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Ministério Público tenta barrar PPP que privilegia empresas às custas dos cofres públicos e destrói equipamentos importantes para treinamento dos atletas

Reportagem
21 de maio de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 10 ano

O promotor Eduardo Santos Carvalho, da 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, foi um dos responsáveis pela ação civil pública movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, em abril. A ação traz questionamentos sobre o processo de licitação para concessão de 35 anos do Complexo do Maracanã, que teve como vencedor o grupo que reúne a Odebrecht, a IMX e a AEG.

De acordo com Carvalho, há problemas no processo licitatório, que privilegiou algumas empresas e criou descompasso entre investimento público e remuneração privada; além de prejudicar os atletas brasileiros pela destruição do ginásio de atletismo Célio Barros e do Parque Aquático Julio de Lamare, esse o único espaço de treinamento de modalidades olímpicas como o nado sincronizado.

Leia a entrevista abaixo.

 

Qual o problema com o processo licitatório de concessão do Complexo do Maracanã? Por que o Ministério Público do Rio decidiu ingressar com uma ação civil pública para suspendê-lo?

Os questionamentos do Ministério Público em relação à concessão do Complexo Maracanã podem ser resumidos em três itens:

1) A grande maioria dos investimentos que serão realizados pelo concessionário não se destina a obras de interesse público, e nem mesmo à realização da Copa do Mundo ou da Olimpíada, mas sim a viabilizar a exploração comercial da área concedida.

2) A modalidade de concessão prevista (parceria público-privada) é prejudicial aos cofres públicos, porque a PPP pressupõe que, além das receitas com a exploração do complexo, o Estado ofereça ao concessionário uma receita complementar (a denominada “contraprestação pública”, que neste caso é o direito à exploração comercial da área no entorno do Maracanã e Maracanãzinho). O Ministério Público sustenta que a contraprestação pública é desnecessária, já que receitas do Maracanã seriam suficientes para garantir a viabilidade econômica do projeto. Além disso, caso fosse adotado o regime da concessão simples (sem contrapartida pública), os valores destinados a investimentos no entorno (inclusive demolição e reconstrução do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio de Lamare e do Presídio Evaristo de Moraes) poderiam reverter em aumento da outorga (remuneração pelo uso da área) devida ao Estado. Segundo estudos técnicos realizados, com o regime de concessão simples (sem contrapartida pública), o valor da outorga devida ao Estado poderia aumentar para R$ 30 milhões/ano, sem perda de rentabilidade para o concessionário, ao invés dos R$ 5,5 milhões/ano previstos na proposta vencedora da licitação.

3) O processo de licitação não assegurou igualdade de tratamento entre os licitantes. Por ocasião da elaboração do estudo de viabilidade, uma das concorrentes (IMX HOLDING S/A) teve acesso a informações que não foram disponibilizadas aos demais interessados na licitação. As únicas informações de natureza econômico-financeira, divulgadas aos interessados por ocasião do processo de licitação, foram aquelas elaboradas pela própria IMX. Ou seja, um dos licitantes produziu todas as informações necessárias para elaboração da proposta econômico-financeira, e os demais interessados estariam em situação de dependência em relação à IMX, pois teriam de elaborar suas propostas a partir das informações produzidas por sua concorrente na licitação. Não tendo sido assegurada igualdade entre os potenciais licitantes, o processo de licitação é nulo.

O que está sendo pedido pelo Ministério Público nessa ação? Quem são os réus?

São réus na ação o ESTADO DO RIO DE JANEIRO e a IMX HOLDING S/A.

Os pedidos formulados pelo Ministério Público, em resumo, foram a suspensão do processo de licitação, a não celebração do contrato e a suspensão da execução do contrato eventualmente celebrado; que não seja concedido o direito de uso e exploração da área no entorno do Estádio do Maracanã, a título de contraprestação pública; que seja impedida a demolição dos bens públicos situados no entorno do Estádio do Maracanã, notadamente o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático Julio de Lamare e a Escola Municipal Friendenreich; que seja mantido em funcionamento o Estádio de Atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático Julio de Lamare e a Escola Municipal Friendenreich, ressalvada apenas a ocupação provisória desses equipamentos por ocasião da Copa ou da Olimpíada; a decretação da nulidade da licitação, ou do contrato de concessão, revertendo-se à situação de fato anteriormente existente.

Que riscos essa licitação e a demolição do parque aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros representam para o esporte brasileiro?

A demolição do Parque Aquático Julio de Lamare gera evidentes prejuízos para a preparação de atletas olímpicos de diversas modalidades, destacando-se, além dos atletas de alto rendimento na natação, as seleções brasileiras e olímpicas de nado sincronizado, de saltos ornamentais e de polo aquático, que treinavam no referido equipamento público. no Parque Aquático. Destaque-se que, salvo o Parque Aquático Maria Lenk (que em breve será interditado para ser reformado para os Jogos Olímpicos), não haverá no Rio de Janeiro outras piscinas com a profundidade exigida para o treinamento de nado sincronizado. Além disso, o Julio de Lamare é o único parque aquático no Brasil que dispõe de trampolim para saltos ornamentais sincronizados. Finalmente, a demolição também deixará desassistida a população atendida pelos trabalhos sociais realizados no Julio de Lamare, com aulas de natação para 500 crianças, aulas de natação e hidroginástica para mais de 400 idosos, e tratamento para deficientes físicos. Já o Estádio de Atletismo Célio de Barros é um marco na história do atletismo no Brasil, tendo sido palco de grandes eventos nacionais e internacionais, nas quais despontaram vários medalhistas olímpicos. Além disso, era local de treinamento para diversos atletas olímpicos, cuja preparação ficou comprometida em função das dificuldades no uso do Engenhão (interdição do equipamento para os atletas de saltos e corridas, e proibição de utilização do campo para os atletas de arremessos e lançamentos).

Houve a derrubada de duas liminares conseguidas pelo MP nesse caso, certo? O senhor poderia explicar melhor esse percurso?

A primeira medida liminar foi deferida pela Juíza da 5ª Vara de Fazenda Pública, e apreciou apenas o primeiro item do pedido, determinando a suspensão do processo de licitação, na véspera da abertura dos envelopes (10 de abril). Esta liminar vigorou apenas por algumas horas, tendo sido suspensa pela Presidência do TJ-RJ na mesma data. O processo foi então redistribuído para a 9ª Vara de Fazenda Pública.

Enquanto se aguardava decisão em relação aos demais itens do pedido, o Estado do Rio de Janeiro iniciou a demolição do Parque Aquático Julio de Lamare em 16 de abril. Durante a madrugada do dia 17 de abril, o Ministério Público obteve nova liminar no Juízo do Plantão Noturno, apenas no que diz respeito ao pedido para proibição de demolição do Parque Aquático, em face da iminência de dano irreparável. Essa decisão foi modificada pela Juíza da 9ª Vara de Fazenda Pública em audiência especial, realizada em 26 de abril, na qual foi autorizada a demolição parcial do equipamento (bilheterias, áreas de depósito, portões e uma área de treinamento de saltos) para a instalação de equipamentos de controle de acesso ao Maracanã na Copa das Confederações. Nesta mesma audiência, a Juíza determinou a reconstrução da área de treinamento de saltos, e autorizou que o Julio de Lamare voltasse a ser utilizado para treinamento de atletas, exceto no período em que o equipamento estiver sob uso exclusivo da FIFA.

Os demais itens do pedido inicial foram apreciados em 10 de maio de 2013, com a determinação de que não fosse celebrado o contrato de concessão com o consórcio vencedor da licitação, e que não lhe fosse concedido o direito de uso e exploração da área no entorno do Maracanã.

Finalmente, no dia 13 de maio de 2013, a Presidência do TJ-RJ suspendeu as duas liminares até então vigentes (seja no que diz respeito à demolição do Julio de Lamare, seja no que diz respeito à proibição de contratar o vencedor da licitação).

Como senhor observa que o caso vá se desenrolar a partir de agora?

A ação prosseguirá seu curso normal, perante a Juíza de primeiro grau, com a apresentação das defesas do Estado e da IMX.

Quanto às liminares, a Procuradoria-Geral de Justiça já interpôs recurso ao Órgão Especial contra a decisão da Presidência do TJ-RJ que suspendeu a primeira liminar, o qual ainda está pendente de julgamento. Também cabe recurso contra a decisão da Presidência do TJ-RJ, que suspendeu a segunda liminar.

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