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Entrevistamos três cientistas para saber se estamos no início do fim da pandemia ou não, quais as perspectivas para os próximos meses e os riscos que a covid-19 ainda reserva

Entrevista
20 de janeiro de 2022
10:00
Este artigo tem mais de 2 ano

Para muitos brasileiros, 2022 começou com um gosto amargo de 2020: após meses de queda na média de casos de covid-19 no país, o ano novo marcou a explosão da transmissão comunitária da variante Ômicron. 

A notícia ruim: os dados hoje já registram o recorde de infecções por covid desde o início da pandemia, superando o pico de 2021. São dados incompletos e que provavelmente escondem uma curva ainda maior, realidade que se repete desde 2020 pelas limitações de testagem no Brasil. Parentes, colegas de trabalho, conhecidos e talvez mesmo você, que lê esta entrevista, podem ter se infectado pela covid no último mês e experimentado a dificuldade em fazer testes devido à alta procura no sistema público ou os preços das farmácias privadas.

A notícia “não tão ruim”: o número de mortes não está perto do pico das ondas anteriores, ao menos por enquanto: há menos de um ano, marcamos mais de 2 mil mortes diárias na média semanal — em abril, o Brasil chegou a marcar 3 mil mortes por dia na média semanal.

Esse conjunto de notícias tem sido apontado por alguns pesquisadores como um anúncio do fim da pandemia, que levaria a covid-19 a finalmente poder ser tratada como uma gripe sazonal — com vigilância, vacinação e atendimento médico. Outros são mais céticos, afirmando que ainda é cedo para ter certeza do futuro e alertam que o risco de colapso no sistema de saúde de algumas regiões não pode ser descartado.

A Agência Pública entrevistou três pesquisadores sobre algumas das principais dúvidas em relação à pandemia em 2022: Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), membro do Observatório Covid-19 BR e doutor em física, que trabalha com sistemas complexos aplicados a problemas de ecologia e epidemiologia; Anderson F. Brito, virologista, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS); e Expedito Luna, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Já está claro qual o impacto da Ômicron na pandemia? Está descartado um pico de mortes e hospitalizações no Brasil igual aos de 2020 e 2021?

Kraenkel: O que nós sabemos de outros países, na Europa, por exemplo, ou de países vizinhos como a Argentina, é que esta onda é muito, muito maior que qualquer outra anterior [em número de casos]. É isso que se espera ver no Brasil, mas talvez a gente não veja bem porque não se faz testagem pública no Brasil. Os dados brasileiros mais confiáveis são de hospitalizações, não de testagem, apesar de já se notar uma alta muito grande de casos e de testes positivos. Fora os chamados casos anedóticos, todo mundo conhece hoje várias pessoas com covid.

Aí vem a questão da Ômicron ser uma variante que faz com que as pessoas tenham uma doença menos severa — que também depende do status vacinal. Isso é uma ótima notícia para cada uma das pessoas que pega o vírus: a chance individual de ir parar no hospital é menor. Já do ponto de vista de saúde coletiva, da população, pelo fato de ter muitos casos — mesmo que a chance de hospitalização seja menor — pode haver um novo pico de hospitalizações, ainda que nas enfermarias, e que pode elevar o número de mortes. 

Não é uma competição sobre qual variante é mais trágica, mas como isso se traduz no contexto brasileiro. A questão da mortalidade é muito mais complexa do que simplesmente a mortalidade do vírus. A mortalidade, claro, tem relação com a severidade da doença, mas também do tipo de acolhimento hospitalar que você pode dar para as pessoas, a assistência médica. A mortalidade não é só uma consequência da severidade. Isso depende de não haver um colapso do sistema hospitalar.

A gente espera que isso [a explosão de casos] vá acontecer ainda em janeiro. Esperamos que o crescimento seja rápido e, se a situação sul-africana se repetir, a duração da crise não será tão longa. É razoável pensar que esperamos um auge em fevereiro, mas é uma avaliação com muitos “senões”. Depende de diversos fatores, tanto das políticas públicas quanto propriamente do vírus.

Brito: Em cada país há uma variedade diferente de variantes circulando. E isso gera repercussões diferentes. Não podemos esquecer da Delta, que, quando invadiu os Estados Unidos, era a Alfa que estava dominando, mas a Delta se sobrepôs à Alfa, e os impactos foram visíveis.

Os impactos de uma nova variante em uma população que já tinha se infectado anteriormente por uma outra variante de vírus pode levar a resultados diferentes. Temos a questão das diferentes vacinas utilizadas, diferentes níveis de vacinação e quão homogênea essa vacinação é em nível nacional. Isso tudo somado vai mudar a resposta sobre o que a Ômicron irá representar em termos de crise de saúde pública. 

Pessoas vacinadas tendem a ter, principalmente aquelas que já receberam dose de reforço, casos mais leves. Isso é algo que traz esperança de que a Ômicron possa vir a não gerar os impactos que se assemelham, por exemplo, à Gama. Mas pode ter uma parcela pequena da população que, mesmo com essas doses, em função de situações de saúde particulares, se a pessoa é imunocomprometida, ela pode eventualmente necessitar hospitalização. O vírus está circulando de maneira descontrolada, não é difícil entender que essas pessoas irão necessitar de hospitalização. E eu incluo os idosos também, muitos ainda não receberam a terceira dose. Esse público está vulnerável e as pessoas estão sem informação, estão andando no escuro. Por isso não dá para bater o martelo, não dá pra dizer que não há chances de a gente passar por momentos delicados.

Luna: Aparentemente, nós temos no mundo inteiro um aumento exponencial do número de casos. Esse aumento está sendo verificado nos Estados Unidos e em vários países da Europa e foi observado, um pouco antes, na África do Sul. Na África do Sul houve um grande pico e, em seguida, voltou pros números anteriores.

Aparentemente, com esse pico, teríamos alta transmissibilidade e menos gravidade. O Brasil está com dois terços da população vacinada com duas doses e ainda um pouco a mais com uma dose, isso talvez influencie o curso da doença para que a gente tenha casos menos graves — agregado ao fato de que um grande número de pessoas já teve covid. 

De qualquer forma, quando se tem um número muito grande de pessoas doentes, o volume de casos que vai evoluir para maior gravidade pode aumentar também. Com a transmissão muito intensa, a gente pode ter um grande volume de casos necessitando de internação e, possivelmente, concentrados naquelas parcelas da população que recusou a vacina. É isso que está sendo observado, por exemplo, nos EUA. 

Especialistas afirmam que apesar de explosão atual de casos, vacinação apresenta defesa mais robusta da população em comparação com ondas anteriores do coronavírus

O que se espera das demandas de equipamentos e suprimentos na pandemia neste ano de 2022? Há riscos de falta de leitos de UTI, oxigênio, como vivemos anteriormente?  

Kraenkel: Neste momento, não estamos passando tanto por situações como as anteriores de hospitalização em UTI, nem se fala tanto em deficiência de oxigênio, mas a gente precisa lembrar que cada lugar do Brasil é muito diferente um do outro. O que você tem de problemas atualmente são outras coisas.

Primeiro você tem uma quantidade enorme de gente ao mesmo tempo procurando postos de saúde e pronto-socorro, e podemos ter uma quantidade que o serviço não dê conta. A maioria da população depende de serviços públicos.

Outra coisa é que muita gente dos serviços públicos ou de toda a cadeia estrutural do serviço de saúde adoece e fica em casa, aí você tem menos gente para cuidar das pessoas: menos médicos, menos enfermeiras.

E também problemas em cadeias de suprimentos, como um problema em relação aos insumos para fazer testes. A associação brasileira dos laboratórios privados soltou uma nota dizendo que existe uma crise mundial de insumos e que não conseguem dar conta de fazer os testes necessários por falta de insumos. São problemas ligados à escala do número muito grande de pessoas suspeitas de covid.

Brito: Tudo vai depender da escala de disseminação dessa variante. Existe uma disparidade muito grande de cobertura vacinal Norte-Sul; na região Norte, por exemplo, a cobertura é mais baixa. Então a gente tem que olhar estado por estado, cada um deles vive uma realidade diferente. E não está descartada essa possibilidade, não.

Já tem se relatado a possibilidade de escassez de testes para a covid e que casos leves não sejam testados porque vai faltar para casos graves. Então isso é um sinal de alerta, porque as pessoas procuram testes. A falta de testes é um termômetro que mostra que o vírus está sendo transmitido a taxas muito elevadas. Se a gente acompanhar o número de casos crescente e também vier um aumento muito expressivo de hospitalizações, a gente pode começar a chegar naquele limiar onde, em termos logísticos, os suprimentos começam a ficar mais escassos. Sem dados não dá para dizer nada, então tem chance de alguns municípios serem pegos de surpresa. Isso é o ponto lamentável dessa falta de dados.

Luna: Temos que ter cuidado nas nossas projeções. A pandemia  foi um evento inusitado, está sendo um evento inusitado e tem nos surpreendido. Lembra que, em dezembro, nós pensávamos que estaríamos chegando no período mais tranquilo? No começo de dezembro, o número de óbitos caiu e havia uma onda de otimismo, onde se chegou a discutir a liberação do uso de máscaras. E isso foi muito fugaz. Em 15 dias mudou tudo e a gente voltou até um pico de transmissão da doença.

Apesar de o presidente Bolsonaro criticar as vacinas — ele mesmo disse não ter se vacinado e que não vacinaria sua filha  —, o SUS tem realizado a vacinação dos brasileiros e o país passou até mesmo os EUA em porcentagem de pessoas vacinadas com duas doses. O que houve de acertos na condução da pandemia no Brasil?

Kraenkel: O SUS, o sistema de atenção básica, fez um excelente trabalho de vacinar com eficiência em quase qualquer ponto do Brasil. Mas isso não é necessariamente uma coisa que devemos elogiar [no governo federal], porque não é uma ação do governo, mas da estrutura de atendimento à saúde. E que poderia ter sido muito melhor usada para medidas de contenção, de mitigação, busca ativa de contactantes, de testes. A existência dessa rede, do SUS, foi fundamental para que a campanha de vacinação tenha sido até agora um sucesso, embora ainda falte gente. É uma coisa, digamos, positiva.

Brito: Eu vejo um acerto que a gente aumentou a disponibilidade de vacinas de maneira um pouco mais ampla para a população. É inegável que esse aumento na disponibilidade veio após pressões da sociedade, e que muito disso veio também em função da CPI da Pandemia, que revelou questões muito críticas, muito sérias. E esses acertos se deram apesar das falas contrárias à vacinação.

Isso é um ótimo sinal no sentido de que a população já conhece o histórico e a importância do Programa Nacional de Imunização, que não vem de hoje. São décadas de trabalho e de vacinação. Todos nós temos a nossa caderneta de vacinações e sabemos, reconhecemos essa importância. Então, implantar a hesitação na população brasileira não é uma tarefa muito fácil, não, mas os negacionistas têm tentado ao máximo impor esses receios. Felizmente, não têm sido bem-sucedidos, mas é um fato lamentável mesmo. 

E erros? 

Kraenkel: Tem vários.

O governo federal, que é quem pode comprar vacinas, demorou muito para comprar. E falta um esforço especial para a vacinação da dose de reforço. O Ministério da Saúde também não tem uma política de mitigação da pandemia sem ser a vacina, outra medida não existe, depende de estado por estado.

Um grande vazio é a questão da testagem, sobretudo por testes rápidos, de antígenos. Por quê? Nós queremos algum momento em que essa pandemia acabe, que a gente consiga conviver com o vírus. E um dos ingredientes disso é que as pessoas possam se testar facilmente. Você decide visitar, por exemplo, os pais idosos: é importante poder se testar antes. Essa política tem que ser uma política pública, não adianta deixar para as farmácias privadas. A distribuição tem que ser pública e de acesso muito fácil para as pessoas de qualquer classe social. O auto teste resolve o problema de quem pode pagar. 

Brito: São vários.

Um dos principais foi a pouca campanha de comunicação sobre a importância da vacinação em rádio e TV. Isso é algo crucial, convence as pessoas ou lembra as pessoas da necessidade de se vacinar. Seja para covid ou para gripe.

Outro erro central é a demora na compra das vacinas. A CPI revelou que muito desse atraso foi em função de tentativas de lucrar em cima da compra da vacina, tentativas de corrupção, mesmo. Mas, apesar dessas falhas, o desejo da população de se vacinar foi muito maior. Isso explica o sucesso, que veio apesar dos vários erros.

Luna: Temos mais erros do que acertos. Falhamos na vigilância epidemiológica, na capacidade de detectar casos e fazer o diagnóstico dos casos, e fazer o que a gente faz para todas as outras doenças infecciosas: tentar isolar os pacientes e colocá-los em quarentena. Os países que conseguiram fazer isso foram bem-sucedidos no controle da pandemia, principalmente os países da Ásia e da Oceania.

Houve uma grande falha no bê-á-bá da saúde pública, que é a vigilância epidemiológica e as medidas de barreira diante de cada caso. Houve iniciativas em municípios, mas que foram isoladas. Conta com isso a falta de ações e sabotagem do governo federal em relação às medidas de distanciamento social. Tivemos aquela crise aguda em Manaus, com pessoas morrendo na rua por falta de assistência, leito e oxigênio para aliviar a dificuldade respiratória das pessoas. E falhamos também na vacinação porque houve uma uma ação deliberada do governo federal em sabotar a vacinação. A vacinação só andou porque houve uma pressão pública do problema na CPI para aquisição de vacina. O SUS tem uma grande experiência em vacinar milhões de pessoas, de fazer grandes campanhas, mas esse próprio SUS está muito sucateado.

Quais são as expectativas para os ciclos de vacinação? Já se fala em quarta dose, isso é uma certeza? De quanto em quanto tempo deverá ser a vacinação contra a covid?

Brito: Doses anuais de vacinas contra vírus que mudam de maneira muito rápida, como vírus influenza da gripe, já são uma realidade. Assim como acontece para a gripe, eu não veria com surpresa a necessidade da gente ter doses de reforço anuais contra a covid-19. 

O fato da gente ter que vacinar, por exemplo, a cada seis meses para a covid é a queda das nossas defesas: elas vão caindo gradualmente, e isso é uma reação do nosso corpo. A gente desmonta certas defesas e com isso a gente vai tirando parte dessa armadura, dessa proteção, a ponto de ficar mais vulnerável após seis meses. Esses reforços vêm justamente para montar novamente essas proteções.

Estamos em pleno verão e o vírus [da covid] segue se disseminando porque ele está encontrando possibilidades. Daí a necessidade de uma vacinação em um prazo mais curto a cada seis meses. O Sars-Cov-2 acumula de duas a três mutações ao mês. Isso é um ritmo rápido de evolução. A única forma é evitar que o vírus seja transmitido e alcance novas pessoas, porque durante a infecção é que ele acumula mutações.

Pode ser que em um futuro próximo esse vírus já não gere um impacto da saúde pública tão grande em função da imunidade adquirida ao longo dos anos, seja porque as pessoas foram infectadas ou porque elas foram vacinadas, a ponto de já não ter uma necessidade de uma vacinação tão frequente. Mas até que a gente chegue nesse ponto, temos que continuar aplicando doses de reforço, como fazemos contra o vírus da gripe.

Luna: Temos toda essa tarefa de fazer a terceira dose para aqueles que não tomaram e completar a vacinação com as duas doses. Temos que fazer essa ampliação para as crianças de 5 a 11 anos de idade. Na situação brasileira, é isso que está na ordem do dia. E se ainda está na dúvida se vamos precisar de uma vacina anual, não temos certeza. Se for assim, o que eu prevejo é uma dose anual semelhante ao que se faz com a influenza. 

Houve uma declaração do presidente da Pfizer de que vai ter uma vacina para Ômicron, mas não sabemos se esse é o caminho. Não há consenso científico sobre isso, mas eu creio que deva surgir alguma decisão neste ano sobre esse assunto. 

A tendência é que a pandemia “termine” com a covid se tornando epidemias/surtos sazonais, como a gripe? Quais serão as marcas/indicadores de que a pandemia está chegando ao fim?

Kraenkel: Quem disse que só porque a Ômicron causa sintomas menos severos, qualquer coisa que venha aí também irá trazer sintomas menos severos? Os processos evolucionários têm uma grande parcela de indeterminismo. Não dá para dizer isso.

Vamos precisar discutir uma gestão flexível — não sei se agora, talvez quando esta onda passar —, mas de como vamos fazer. É importante que exista um gabinete de crise com flexibilidade suficiente para fazer avaliações de quão grave a situação é, quais as perspectivas e como vamos fazer para de certa forma conviver com o vírus, sem fazer com que muita gente vá para o hospital ou morra de covid. Mas não vejo por parte do governo nenhuma discussão nesse sentido.

Mas será preciso continuar acompanhando o número de internações, nas UTIs e enfermarias, qual o nível de incidência da doença na população geral, e ter uma reação rápida quando necessário.

Tudo isso é muito cedo, a gente mal começou a subida da Ômicron e não sabemos ao certo como isso vai impactar a sociedade brasileira. Ainda é cedo para dizer “tudo bem ter covid”. É preciso ter monitoramento da situação, por exemplo, genômico, precisaria ter uma maior organização para verificar se não estão surgindo novas variantes que possam ser de maior preocupação.

Brito: Muitas pessoas perguntam quando a epidemia vai terminar. Uma coisa que precisamos ter bastante claro é que não haverá um marco temporal único, em um dia específico, que defina “aqui foi o fim da pandemia”. Não é em um dia específico, é um processo.

A tendência é ver cada vez menos um impacto grande na saúde pública. Esses impactos têm a tendência de irem diminuindo até chegar em um momento onde o impacto já não é grande o suficiente para que a gente tenha que implementar medidas de restrição.

Há outros quatro coronavírus que já infectaram provavelmente todos nós ao longo da nossa infância e da nossa vida adulta também. Sempre pegamos esses vírus, são os sazonais. A gente sabe o período do mês, onde eles costumam circular com mais facilidade. Podemos provavelmente chegar nesse estágio endêmico em um futuro muito próximo. Essa, por exemplo, já é a realidade do vírus H1N1 da pandemia que a gente viu em 2009. Muitos pensam que o vírus desapareceu: não, de forma nenhuma. Esse vírus H1N1 pandêmico segue com a gente. No Brasil, no ano de 2019 ele correspondeu a mais de 25% dos casos naquele ano.

O vírus da covid vai seguir com a gente, muito provavelmente ele vai se somar aos outros quatro. Eu vi agora pessoas que contraíram a variante Gama, que nunca desapareceu totalmente. É tudo uma questão de acompanhar. Esse vírus já nos deu vários dribles. É importante tirar essa ideia de que a Ômicron é leve. Ela é leve para quem? Para vacinados em todas as doses? Possivelmente sim, mas e para os não vacinados e para aquela população mais vulnerável? Provavelmente não. A gente tem que enxergar as coisas por esse ângulo. Nós temos uma diversidade populacional muito grande em termos de proteção imunológica.

Luna: Talvez seja isso, quer dizer, o fim da pandemia seja que esse vírus se torne endêmico. Se for assim, talvez a Ômicron represente que estejamos caminhando nesse sentido. Eu ainda acho precipitado fazer essa conclusão. Penso que vamos ter mais elementos nesse ano de 2022 para confirmar essas hipóteses de que a doença está virando endêmica.

Para isso, eu vou voltar aqui lá do começo: essa menor gravidade talvez seja fruto da ampliação da vacinação. Para que ocorra essa endemização da doença, seria necessário que a maior parte da população mundial fosse vacinada, mas não temos essa situação. Então temos uma variação muito grande, e os países mais pobres, que é onde tem a maior população, continuam com uma cobertura vacinal muito baixa. 

Talvez, nesses lugares onde tem uma vacinação baixa, a gente continue a ter um cenário pandêmico com a emergência de muitas outras variantes potencialmente muito graves. E essas variantes não ficam restritas a um lugar só. E o que ficou claro é que as barreiras sanitárias como o fechamento das fronteiras são muito difíceis de ser operacionalizadas e não têm sido eficazes para barrar a disseminação do vírus.

*Colaboraram: Beatriz Saraiva, Ciro Barros, Rafael Oliveira

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