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Chefe da seção brasileira do Vaticano reclamou a diplomata americano sobre falta de padres e pouca disciplina – e chamou o Brasil de “terra de missão”

Reportagem
28 de junho de 2011
23:00
Este artigo tem mais de 13 ano

Pouco antes da visita de Bento XVI ao Brasil, que aconteceu em maio de 2007, a missão americana no Vaticano elaborou um detalhado documento sobre os interesses da Igreja Católica no Brasil.

O documento enviado a Washington em 6 de maio de 2007 e obtido pelo WikiLeaks relata conversas entre o ex-embaixador americano Francis Rooney com diversos membros do vaticano.

Para o monsenhor brasileiro Stefano Migliorelli, na época chefe da seção brasileira da Secretaria de Estado do Vaticano e quem comandava os preparativos para a visita, havia uma percepção geral de que a América Latina não era uma região prioritária para a Igreja Católica. Essa seria, diz o documento, a principal razão para a visita do Papa ao Brasil.

Para ele, o Brasil e a América Latina seriam como “território de missão” – terras que não foram expostas “de maneira consistente” à fé católica. “Temos que ver isso como uma evangelização – começando do zero”, disse Migliorelli.

O monsenhor ainda criticou a quantidade e a qualidade do clero latinoamericano. “A falta de padres em grande parte da América Latina é muito pior do que nos Estados Unidos”, disse. “Migliorelli lamenta também que o nível de educação dos padres é muito baixo e que muitas vezes eles não aderem aos padrões de disciplina clerical (celibato, ofertas de sacramentos etc)”, prossegue o texto.

Teologia da Libertação

Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o Padre José Oscar Beozzo, estudioso da história da Igreja Católica na América Latina e Coordenador Geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, disse que algumas vezes a visão do Vaticano não reflete a realidade.

“Tem gente em Roma que tem uma visão obtusa do que é o catolicismo latino-americano. Se nosso catolicismo não tivesse consistência, eles não brigariam há tantos anos contra nossa teologia da libertação, por exemplo”.

Em um tópico chamado de “A ameaça da teologia da libertação”, o diplomata americano comenta que o papa João Paulo II teria feito grandes esforços para acabar com “esta análise marxista da luta de classes” promovida “por um número significativo de clérigos e católicos leigos que, por vezes, em nome de um compromisso político sancionou a violência em nome do povo”.

Migliorelli comentou que o Vaticano não pretendia tocar no tema durante a visita do papa. “Todo mundo conhece a situação”, ele disse. O documento prossegue: “A chave é simplesmente que o clero seja treinado mais efetivamente para explicar a posição da Igreja para o povo, ele concluiu”.

Segundo o diplomata, João Paulo II combateu com a ajuda de Bento XVI a teologia da libertação mas, nos últimos anos, ela estaria ressurgindo em várias partes da América Latina.

O ex-embaixador Francis Rooney, que assina o documento, é um empresário republicano do ramo de construção e um dos maiores doadores de campanha de George W Bush.

Evangélicos

O documento trata ainda do crescimento da igreja evangélica no país. O diplomata Francis Rooney faz um comparativo entre a primeira viagem de João Paulo II ao Brasil em 1980, quando os católicos representavam 89% da população e o censo de 2000, quando o número de católicos era de 74%. “A cada ano, milhões de católicos latino-americanos deixam suas igrejas para se juntar a congregações evangélicas incentivados pelos pastores destes novos rebanhos”.

Ele diz ainda que, de acordo com uma análise, enquando a Igreja Católica concentra-se em “salvar almas”, muitas igrejas evangélicas fazem o possível apenas para matar a sede latino-americana para o misticismo.

Sem revelar fontes, o documento diz que o Papa João Paulo II descreveu as atividades evangélicas como “sinistras” e que uma das principais tarefas de Bento XVI seria despertar a comunidade católica e encorajar a resistência ao que João Paulo II teria chamado de “caçada por seitas”

A Pública procurou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que não quis comentar o documento.

Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana pela agência Pública.

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