Pela segunda vez, a Pública se debruça sobre o legado da Copa da África do Sul – e de megaeventos como as Olimpíadas de Londres – a partir de estudos realizados por estudiosos africanos.
Trata-se do documento resultante de um simpósio internacional realizado pela University of the Western Cape, Flemish Government e Flemish Interuniversiray Council em março de 2008 na Cidade do Cabo. A ideia era discutir os impactos reais da Copa do Mundo que aconteceria em 2010 através da análise de 40 pesquisadores africanos, para minimizar os efeitos negativos e ampliar os positivos, antes, durante e principalmente depois dos jogos.
O documento já refletia, inclusive, sobre o possível impacto das Olimpíadas de Londres, que têm início oficial nesta sexta-feira.
O comitê olímpico dos jogos de Londres 2012 precisa ter cuidado ao apresentar o potencial do ‘efeito olímpico’, evitando criar expectativas que não podem cumprir. Os Jogos de Commonwealth (comunidade das nações ligadas ao governo britânico) não tiveram nenhum impacto mensurável. A menos que as Olimpíadas estejam inseridas em uma estratégia de desenvolvimento em longo prazo, é muito pouco provável que tenham qualquer impacto.
O texto afirma que, embora a Organização das Nações Unidas (ONU) enxerge o esporte como ferramenta para que se alcancem os Objetivos do Milênio (oito metas a serem alcançadas pelos países até 2015), sozinho ele não produz efeitos positivos ou negativos. Um bom planejamento, ações pensadas e sustentáveis são necessárias para desbloquear este potencial.
Segundo o documento, enquanto a propaganda oficial promete que ao receber um megaevento o país recebe capital estrangeiro através do turismo e a população ganha com o desenvolvimento das cidades, o que geralmente se vê é uma série de violações de direitos humanos, causando graves dificuldades e miséria.
Este lado obscuro dos megaeventos está em contraste gritante com os ideais admiráveis que frequentemente são citados nas cerimônias de abertura.
O relatório também explica que países em desenvolvimento tendem a usar megaeventos esportivos de maneira diferente dos países desenvolvidos. Na África do Sul, por exemplo, o desejo era reconectar o país com o resto do mundo, mostrar que era um lugar “civilizado”, renascido, capaz de receber turistas. Um ano após o megaevento, a imprensa noticiava que os hotéis luxuosos que foram construidos para essa nova fase estavam às moscas – alguns fechando as portas.
Comitês locais mentiram
O documento fala que as expectativas criadas pelo comitê organizador local para a Copa de 2010 eram de que, em curto prazo, 159.000 postos de trabalho seriam criados, a contribuição para o PIB seria de R$ 51,1 bilhões e as receitas fiscais de R$ 7,2 bilhões.
Seis novos estádios de futebol seriam entregues e mais quatro seriam atualizados para o evento de 2010. Novas obras de infraestrutura, melhora no transporte público e a renovação urbana também eram esperadas.
Mas a dois anos da Copa, os pesquisadores mostravam-se pessimistas, explicando que estas previsões foram feitas de forma tendenciosa e oportunista pelo comitê local responsável pela organização dos jogos, e que na verdade outros megaeventos passados foram decepcionantes.
Na Alemanha a expectativa era de um aumento de dois milhões de euros nas vendas do varejo, mas as vendas em junho e julho de 2006 foram menores do que as do mesmo período em 2005. Aparentemente, o consumo é desviado para os parceiros da Fifa nos jogos e nas fan parks.
Finalmente, os pesquisadores africanos reivindicavam que organizadores locais e internacionais de megaeventos acordem para o fato de que estes não acontecem em um vácuo social, especialmente nos países em desenvolvimento. É importante promover o esporte local e principalmente ser legitimo quanto ao legado, com documentos que justifiquem a propaganda.
Para os estudiosos, a participação efetiva da sociedade desde o início dos preparativos também é essencial. Eles também sugerem a criação de uma agenda de desenvolvimento que inclua a criação de empregos a provisão de habitação acessível, o apoio a pequenos negócios, o planejamento dos transportes, melhoras efetivas para os municípios e mais uma vez a participação da comunidade – que eles apontam como uma tarefa não tão simples.
É preciso ter em mente que a tarefa do Comitê Organizador Local e internacional é a de incluir os interesses de todos, a fim de criar um método em que todos ganhem, em situações diversas e heterogêneas
O documento também sugere que seja criado um estudo de impacto que sirva de referência para outros países no futuro.
Infelizmente, quatro anos depois – e nos primeiros dias das Olimpíadas de Londres– nada disso foi feito.
Leia o texto na íntegra (em inglês) AQUI
Leia entrevista com opesquisador sulafricano Eddie Cottle aqui