assunto, tais medidas somente seriam aceitáveis em hipóteses “de muito difícil ocorrência”, nas quais a suspensão imediata da norma seja necessária para cessar efeitos irreversíveis, que não poderiam aguardar a próxima reunião do plenário, por exemplo.
“Para que fique bem claro que medidas liminares decididas de forma monocrática são em regra ilegais, por violação à Lei 9.868/99 (art. 10), e inconstitucionais, por afronta ao art. 97 da Constituição. As hipóteses excepcionalíssimas deveriam ser bem delimitadas e definidas no Regimento Interno do Tribunal”, escreveram Rufino e Gilmar Mendes no artigo.
Sobre as situações de exceções mencionadas na lei, que servem de amparo legal às liminares, Marcellus Ferreira considera que persiste “um grau de subjetividade muito grande”.
“O que é urgência para um ministro pode não ser para outro”, comenta.
Mesmo discordando de sua aplicação, Ferreira pondera que as liminares em ADI e ADPF podem ser consideradas constitucionais, pois de fato a Carta Magna não autoriza, mas também não proíbe expressamente essa possibilidade. Para ele, como o STF é o intérprete-mor da Constituição, então valeria o próprio entendimento dos ministros sobre o tema.
No levantamento, feito com código aberto, a Pública identificou 8 casos de liminares em ADIs e 3 em ADPFs, que foram expedidas por Gilmar Mendes desde 2017.
Em um desses casos (ADPF 444), Gilmar Mendes deu uma liminar, em dezembro do ano passado, vedando a prática de conduções coercitivas de investigados para interrogatório. A decisão foi confirmada em junho de 2018 pelo plenário, mas as decisões individuais relacionadas ao assunto seguem gerando polêmicas.
Baseado nesta ADPF, Gilmar Mendes suspendeu na semana passada a prisão do ex-governador Beto Richa (PSDB-PR), um precedente que a Procuradoria-Geral da República considera grave: “Caso a decisão agravada não seja revertida, o relator da ADPF 444 será, doravante, o revisor direto e universal de todas as prisões temporárias do país”, disse Raquel Dodge.
Atrás de Alexandre de Moraes, isolado na dianteira com 25 casos, e antes de Gilmar Mendes, está o ministro Roberto Barroso, que decidiu sozinho liminares de 12 processos em ADI ou ADPF. O restante não passa da metade disso. Edson Fachin julgou só seis casos assim; Luiz Fux e Ricardo Lewandowski figuram com cinco, o presidente, Dias Toffoli, e Rosa Weber possuem quatro cada um e, por fim, Celso de Mello, com um único caso.
A grande maioria das liminares foi aceita integral ou parcialmente. Foram negadas apenas seis liminares entre os 73 casos identificados no total.
Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Daniel Falcão considerou “altíssima” a frequência de liminares individuais identificadas desde 2017 pela Pública. Para ele, isso mostra também que a produção legislativa é “muito falha”.
“O Poder Legislativo e o Executivo têm feito atos normativos que não passam pelo devido crivo de respeito à Constituição”, comenta.
O cientista político Rodrigo Martins arrisca uma possível explicação para os resultados entre os ministros. Para ele, aqueles que tiveram ascensão profissional por meio de concurso público tendem a decidir favoravelmente de forma monocrática. É o caso de Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso. “A suspeita é que decidir sozinho contra uma das partes, em geral uma autoridade política de certa grandeza, exige boa dose de segurança dos ministros. Trajetórias com carreiras centradas na estabilidade, uma vez que são iniciadas por meio de concurso público, podem fazer diferença importante”, analisa, de acordo com uma pesquisa que conduz sobre o tema.
Congresso contra decisões monocráticas
Com os juízes do STF ganhando cada vez mais destaque no jogo político, os parlamentares já ensaiam uma resposta. A Câmara dos Deputados aprovou em julho uma nova lei para proibir explicitamente liminares individuais em ADIs e ADPFs.
A proposta chegou no dia 8 de agosto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e tramita como o PLC 79/2018, que aguarda a definição da relatoria.
“Nós ‘despartidarizamos’ a questão. Eu sou do PCdoB, o relator foi do PSDB. O projeto foi aprovado por unanimidade na comissão. Cabia recurso, mas ninguém apresentou”, explicou em entrevista à Pública o deputado Rubens Pereira Júnior, autor da proposta na Câmara.
Em agosto, o ministro Luiz Fux reagiu à proposta, chamando o projeto de “iniciativa de engessamento” do Judiciário. Já Pereira Júnior defende que a lei trará maior segurança jurídica a toda a população
“Quem decide se a lei é constitucional ou não é o Poder Judiciário. Hoje, na prática, quem está decidindo isso não é o STF, mas ministros individualmente em decisões liminares e precárias. Nosso projeto busca dificultar essa decisão precária para garantir que a decisão se dará pela maioria absoluta de ministros”, comenta o deputado.
Pereira Júnior lembra ainda da Emenda Constitucional 73, que foi aprovada no Congresso em junho de 2013, criando novos tribunais regionais federais para desafogar o sistema judiciário. “Quando ainda era presidente, Joaquim Barbosa deu uma liminar suspendendo a criação dos tribunais. Ele já se aposentou há tempos e o mérito nunca foi julgado.”
O deputado acredita que o clima é favorável à aprovação da medida, vista por ele como uma “resposta do Legislativo à monocratização do tribunal”. Após as eleições, diz ele, deve prevalecer entre os senadores o mesmo sentimento dos deputados, e a proposta será aprovada.
Mais de 50 decisões pessoais de cada ministro por dia
Apesar de importantes, liminares em ADI e ADPF são apenas uma pequena gota no oceano das decisões dos juízes do Supremo. Julgamentos individuais dão o tom graças à larga alçada do tribunal, que confere muito poder aos ministros, mas também uma enxurrada de processos a aportar em seus gabinetes.
Em 2017, os membros do STF bateram recorde: foram ao todo 126.535 julgamentos. Quase 90%, decisões monocráticas. Ou seja, considerando todas as classes de processos, são pelo menos 50 decisões por dia para cada gabinete, em média.
Ainda que muitas somente reproduzam julgamentos anteriores, o número impressiona. “É algo completamente sem paralelo no mundo”, diz Rodrigo Brandão, que organizou o livro Cortes Constitucionais e Supremas Cortes, abordando o funcionamento das cortes supremas em 31 países.
Durante mais de uma década, o advogado Daniel Vila-Nova, que hoje faz doutorado em ciência política, trabalhou como assessor de diferentes ministros do Supremo, como Gilmar Mendes, Celso de Mello, Luiz Fux e Teori Zavascki. “São 11 formas diferentes de trabalhar no que diz respeito à produção de decisões”, diz ele.
Segundo ele, o nível de autonomia varia: em alguns gabinetes, o ministro olha cada caso ou um resumo dos processos. Já em outros, há padrões para aprovação com base em decisões passadas, mas a decisão só sai com a assinatura do próprio. Mas há também ministros que permitem aos assessores tocar decisões usando sua assinatura, se houver decisão passada sobre o tema. “A maior parte das decisões monocráticas são recursos, que são negados. Normalmente, quando é para conceder algo, há um crivo maior do ministro e menos autonomia para os assessores”, afirma.
A advogada constitucionalista Vera Chemin pondera que o STF não tem apenas a atribuição de um tribunal constitucional, como em outros países. “No nosso caso, essa é a principal função, mas a corte se encarrega também de processos criminais e – como se isso não bastasse – é um tribunal recursal”, comenta. Para ela, as decisões monocráticas são um “mal necessário” enquanto o Supremo receber tantos processos e tiver tantas atribuições.
“E muitas vezes é um mal mesmo, pois vemos decisões notadamente políticas, parciais, e infelizmente não podemos fazer nada. Não tem outro modo de dar vazão a todos estes processos. A decisão monocrática não deveria existir, mas nossa corte é sui generis”.
Sorteio é roleta russa
Em 2015, Ricardo Lewandowski regulamentou aspectos práticos da distribuição dos processos aos relatores. Proibiu, por exemplo, que ela fosse feita por funcionários terceirizados e estagiários, delegando a tarefa aos servidores. Determinou ainda a inclusão de uma “certidão de distribuição” em todos os processos, bem como a “estrita observância da ordem cronológica de seu ingresso no STF” na distribuição dos casos, por regra.
Não é para menos. A definição da relatoria é uma etapa vital para as batalhas travadas na nossa suprema corte. E a distribuição via sorteio funciona quase como uma roleta- russa, que pode selar o destino da grande maioria dos casos no STF (confira a entrevista da Pública com auditor do sistema de sorteio do Supremo).
A Pública analisou a distribuição desses processos ao longo do tempo, depois de ter tratado do tema em janeiro. A extração dos dados sobre a distribuição dos processos foi feita por Álvaro Justen (Brasil.IO) e, agora, a análise contou com o reforço da estatística Juliana Marques (Datalabe) que se debruçou sobre os registros do Supremo Tribunal Federal, desde o início de 2010 até junho de 2018, por meio de uma análise de agrupamentos (clusters) das atas de distribuição. No geral, a distribuição dos processos apresentou um padrão regular, considerando a distribuição de relatores por classes de processo e estados de procedência. Mais recentemente, houve apenas uma exceção.
“Em 2017, a vaga do ministro Edson Fachin – relator da Lava Jato – recebeu 15% dos seus processos do Distrito Federal, enquanto no mesmo ano a média das outras vagas foi de 7%. Mas essa diferença se deu principalmente por casos de Mandados de Segurança e recursos nos quais ele consta como ministro prevento, ou seja, não foi distribuído por sorteio”, comenta Juliana.
Cruzando os registros das atas de distribuição e processos com registros de decisões monocráticas, de 2010 a junho de 2017, identificamos 364.457 casos em que um ministro foi sorteado e decidiu individualmente algum encaminhamento: quase 81% deles são diferentes tipos de recursos, como o Recurso Extraordinário (RE), Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) e o Agravo de Instrumento (AI). O famoso Habeas Corpus (HC) responde por 8% dos casos.
EUA e México proíbem decisões monocráticas
Permitir decisões individuais e sortear processos na suprema corte é uma combinação incomum. Mas há outro país onde isso ocorre. Em Portugal, os casos também são sorteados aos relatores, que podem tomar as chamadas “decisões sumárias”.
Assim como no Brasil, em Portugal o sistema responsável pelo sorteio é eletrônico e seu código não é público. As decisões individuais, entretanto, são consideravelmente menos frequentes no além-mar.
No Tribunal Constitucional Português, o expediente é usado para lidar com o grande volume de processos, assim como no Brasil. “Mas, como o número de processos que sobem ao STF é cerca de 70 vezes maior, as decisões monocráticas até ajudam a lidar com a carga de trabalho, mas não resolvem o problema”, comenta o professor de direito Thiago Magalhães.
Membros do Departamento de Direito da PUC-Rio, Manoel Peixinho e a pesquisadora Fernanda Chianca realizaram a pedido da Pública um levantamento sobre a distribuição de processos e decisões individuais em dez supremas cortes: Brasil, Portugal, Itália, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, México, Rússia e África do Sul. A conclusão é que o modelo luso-brasileiro é raro.
Em geral, a regra é a decisão colegiada, em que é feito um debate entre os juízes da corte a respeito da decisão. As decisões individuais não são aceitas mesmo em supremas cortes que lidam com recursos. É o caso dos Estados Unidos, México e, em certos casos, África do Sul.
Nos Estados Unidos, a definição do relator se dá em uma fase mais avançada, após a audiência. Para ter o caso admitido na Supreme Court of The United States (abreviada para SCOTUS), alguma parte envolvida deve fazer uma petição e esta ser aprovada preliminarmente por no mínimo quatro dos noves juízes do tribunal.
“Uma vez admitida, há uma audiência na qual os juízes fazem perguntas e intervenções. Depois, privadamente, expõem seus pontos de vista, votam e o presidente escolhe o relator, ou seja, quem vai redigir a opinião da maioria. O presidente tem a palavra final e pode levar em consideração a quantidade de trabalho e a distribuição equilibrada dos processos mais importantes entre os juízes. Em geral, a decisão do relator é feita por comum acordo, optando por quem tem uma visão mais conciliadora no assunto”, explica o professor José Guilherme Berman, que dá aulas de direito na PUC-Rio.
Outra corte representativa, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungsgericht) adota dinâmica diversa. Os alemães possuem dois Senados, algo como nossas “turmas do STF”. Cada um deles define anualmente as relatorias de seus casos e é responsável por assuntos específicos. Do mesmo modo, esclarece Lucas Laurentiis, pesquisador visitante do Instituto Max Planck, a relatoria é direcionada para cada juiz do supremo tribunal alemão por áreas temáticas, de modo que todos os processos envolvendo “liberdade de expressão” são encaminhados para o mesmo relator, por exemplo.
Nota do Supremo sobre liminares em ADI e ADPF
A respeito das decisões monocráticas nas classes ADI e ADPF, o Supremo Tribunal Federal se posicionou por meio de sua assessoria de imprensa. Confira a nota:
“Informamos que, ao concederem liminar monocraticamente em ADI, os ministros do STF utilizam como fundamento legal o artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs), combinado com o artigo 21, inciso V, do Regimento Interno do STF. O primeiro dispositivo diz que ‘em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado’. Já a regra do regimento prevê a atribuição do relator para determinar, em caso de urgência, as medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ad referendum (a ser referendada) do Plenário ou da Turma. Por isso, as liminares em ADIs devem ser submetidas a posterior referendo do Plenário.
Quanto às liminares monocráticas concedidas em ADPF, o artigo 5º, caput, da Lei 9.882/1999 (Lei das ADPFs) prevê que ‘o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental’. E o seu parágrafo 1º diz que ‘em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno’.”