Para o governo Lula, a receita para frear o desmatamento no Cerrado passa por uma gestão integrada dos recursos naturais com governos dos estados e por brecar o avanço descontrolado da agropecuária. É o que revela a versão final do novo plano de combate ao desmatamento no bioma, o PPCerrado, oficialmente lançado nesta terça (28) em evento na sede do Ministério do Meio Ambiente e mudança do Clima.
Acompanhado presencialmente pela Agência Pública, o evento também serviu para o anúncio dos dados oficiais de desmatamento no bioma entre agosto de 2022 e julho de 2023, produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Ao todo, o Brasil perdeu 11 mil km2 de áreas nativas no bioma neste período – 75% do total foi devastado na grande fronteira agrícola do país, situada entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, no chamado Matopiba.
Desde o governo de transição havia preocupações com o futuro do Cerrado no governo Lula, como reportado à época pela Pública. O que se viu no evento desta terça reforça – ao menos publicamente – o desejo da atual gestão em unir ambientalismo e agronegócio em torno de uma produção agrícola mais sustentável no bioma.
Governo quer aumentar proteção das águas do Cerrado
Segundo o que foi apresentado no evento, para o governo há seis pontos fundamentais para o sucesso do PPCerrado:
- ampliar a fiscalização ambiental, presencial e remota;
- aumentar a rastreabilidade de produtos agropecuários;
- criar novas Unidades de Conservação – ao menos 45 processos estariam em estudos no Meio Ambiente;
- integrar dados estaduais e federais de autorizações para desmatamento e sanções por desmates ilegais;
- revisar normas que permitem aos estados autorizarem desmatamentos;
- vincular a concessão de outorgas de uso de água à conservação de Cerrado nativo em terras privadas.
Com tais medidas, o governo busca também proteger os recursos hídricos do bioma – mais conhecido como “berço das águas” do Brasil, por ter nascentes de 8 dos 12 principais rios do país. Mas o Cerrado tem sofrido com um ‘libera-geral’ de outorgas de água para uso do agronegócio, como mostrado pela Pública em 2021.
“Fica cada vez mais evidente a importância do Cerrado no ciclo hidrológico do país, então nós temos de pensar em modo de integrar os dados e as gestões ambiental, hídrica e territorial”, afirmou à Pública o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima.
De acordo com o secretário extraordinário, a ideia é reunir a Agência Nacional de Águas, o Ministério do Desenvolvimento Regional, atual responsável por gerir a política de recursos hídricos do governo federal, e os governos estaduais neste novo modelo de gestão no Cerrado.
“Os estados são os grandes responsáveis pelas autorizações de desmatamento e pelas emissões de outorga [de uso de água], então precisamos integrar e estudar nossas bacias hidrográficas, nascentes e aquíferos, tudo para manter uma produção hídrica suficiente para abastecer populações, a agropecuária e a produção energética no país”, disse Lima.
O papel do agronegócio na destruição
Na ótica do Meio Ambiente, uma série de fatores explica o aumento da devastação no bioma: de um modo geral, todos guardam relação com o avanço do agronegócio no Cerrado.
Entre os fatores de risco, destaque para a crescente especulação fundiária e a dificuldade de se monitorar quais desmatamentos são irregulares, considerando o fato que governos estaduais autorizam grandes supressões de Cerrado nativo sem os devidos estudos.
Além disso, a devastação também se explica pela gestão ineficaz das águas e pela falta de um manejo adequado do fogo no Cerrado.
O fato de existirem poucas unidades de conservação integral no bioma, como comunidades quilombolas e terras indígenas já tituladas, também influencia em sua destruição – algo já destacado em evento realizado na Câmara dos Deputados em setembro, como relatado na coluna Entrelinhas do Poder.
Japão quer investir em recuperação de pastagens no Cerrado, diz Agricultura
Além da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), também compareceram ao evento desta terça o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT), e representantes dos ministérios da Agricultura, Casa Civil, Ciência e Tecnologia.
Veio do representante da Agricultura a promessa de angariar recursos internacionais para a recuperação de áreas degradadas no Cerrado. Segundo o assessor especial do ministério da Agricultura, Carlos Ernesto Augustin, há tratativas com a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) para a assinatura de um acordo para a recuperação de terras degradadas no Cerrado.
“Nossas tratativas com a JICA são claras: o pré-requisito número um é que não haja nenhuma área com problemas fundiários entre aquelas beneficiadas. Serão recursos voltados somente para áreas de pastagens já consolidadas e, de preferência, degradadas”, afirmou à Pública o assessor da Agricultura.
“Estamos elaborando todos os detalhes do plano, para que se estimule a produção de bioinsumos, captura de carbono, matéria-verde, como todos os certificados trabalhistas em dia. Será um processo bem rigoroso, para que tudo que for produzido nessas áreas tenha o selo de sustentabilidade”, disse ainda Augustin.
Vale lembrar que esta mesma agência do governo japonês concedeu, ainda nos anos 1980, milhões de dólares em investimentos agrícolas para tornar o Cerrado um polo de produção de grãos e alimentos. Uma das consequências dos aportes financeiros foi o aumento dos conflitos por terras e grilagens na região – especialmente na área que compõe o Matopiba.