O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinou, na noite desta quinta-feira (9), que o governo federal adote “todas as medidas necessárias” para que cestas básicas cheguem aos indígenas da terra Yanomami, em Roraima, que vivem desde janeiro passado uma emergência sanitária ocasionada pelos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.
O ministro acolheu, no bojo da ADPF 709 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), uma manifestação da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) que alertou para “a urgência em ampliar a operação logística, de recursos financeiros e humanos a fim de corrigir a problemática voltada à insegurança alimentar dos indígenas Yanomami, com o efetivo diálogo entre os ministérios componentes na estrutura do executivo federal para destinação de verba pública específica para tal fim e organizar, efetivamente, os meios e ferramentas necessários para a coleta, armazenamento e entrega de cestas alimentares”.
Como noticiou o Antagonista, Barroso criticou a ausência de manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre “essa situação emergencial”. A APIB mencionou um documento do Ministério da Defesa que reconheceu a entrega, até o momento, de 34 mil das 50 mil cestas básicas solicitadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e pelo MPI (Ministério dos Povos Indígenas). Em sua decisão, Barroso apontou que “são graves e preocupantes as informações a respeito das falhas de coordenação nas operações de logística, desintrusão e proteção à saúde dos povos indígenas Yanomami”.
“Particularmente no que diz respeito à entrega de cestas básicas muito aquém do número previsto, que se soma à situação de gravíssima insegurança alimentar dos povos que vivem na região”, decidiu o ministro. Ele também deu prazo de 48 horas para que a União preste “informações faltantes”.
Sobre outro ponto do pedido da APIB, Barroso determinou que eles sejam “endereçados de maneira coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério dos Povos Indígenas e do Ministério da Defesa, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República”.
Em reportagens nos últimos meses, a Agência Pública apontou problemas na logística de distribuição das cestas básicas aos Yanomami e Ye’kwana. Em junho, apontou que o Ministério da Defesa cobrava da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) o pagamento de R$ 1,6 milhão a cada dois meses para poder entregar 5.318 cestas básicas por meio fluvial até os Yanomami que viviam em aldeias no lado do Amazonas na terra indígena. Indagado se não tinha dinheiro para a operação, o Ministério da Defesa respondeu laconicamente que “não”.
Em março, a Pública revelou que os militares se recusavam a corrigir 46 pistas de pouso que ajudariam no socorro aos Yanomami. A intervenção havia sido solicitada pela presidente da Funai, Joênia Wapichana. Atualmente, após a negativa dos militares, estão em andamento obras de correção de parte das pistas com recursos da própria Funai.
A manifestação da APIB foi protocolada no último dia 24 no STF e subscrita pelo coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena. A APIB apontou para a necessidade de “reorganização dos aviões com capacidade para a referida entrega [das cestas básicas] e a construção de pistas de pouso adequadas, além da reforma/ampliação dos galpões para um maior e melhor armazenamento dos alimentos”.
“A desorganização logística e administrativa levou, ainda, ao perecimento de muitos alimentos, como ocorreu com o charque entregue ao pelotão de fronteira na região de Auaris, na qual se encontram 29 comunidades em grave estado de insegurança alimentar. Há descontinuidade nas entregas e os indígenas se veem obrigados a sacrificarem seus plantios futuros, chegando ao ponto de comerem mandioca verde”, apontou a APIB.
“As regiões de mais fácil acesso foram privilegiadas em detrimento das mais remotas – inclusive daquelas que estão em maior situação de vulnerabilidade. Soma-se a isso a falta de mediação na distribuição de cestas, que resultou na concentração de mantimentos entre as famílias que, nas palavras dos pesquisadores, “deram a sorte” de estar no local da entrega no momento em que a doação foi feita.”