Após o pedido de desculpas do Estado brasileiro, que reconheceu nesta terça-feira (2) os danos causados aos povos indígenas Krenak e Guarani-Kaiowá durante a ditadura militar, os representantes das duas etnias clamaram pela demarcação das terras que lhes foram tiradas durante os anos de chumbo. “Eu quero a área demarcada para eu ficar tranquilo”, ressaltou Tito Vilhalva, ancião dos Guarani-Kaiowá, em entrevista à Agência Pública. “Nós queremos a nossa terra de volta, a terra do meu povo”, acrescentou a matriarca Djanira Krenak.
As duas lideranças, que viveram o período da ditadura, receberam, como representantes de suas etnias, o pedido de desculpas simbólico da presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida. “Com a sua bênção, em nome do Estado brasileiro eu quero pedir perdão por todo sofrimento que seu povo passou […] na verdade, eu não estou pedindo perdão pelo que aconteceu durante a ditadura, eu estou pedindo perdão pela perseguição que nos últimos 524 anos o seu povo, assim como todos os demais povos originários, sofreram por conta da invasão que os não indígenas fizeram nessa terra, que é de vocês”, disse Eneá, de joelhos.
É a primeira vez na história que a Comissão de Anistia, instalada em novembro de 2002, concede reparação coletiva. Até então, o órgão previa apenas a reparação individual às vítimas da ditadura. A reparação coletiva só se tornou possível em março do ano passado, após uma mudança no regimento interno da comissão.
“É histórica essa data, o dia 2 de abril foi escolhido, entre outras coisas, pelo fato de ser o ‘Abril Indígena’ e, a partir de agora, é possível que as reivindicações dos povos indígenas sejam atendidas. A Comissão de Anistia é uma comissão de Estado, então é o Estado brasileiro recomendando para o próprio Estado brasileiro que atenda às reivindicações seculares desses povos”, destacou Eneá.
Além do pedido de desculpas aos povos indígenas, a Comissão de Anistia também fez uma série de recomendações a outros órgãos com as demandas dos indígenas, como, por exemplo, a demarcação dos territórios reivindicados.
“Os Guarani estão sofrendo igual à gente, a mesma coisa. A gente sofre muito pela terra e pelos parentes que foram mortos pela polícia por causa da terra”, observou Djanira Krenak. Durante a ditadura militar, seu povo foi torturado, preso e submetido a maus-tratos, trabalho forçado e ao deslocamento compulsório de seu território.
Assim como os Krenak, os Guarani-Kaiowá também foram expulsos de suas terras e detidos no Reformatório Krenak, que era um presídio para indígenas. “A gente espera que essa decisão da Comissão de Anistia impulsione os processos judiciais e que a gente possa – junto com a pressão da sociedade – efetivamente promover o processo demarcatório”, destacou o procurador Marco Antonio Delfino, autor do requerimento de anistia aos Guarani-Kaiowá.