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Indígenas Guarani-Kaiowá sob cerco de jagunços em MS divulgam carta com alerta de massacre

30 de julho de 2024
15:00

Nesta segunda-feira (29), a Aty Guasú, a grande assembleia do povo Guarani-Kaiowá, divulgou uma carta alertando sobre a possibilidade de “mais um massacre” contra a etnia em Mato Grosso do Sul. O documento destaca um recente conflito fundiário no estado, onde a população indígena está cercada por jagunços a mando de fazendeiros locais. 

A situação se agravou desde 13 de julho, quando mais de cem famílias da Terra Indígena (TI) Panambi – Lagoa Rica, em Douradina (MS), a 192 km de Campo Grande, retomaram parte de seu território ancestral, que estava sendo utilizado para monocultura. O conflito já resultou em um indígena baleado na coxa e um cerco que tem limitado até o acesso da comunidade a alimentos.

Na carta, publicada antes de uma reunião para tentativa de conciliação, os Guarani-Kaiowá  afirmaram que preferem não estar envolvidos nas retomadas de terras, pois isso frequentemente resulta em mortes e violência. Eles ainda acusam que o genocídio de seu povo continua devido à traição do Estado e do governo, que, ao falharem na demarcação de suas terras, os forçaram a agir, já que não podem viver sem seu território ancestral.

“Estamos há décadas ouvindo nossa tekoha [“lugar onde se é”, em guarani] cantar sem poder pisar nela. Sem poder dançar sobre ela. Sem poder rezar junto aos encantados que moram nela. Nosso povo, em especial nossos nhanderu e nhandeci [líderes espirituais “nosso pai” e “nossa mãe”, em guarani], adoecem e morrem ilhados pela soja, pelo veneno e pela devastação. Nossas crianças estão sem a possibilidade de futuro, não sabemos até quando estaremos vivos. Nossa cultura, nosso modo de ser, segue esperando e clamando por liberdade”, diz um trecho da carta em que os indígenas afirmam que estão “mais uma vez preparados para morrer ” pelo direito à terra.

Intervenção ainda sem sucesso

Na tentativa de conciliação, o Ministério Público Federal (MPF) propôs a realização de uma reunião entre as partes envolvidas no conflito e instituições com atribuição para atuação junto aos povos tradicionais e comunidades indígenas. Os dois encontros, em 22 e 29 de julho, foram inconclusivos. 

A proposta em discussão é que a comunidade indígena permaneça na área de ocupação, porém, em um perímetro delimitado a 150 hectares. A área pertence a uma produtora rural, que alegou que não haveria interação com os indígenas, mas que reivindicaria a posse da terra judicialmente.

A ideia de delimitação do espaço visa à retirada de parte da retomada  Guarani-Kaiowá que ocupa área da propriedade do fazendeiro Cleto Spessato. Contudo, os indígenas querem permanecer em suas terras. A presença da Força Nacional tem evitado o conflito iminente.

Sem terra e envenenados

A luta dos Guarani-Kaiowá pela demarcação da Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica começou em 2011, quando 12,1 mil hectares foram identificados e delimitados. Contudo, o processo está paralisado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, segunda instância da Justiça Federal. Em paralelo, medidas legislativas inconstitucionais, como a Lei 14.701 e a PEC 40, tentam implementar a tese do marco temporal. 

Essa tese, que limita os direitos territoriais indígenas às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988, assombra os Kaiowá desde 2016. Naquele ano, o juiz federal Moisés Anderson Costa Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Federal de Dourados (MS), atendeu ao pedido de um fazendeiro ocupante da área em disputa e declarou nulo o processo de demarcação da Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, tendo o marco temporal como justificativa.

Cansados de esperar, os indígenas ocuparam a área atualmente em conflito, que fica entre duas outras retomadas, Gwa’aroka e Guyra Kambiy. Além da antiga reivindicação pelo território ancestral, a comunidade informou ao MPF que a retomada também visa parar a pulverização de agrotóxicos pelos produtores rurais, que, segundo eles, são despejados perto das casas e nascentes usadas para consumo de água. 

Anderson Santos, advogado da comunidade indígena Panambi – Lagoa Rica, explica que a anulação do processo demarcatório ocorreu sem que a comunidade tivesse o direito de defesa, o que, segundo ele, deveria provocar a nulidade da decisão.

“Não se pode julgar uma ação sem que a pessoa prejudicada seja ouvida; não é possível condenar alguém sem dar direito de resposta. O juiz fez isso, o que resulta em graves nulidades”, afirma. Santos indica também o que considera um segundo problema: “Outro ponto importante é que o Ministério Público Federal também não foi intimado para acompanhar os atos do processo, o que é obrigatório e um mandamento constitucional que o juiz deve observar ao julgar a ação”.

O advogado avalia que a tese do marco temporal seria um truque para atrasar a demarcação das terras indígenas. “Apesar de sua falta de viabilidade jurídica, ela tem sido usada para suspender e anular procedimentos administrativos e judiciais, desde a Raposa Serra do Sol até hoje. Isso resultou em mais de dez anos de paralisação e aumento dos conflitos, já que a falta de resposta do governo força as comunidades a retomar seus territórios, intensificando conflitos, ameaças e violência”, conclui.

A Pública procurou o TRF3 para questionar o andamento do processo e se foram verificados erros na condução da ação e vai atualizar esse conteúdo tão logo haja resposta.

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