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Leia entrevista com o escritor e jornalista que lançou este mês uma campanha de crowdfunding; bate-papo aconteceu na Casa Pública, no Rio

Casa Pública
8 de julho de 2016
09:22
Este artigo tem mais de 7 ano

É um Fernando Morais entusiasmado, positivamente surpreendido pela força e a vitalidade dos embates na internet que chega à Casa Pública no Botafogo, Rio de Janeiro, no dia 25 de junho. “Voltei para casa 20 anos mais novo”, escreveu em sua página do Facebook, que hoje tem sido seu principal meio de comunicação. Em uma conversa amistosíssima – entrevistado pelo seu amigo de quase 50 anos, o jornalista Eric Nepomuceno –, ele explicou como deu o salto de escritor para “influenciador” nas redes, onde tem mais de 60 mil fãs no Facebook. E, dali, pretende dar o próximo passo, o lançamento do blog Nocaute, financiado por uma campanha de crowdfunding que já arrecadou mais de R$ 60 mil em três semanas. Provocado pelo público que, nas Conversas Públicas, sempre é também entrevistador, ele falou ainda do que considera ser um golpe em curso, o futuro de Cuba – palco de dois dos seus livros –, sua história no PMDB e outras coisas. Leia os principais trechos da entrevista.

(Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)
Amigos há mais de 40 anos, Eric Nepomuceno e Fernando Morais participaram de conversa na Casa Pública (Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)

Eric Nepomuceno: Essa é uma conversa suspeita, porque o Fernando e eu nos conhecemos em 1968. Mais do que a idade da maioria das pessoas aqui. Nos conhecemos numa situação inversa: o Fernando me entrevistando. Ele ficou famoso por causa disso, e eu não [risos]. Então, não tenho a mais remota condição de entrevistar o meu irmão Fernando Morais. Fernando, para a nossa geração, é um marco como repórter, como um descobridor de histórias. Nós somos de uma geração em que não havia faculdade de jornalismo. Nós somos da geração em que o jornalismo não era profissão, era um ofício. Há uma diferença-chave nisso: um ofício é uma coisa que você exerce com dedicação, com fé, com paixão, há um lado meio romântico; o profissionalismo você exerce com horário e cumprindo estritamente o que manda o patrão. No ofício você trata de driblar o patrão, às vezes consegue. Nunca vou esquecer do dia em que ele me falou que ele e o Ricardo Gontijo iam fazer a Transamazônica, que era um delírio da ditadura militar da época.

Fernando Morais: Nós íamos sair juntos do extremo leste, de onde deveria começar a estrada, que tinha 5 mil quilômetros, e irmos acompanhar os operários, acompanhar a obra até a fronteira do extremo oeste, estado do Acre, na fronteira com o Peru. Dois repórteres e um fotógrafo.

Eric Nepomuceno: Quer dizer, o ofício te dava essa chance: fica dois, três meses para escrever uma série de reportagens. Daquela geração, quem ficou na imprensa cotidiana ficou em duas condições: ou virou chefe ou virou canalha – às vezes as duas coisas simultaneamente. Também na nossa geração, o Fernando foi um dos primeiros a se lançar no que chamo de prova de que o jornalismo, sim, é, deve ser e só será se for um gênero literário. Estreia diretamente em livro foi A ilha. Agora, ultimamente, o que anda me deixando inquieto com o Fernando… De uns meses para cá, comecei a ler o “Foicebook” do Fernando – que, aliás, é magistral, divertidíssimo. E aí apareceu o Fernando com essa história de crowdfunding, que é um português castiço para dizer a dinheiroca que pessoas reúnem para fazer alguma coisa – crowd.

Fernando Morais: Passo o dia no “Foicebook”. Que não me ouça e não te ouça o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras. Mas não posso deixar de dizer isto: o fato de eu ter dado sorte de os meus livros terem caído no gosto do público leitor. Dos 11 livros que publiquei até agora, nenhum deles deixou de passar algumas semanas nas listas dos mais vendidos, alguns chegaram a passar anos, como Olga, A ilha, Chatô um pouco menos. Isso também me segurava um pouco no mundo da produção de jornalismo para publicar em livro. Também tem uma coisa que é o negócio da perenidade, porque o jornal, dois dias depois, está embrulhando peixe na feira. Aí acabou. Por mais que tenha internet, que tenha os acervos, acabou, morreu. E o livro não, tem uma permanência quase perene, e agora certamente será perene com a digitalização.

Há uns dois, três meses, antes de o Michel [Temer] dar o golpe, a Folha havia me convidado para fazer um artigo no jornal de domingo – o dia em que os artigos são lidos por um número maior de pessoas – primeiro assegurando que se tratava de um golpe em curso no Brasil, denunciando isso e protestando contra isso, botando um dedo na ferida. Um artigo-padrão, do tamanho da Folha, não sei quantos caracteres, intitulado “Dia da infâmia”. De manhã, o jornal chegou na minha casa, eu escaneei o artigo e publiquei no “Foicebook”. A Folha vendeu 300 mil exemplares, 350 mil, o artigo da internet foi lido por 5 milhões e 200 mil pessoas. O negócio é de babar na barba.

Entrei nos trending topics do dia, na frente de notícias populares, e é um negócio absolutamente inacreditável porque a gente sabe que “nunca antes na história desse país” nenhum veículo – excluindo os eletrônicos, rádio e TV – chegou a 5 milhões de pessoas. Nenhum, nenhum – estou nessa história há 50 anos, então eu sei. Aí falei: “É aqui que eu quero entrar, é nesse negócio que quero trabalhar. Quero ser repórter, editor, pauteiro, o diabo que for, mas nisso aqui”. E como fazer? A ideia é de uns três, quatro anos atrás – mineiro é prudente, vai sempre com o freio de mão puxado, assim não tem perigo de sofrer acidente.

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“Tenho saudade de redação”, revela Morais (Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)

Eric Nepomuceno: O Aecinho [Aécio Neves] nem tanto.

Fernando Morais: Mas o Aecinho não é mineiro, é carioca do Leblon [risos]. Eu brinco dizendo o seguinte: a minha ideia inicial era construir uma catedral. Mas aí eu fui fazendo as contas e descobri que era tão caro que resolvi fazer uma casinha de cachorro. Então, estou construindo, nesse momento, uma casinha de cachorro chamada “Nocaute”, que vai ser uma coisa bilíngue, em português e espanhol, porque acho que cada vez mais há uma integração de interesses, objetivos, horizontes e também de problemas [na América Latina] – que são muito parecidos, o que está acontecendo conosco aqui aconteceu no Paraguai, em Honduras e, em alguma medida, aconteceu na Argentina, não como o golpe daqui, mas com armação idêntica, e em alguma medida é o que está acontecendo na Venezuela com o Maduro, na Bolívia, com a tentativa de impedir o Evo de continuar seu trabalho como dirigente político. Vai ter muito mais imagem do que texto – vai ter texto também para quem gosta de ler, mas eu acho que a imagem dá uma agilidade maior ao noticiário. E, ao mesmo tempo em que pretendo tratar de hardnews, pretendo produzir reportagens – ou eu pessoalmente ou as pessoas que estiverem colaborando comigo. Então, já tenho de cinco ou seis reportagens médias ou grandes para fazer com esse dinheiro que rolou na vaquinha. Um exemplo é a matéria sobre os refugiados sírios que estão vindo para o Brasil e agora sofreram um golpe brutal do governo do Michel Temer, porque a Dilma tinha assumido um compromisso com a ONU de receber, nos próximos cinco anos, 100 mil famílias de refugiados sírios, e uma das primeiras medidas que Michel Temer tomou ao assumir foi revogar essa decisão da Dilma. Quero pegar uma família dessas e contar o que é o desespero e a esperança de você, adulto, estar se mudando para um país completamente diferente do seu, outra língua, outros costumes. São islamitas – quase todos são muçulmanos – vindo a um país “cristão”. Uma outra matéria é sobre o trabalho escravo utilizado pelas grifes de luxo, sobretudo de roupa feminina, em São Paulo, que usam mão de obra de latino-americanos – hoje mais bolivianos, paraguaios e peruanos – que se concentram em um bairro paulistano chamado Bom Retiro. Tem uma matéria que devo fazer pessoalmente, uma entrevista com o [Julian] Assange – a história da Pública está muito ligada à história do WikiLeaks e do Assange, a Pública foi escolhida a mão deles aqui no Brasil –, estou acertando de ir para lá [Londres] e fazer uma entrevista com ele com o seguinte foco: como ele vê a onda de direita na América Latina e, particularmente, o golpe no Brasil à luz da papelada do WikiLeaks. O Michel Temer, por exemplo: quem denunciou que ele tinha passado segredos de Estado para diplomatas norte-americanos foi o WikiLeaks.

Eric Nepomuceno: Eu queria fazer um comentário aqui. Quando você diz “desde que abandonei o jornalismo cotidiano”, muitas vezes me pergunto: Fernando, se a gente, você e eu abandonamos ou fomos abandonados. Nós trabalhamos na revista Veja quando a revista Veja, esclareço, era impressa à tinta e não nessa estranhíssima matéria semiviva em que é impressa hoje em dia. Voltei para o Brasil para trabalhar na criação de um jornal inovador dentro da Rede Globo – o Jornal da Globo. Ele deu tão certo que foi parar nas mãos do William Waack. Quer dizer, a Globo é um rei Midas ao contrário, transforma em merda tudo em que toca. Fico perguntando o seguinte: você não tem saudade de redação, não?

Fernando Morais: Eu tenho saudade de redação, sim. Só para não perder a oportunidade, já que você falou da Globo, eu vou repetir o meu mantra aqui: as organizações Globo e a família Marinho são inimigas do Brasil e dos brasileiros e assim devem ser tratados. Eu repito – sempre que puder, eu repito duas coisas – “Fora Temer”, e esse mantra que é meio cumprido, mas muito pedagógico. A família Marinho e as organizações Globo são inimigas do Brasil e de todos os brasileiros e assim devem ser tratados, assim deveriam ter sido tratados pelo PT no governo. Eu sinto, sim, saudade de redação. Se eu pudesse, não teria deixado a reportagem.

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Mariana Simões: Fernando, você falou em seu vídeo do Nocaute que a única coisa que ainda tem é a sua independência. Você pode falar um pouquinho sobre isso?

Fernando Morais: O fato de eu ter vendido muito livro dá a algumas pessoas a impressão de que fiquei rico. Eu não tenho aonde cair morto. Bom, até tenho, mas não tenho onde ser enterrado. Vão ter trabalho aí com o presunto. Eu ganhei dinheiro, mas gastei. Eu não cheiro pó. Eu não tenho apartamento em Paris. Eu não tenho avião. Não tenho nada. Meu luxo, para falar a verdade, é fumar charuto. Não desses aqui que são vagabundos. Charuto. Charuto de verdade. E andar de motocicleta. Eu troco a minha conta bancária pela de qualquer um de vocês aqui. Tirando os 60 paus do Nocaute, da vaquinha, eu troco. Então, no fundo, parece. Quando eu digo lá no vídeo do Nocaute que o único bem que acumulei às portas de fazer 70 anos é a minha independência, não é uma figura de retórica, não – é verdade. Até a minha casinha que eu tinha lá em Ilhabela… chegou o ajuste fiscal aí e eu tive que torrar. Então não tem mais. Que era onde eu escrevia e tal. Então eu estou trabalhando em casa, em São Paulo. Agora, eu não me envergonho disso, não. Primeiro que eu não sou um acumulador de dinheiro, sou um gastador. Estou fazendo muita coisa para cinema, tenho feito muito argumento. Roteiro não, mas tenho feito muito argumento para cinema. Ter vendido livro para cinema é que dá algum dinheiro paralelo. Mas não tenho nada. Não tenho nada, só tenho a minha independência. Não vale muito na bolsa de valores. Não está cotada como commodity na bolsa de Chicago, mas é a única coisa que tenho.

Walquer Bicalho: Você acha que Fidel permanece em Cuba por muito tempo? Falo não só fisicamente. Ou você acha que vai ter uma Cuba pós-Fidel?

Fernando Morais: Olha, Cuba já está sobrevivendo ao Fidel, porque no fundo ele está afastado, né? Ele está absolutamente lúcido. Eu, um ano e meio, dois anos atrás, me lembro de que estive duas vezes com ele. Uma vez fui com o presidente Lula a Cuba acompanhando ele para esse livro que estou fazendo sobre ele. E a gente estava almoçando na casa de Raúl Castro, o telefone tocou e Raul falou: “Olha, o Fidel falou para quando vocês terminarem o almoço irem lá tomar um café com ele”. Ele está absolutamente lúcido. Passa o dia na internet. Ainda provoquei, perguntei se ele não queria fazer um blog, alguma coisa assim, mas não ele gosta de ficar pesquisando coisas. Nesse dia em que a gente foi lá, ele estava pesquisando um negócio que foi descoberto, não sei se na Austrália ou na Nova Zelândia, um plástico mais duro que o aço. Não sei quantas vezes mais duro que o aço. E começou a falar da importância daquilo para isso pra aquilo. Depois, começou a falar de um negócio maluco. Fidel é uma figura fascinante. Ele perguntou: “Com que idade vocês estão?”. Eu e Lula temos mais ou menos a mesma idade, ele é alguns meses mais velho que eu. “Ah, estamos com 69 anos, 68, sei lá.” Ele falou: “Ah, vocês precisam tomar um negócio chamado moringa”. “Moriiinga” – ele fala da moringa esticando o “i”. “Moringa es la alimentación del siglo 21.” Que é o quê? É uma planta que dá na Ásia e num pedaço da África, na Etiópia, e depois em um canto da Ásia, [a planta] tem 50 vezes mais vitamina C do que a laranja. Não sei quantas vezes mais, é isso. É um negócio impressionante. E ficou discursando sobre a moringa. E outro dia. Engraçado. Vi na internet uma foto dele recebendo um príncipe árabe desses que é do Comitê Olímpico, uma coisa assim, e na mesinha do lado da cadeira dele tinha uns vidrinhos de remédio. Eu dei um zoom e tava lá um vidro de moringa. Para voltar à sua pergunta: ele [Fidel] vai viver muito. Não sei se é por causa da moringa. Ele vai fazer agora, daqui a dois meses, 90 anos. Fisicamente, você percebe que está muito quebrado. A operação, a sucessão de cirurgias, ele teve um tumor brutal no intestino. Ele brinca dizendo: “Eu morri e voltei. Para o desespero dos imperialistas, eu não fiquei, eu voltei”. E foi crítica essa aproximação de Cuba com os Estados Unidos nos termos em que se deu. Ele achava que Cuba só devia aceitar o reatamento de relações a partir de três precondições: fim do bloqueio, que não acabou; devolução de Guantánamo, do enclave de Guantánamo norte-americano em Cuba; e o pagamento da indenização de R$ 286 bilhões. É o prejuízo material que os Estados Unidos causaram a Cuba nesses 50 anos. Mas, de qualquer maneira, minha opinião não tem a menor importância. Eu considero muito positiva a reaproximação, porque mais dia, menos dia vão atender às três reivindicações. [Sobre] O fim do bloqueio, a pressão hoje é muito mais dentro dos Estados Unidos, não só de empresários, mas dos governadores da franja sul dos Estados Unidos, que vai da Flórida até a Califórnia. Muitos deles, governadores republicanos, que têm interesse em reatar relações plenas com Cuba, não por razões políticas, obviamente, mas para fazer negócios. Eles exportam coisas que Cuba compra e Cuba exporta níquel, por exemplo, que eles querem importar. Então, a pressão vai ser muito mais uma pressão de mercado para romper o bloqueio do que por razões políticas.

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Nepomuceno: “Nós somos da geração em que o jornalismo não era profissão, era um ofício” (Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)

Vanderlei Ribeiro: Na verdade, eu sou historiador, então minha pergunta sempre vai ser histórica. Você foi do PMDB muito tempo da sua vida. Na tua opinião, que houve com o PMDB?

Fernando Morais: Olha, o MDB era um frentão, uma generosa frente política que juntava desde empresários progressistas, como Severo Gomes, como Teotônio Vilela, até três correntes comunistas, que não podiam se legalizar por causa da ditadura militar, que era o PCB, o PC do B e o MR8, que na época era uma organização importante. O MDB recebeu, acolheu e protegeu essa gente enquanto havia ditadura militar. Com o fim da ditadura, houve uma natural pulverização. Muita gente foi para a esquerda e muita gente foi para a direita. Muita gente foi para partidos declaradamente de direita. Eu já me imaginava fora da política em 2002 porque a última eleição que eu tinha disputado tinha sido na Constituinte e perdi porque o José Serra entupiu as bases de dinheiro e arrebentou as nossas bases. Então a gente poderia ter feito uns sete, oito deputados progressistas a mais na Constituinte de 98, e não fizemos porque o Serra se elegeu com não sei quantas centenas de milhares de votos. Ele impediu que o Audálio Dantas se elegesse, que eu me elegesse, que o João Hermann se elegesse. Estou falando só dos mais conhecidos. Pelo menos dez deputados progressistas, de esquerda, que perderam eleição por causa da dinheirama que o Serra jogou na campanha dele, embora não se saiba de onde ele tirou esse dinheiro. Eu achei por bem que o povo tinha me escorraçado em boa hora da vida pública, e em 2002 o partido me chama para ser candidato a governador. O partido estava rachado: o nacional, que era presidido pelo Michel Temer, tinha composto com o PSDB, o candidato era o José Serra. Quando o partido me chama para sair candidato a governador, eu disse: “Eu topo. Topo sem nem consultar minha mulher, mas com uma única condição. Nosso candidato a presidente da República vai ser o Lula porque eu não vou votar no José Serra, não vou fazer campanha pelo José Serra em hipótese alguma”.

E o partido topou porque o partido já estava meio caindo aos pedaços. Então entrar uma pessoa de esquerda que poderia representar um sangue novo interessava ao partido. Retomar um pouco do campo progressista que tinha perdido. Eu fui fazer campanha. Saía de casa todo dia às seis da manhã, pegava o avião e fazia dez cidades e, de noite, voltava para casa. No dia seguinte, de novo, seis horas da manhã, eu estava na rua. Estava adorando aquilo. Aí o Quércia resolveu me dar uma cama de gato, resolveu me passar a perna. Disse que o meu tempo [na TV] seria utilizado por ele, que era candidato a senador. Aí eu falei: “Ora, vá lamber sabão. Vou-me embora”.

A partir daí eu nunca mais tive relação nenhuma com o partido. Não sei nem onde fica a sede do partido em São Paulo. Eu tinha muita preguiça de ir me despedir e ir lá me desfiliar. Só que a hora que o Michel assumiu o golpe eu achei que eu tinha que me desfiliar formalmente, publicamente, e dar a isso um caráter de denúncia. E aí teve um ato em São Paulo, na Casa de Portugal, e eu levei uma cópia da minha ficha de filiação e, na hora que me chamaram, eu piquei a ficha, joguei para o céu e falei: “Nunca mais! Tô fora! Não quero pôr os pés mais nesse partido”. Nem nesse nem em nenhum outro. Eu estou velho demais para me filiar ao partido de extrema esquerda e novo demais para partidos de direita. Eu tenho a pretensão de achar que eu posso dar uma contribuição melhor para as coisas que eu acredito não estando lá. Eu quero estar aqui com vocês, eu quero estar na televisão, num palanque. Eu tô rodando o Brasil, ontem eu tava em Maricá, falando a mesma coisa: denunciar o golpe, denunciar essa escória que tá aí. 

(Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)
Fernando Morais aposta na associação entre jornalismo e redes sociais para continuar fazendo boas reportagens (Foto: Tina Leme Scott/Agência Pública)

Izane: Gostaria de perguntar a respeito do desejo desse governo de querer acabar com a EBC e prejudicar rádios tradicionais como a Rádio Nacional…

Fernando Morais: Eu conheço o Michel Temer há 40 anos. Fomos duas ou três vezes colegas de governo, eu na liderança do MDB na Assembleia, depois na Secretaria da Cultura, depois Educação. E nesse período ele foi procurador de Justiça do Estado e depois foi secretário de Segurança Pública e de Justiça do Estado. Ele nunca deixou transparecer, ao longo desses 40 anos, que fosse o fascista que tá se revelando hoje. Pra mim é um espanto. Não podia imaginar que ele ia emporcalhar a biografia dele, aos 76 anos, com as coisas que ele tem feito. Eles queriam transformar a EBC numa espécie de Diário Oficial eletrônico, numa espécie de agência de notícias do Palácio – e, como tomaram uma contramão do Palácio que os obrigou a recontratar o Ricardo Melo, que era legalmente mandatário da presidência, é melhor fechar. É isso que vão fazer, porque no fundo o que eles querem fazer é o que os tucanos fizeram com a TV Cultura de São Paulo. Eu recomendo a vocês a leitura do editorial da Folha de hoje, que é um negócio de uma sordidez absurda, defendendo o fechamento da TV Brasil e o esvaziamento quase que completo da EBC. Não abre o bico pra falar do que os tucanos tão fazendo com a TV Cultura de São Paulo.

Agora, perto do que eles tão querendo fazer com as riquezas nacionais, a Previdência Social, a EBC é um grão de areia na praia de Copacabana. É uma política de terra arrasada, não há nenhum paralelo com nada que aconteceu nos piores momentos do neoliberalismo da América Latina, nem Fujimori no Peru, nem o Vicente Fox, nem o Menem na Argentina fizeram algo tão danoso à economia e às riquezas e à soberania de um país quanto esses caras tão querendo fazer. Não teriam feito isso sem o conluio de grande imprensa, da TV Globo – inimigos do Brasil e dos brasileiros, e assim devem ser tratados – e todos os demais. Só que em 64 não tinha internet e em 68 não tinha internet. O artigo que eu escrevi na Folha e que foi lido lá por 300 mil pessoas, na internet foi lido por 5 milhões de pessoas. Então tudo isso, Agência Pública, Jornalistas Livres, Mídia Ninja, e um bando de outros, e é nessa tribo que tá entrando o Nocaute.

Mariana Simões: Como você usou a internet para se reinventar?

Eu não sabia que a força da internet era tão grande. Eu entrei meio pela margem, até hoje eu não sei mexer no Twitter, não sei o que é exatamente e não sei lidar. Acabei estacionando no Facebook. Me parece que o segredo é juntar, Facebook + Twitter + não sei quê, que você começa a fazer uma progressão, de onde vem a expressão que é uma rede, né? Então essa é a revolução que por sorte nós não estamos testemunhando, nós estamos sendo protagonistas dela. Você que tá aí nessa câmera, você aí que tá no computador, cuidando do som, você tá sendo parte de uma revolução – nós, que eu tô entrando também –, de uma revolução que, na minha opinião, é a maior revolução que a humanidade já viu desde a Revolução Industrial. Então eu tô me divertindo. É daquelas coisas que a gente diz brincando, que, se me pagarem, é melhor; se não me pagarem, eu trabalho com muito gosto. Agora, se precisar, eu até pago pra fazer o que eu tô fazendo.

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