Indígenas repudiaram e qualificaram como “preconceituosas” as falas do ministro Gilmar Mendes durante o julgamento sobre o marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (31).
Na tenda montada em frente ao tribunal para que acompanhassem a sessão, lideranças fizeram discursos indignados contra afirmações feitas por Mendes em intervenção no voto do ministro André Mendonça.
Integrante mais antigo do Supremo, Mendes disse ter ouvido de um militar que, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima – assolada por uma grave crise humanitária causada pelo garimpo ilegal –, indígenas “se tornam garimpeiros” por falta de opção de sobrevivência. “E nós criamos um tabu para explorar essas áreas”, disse, em aparente defesa da legalização da mineração em terras indígenas.
O ministro declarou ainda que, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, também em Roraima, o “imenso território” coexiste com uma “piora das condições de vida”. “A notícia que se tem é que depois do encerramento do arrozal que lá tinha, de 5 mil hectares, muitos desses índios que ali trabalhavam foram catar lixo em Boa Vista”, disse em referência à retirada de produtores rurais após julgamento do STF que reconheceu a demarcação contínua da área em 2009.
Na manifestação em frente ao tribunal após as declarações de Gilmar Mendes, Ernestina Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e moradora de Raposa Serra do Sol, sugeriu que o ministro visitasse o território “para falar a verdade”. “É mentira quando ele fala que nós, indígenas, estamos morrendo de fome, catando lixo no lixão. Estamos trabalhando de modo sustentável na nossa mãe terra, recuperando a nossa mãe terra, que foi poluída e destruída pelos fazendeiros”, destacou.
Ela foi fortemente aplaudida ao classificar as falas de Mendes como “criminosas, injustas e preconceituosas para com os povos indígenas”.
“Nós esperamos minimamente o respeito da Suprema Corte. Tem que ter postura, cumprir com as normas constitucionais”, pontuou ao microfone Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “E falas como essa não têm nada a agregar, a somar. Pelo contrário, só fomentam a destruição, divisão e o ódio contra os povos indígenas”.
A Apib repudiou publicamente as afirmações do decano, que ainda manifestará sua posição em relação ao marco temporal para terras indígenas.
O julgamento foi retomado ontem (30) com o voto de André Mendonça, favorável à tese, assim como já havia se posicionado Kassio Nunes Marques. Hoje, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso se somaram ao relator Edson Fachin e a Alexandre de Moraes, que anteriormente recusaram o conceito jurídico. Portanto, até o momento, o placar é de quatro votos a dois contra o marco temporal.
O debate continuará na semana que vem. Além de Gilmar Mendes, ainda votarão os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Entre o movimento indígena, há expectativa de que as duas últimas se posicionem contra a tese, o que seria suficiente para que a Corte decida por sua rejeição.