O Brasil não está sozinho quando o assunto é buscar adequação do modo que o WhatsApp e a Meta, dona do grupo do qual o mensageiro faz parte, tratam os dados de seus usuários. Isso porque, desde que alterou suas políticas de privacidade em todo o mundo em 2021, a empresa dispensou aos cidadãos europeus tratamento diferenciado quando o assunto é a proteção de informações pessoais. As violações renderam, na última sexta-feira (17), uma multa de 220 milhões de dólares (R$ 1,2 bilhão) aplicada pela Comissão Federal de Concorrência e Proteção ao Consumidor (FCCPC) da Nigéria.
“Houve problemas de consentimento forçado no pacote, discriminação, excesso de coleta de dados e mais, tudo contrário à Lei Federal de Concorrência e Proteção do Consumidor, de 2018, e à Regulação de Proteção de Dados da Nigéria, de 2019 [equivalente à LGPD]”, publicou o advogado e doutorando pela Universidade de Cambridge Folakunmi Pinheiro.
A investigação conduzida pela Comissão Nigeriana de Proteção de Dados (NDPR) foi realizada entre maio de 2021 e dezembro de 2023 e concluiu que a Meta infringiu as regras da FCCPC e NDPR “múltiplas e repetidas vezes” com práticas “abusivas e invasivas contra consumidores, como se apropriar de informações pessoais ou sem consentimento”.
Assim como foi sugerido no Brasil, a decisão considerou que o WhatsApp ofereceu “tratamento que destoa do que é oferecido a usuários de outras jurisdições com marcos regulatórios similares aos nigerianos, além de abusar de sua posição dominante de mercado ao forçar, de modo inescrupuloso e explorador suas políticas de privacidade”, diz comunicado oficial da FCCPA.
Questionado pela Agência Pública, Pinheiro, que participou da investigação conduzida pela FCCPC, alegou que as motivações da Meta para agir de modo diferente em território nigeriano não chegou a fazer parte do escopo da investigação. “Nosso trabalho focou exclusivamente no que diz respeito às quebras de nossas leis. Não interrogamos problemas mais amplos das intenções e motivações deles [representantes da Meta]”, explicou.
Procurada, a Meta destacou que o grupo “continua comprometido com a privacidade das pessoas e protege todas as conversas pessoais com criptografia de ponta a ponta” e que o aplicativo WhatsApp está sujeito a “diferentes leis e obrigações nos países em que atua”. A empresa pontuou ainda que “suas políticas refletem como a empresa atende a esses requerimentos”.
Caso do WhatsApp no Brasil será decidido na Justiça
No Brasil, coube ao Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) unir-se ao Ministério Público Federal (MPF) para pedir à Justiça Federal multa de R$ 1,7 bilhão contra a Meta por violar os dados de usuários brasileiros e não lhes dar a oportunidade de recusa da exploração de suas informações pessoais – já que a plataforma informou que a não aceitação da mudança de sua política implicaria a impossibilidade de uso do mensageiro.
A Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) foi citada na mesma ação, acusada de omissão na fiscalização da empresa, mas não está condicionada à multa e ainda foi solicitada a dar transparência a seus processos para passar do polo passivo para o polo ativo na mesma ação. Em resposta à Pública, a agência alegou não ter sido formalmente notificada sobre a ação judicial e que a maior parte de seus processos é pública, exceto os que tratam de segredo comercial. “O dispositivo determina que a ANPD zele pela observância dos segredos comercial e industrial, bem como das informações protegidas por lei. Os trechos que não se enquadram na hipótese legal mencionada [art. 55-J, II da LGPD] estão públicos”.
“Nossa cultura regulatória-fiscalizatória é mais recente. O treinamento de inteligência artificial [proibido pela ANPD em 17 de julho] foi a primeira grande decisão [relevante e recente]. Para as empresas, o risco é diferente para cada país. […] No Brasil, não estamos nem perto do que faz a Irlanda, por isso podemos ser interpretados como um mercado menos arriscado em termos de sanções”, explica a professora, pesquisadora e doutoranda em filosofia e teoria geral do direito pela Universidade de São Paulo (USP) Maria Cecília Oliveira Gomes
Segundo o professor e mestre em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Alisson Alexsandro Possa, a Meta não tem uma atuação isolada. “Que as big techs ajustam as estratégias de acordo com os contextos regulatório e sancionatório é fato. Não só a Meta, mas o Google, ambos já preveem, por exemplo, os caminhos para o usuário ter a possibilidade de desindexação [apagamento] de seus dados do sistema. No Brasil, precisa-se ajuizar uma ação para isso. Eles mudam o modo de atuar em relação ao contexto regional.”