| 21/07/2013 | – Dentro das minas que enriqueceram de prata a Espanha colonial
Cansado demais para falar. Tomás, com a lanterna pregada ao capacete, botas de borracha e uniforme imundo, está terminando seu turno, que varia entre oito e nove horas. Ele e mais dois companheiros de trabalho retiram o minério coletado do dia, enquanto os turistas observam. Meia hora antes, o guia recomendou que se comprassem bolsas de folhas de coca – que funcionam como estimulantes naturais e apagam os sintomas de cansaço, sono e fome – e refrigerante para dar de presente a eles. “Perguntem, perguntem!”, incentivava agora. Mas depois de uma jornada pesada de trabalho em um sábado, os mineiros só proferiam frases curtas. O único dia de descanso que conhecem é o domingo.
Dentre cada frase de Tomás, nota-se a respiração ofegante e as folhas de coca coladas às bochechas. Ele tem 30 anos e há dez trabalha como mineiro. Ao seu lado, um colega mais velho vez e outra escarra e cospe. É comum que com o passar dos anos, os mineiros desenvolvam silicosis, doença gerada pela intoxicação por gases dentro das minas. Quando a doença já está avançada, os mineiros sofrem com uma tosse que mistura sangue e vestígios de minerais. “Quando não tem quem o ajude, trabalhar na mina é a única opção”, explica Tomás.
Trabalhar na mina significa conviver com temperaturas bruscas, que variam de menos zero graus a mais de 40. Significa conviver com a umidade e elementos tóxicos, como o sulfato de cobre, que inebria o ambiente. Ali dentro, três horas passam sem que se perceba muito. Não há fresta por onde passe luz.
Saindo de dentro da montanha, o que se vê ao seu pé é Potosí, cidade ao sul da Bolívia onde há quase 500 anos a mineração é a principal escolha de quem precisa trabalhar. Tomás consegue tirar de mil a dois mil bolivianos por mês, quando o salário mínimo na Bolívia é 1.200 bolivianos (cerca de 400 reais). Se fosse um perfurador, daqueles que abrem novas ranhuras nas minas, Tomás poderia ganhar o equivalente em uma hora.
“Por um tope, por perfuração, lhes pagam 200, 250 bolivianos. Isso quer dizer que se faz 15 perfurações, 20 perfurações, em uma hora, lhe pagam por isso. Por tope, como se diz”, explica Renán Velazquéz, guia turístico que preferiu não ser fotografado. Como muitos outros – guias e homens em Potosí –, ele já trabalhou dentro das minas de Potosí.
Tinha 17 anos e ajudava a manejar o ar comprimido que move as máquinas perfuradoras dentro da mina. “A necessidade, antes de tudo, é o que obriga as pessoas a trabalhar dentro da mina. Nas minas se ganha um pouco mais que na cidade, porque é difícil encontrar trabalho. Mas, claro, o prejuízo é maior. Tua saúde, os perigos com as dinamites, os gases tóxicos”.
Passada a escavação, os salários variam com a sorte de se encontrar muito ou pouco mineral durante a semana. Ali a competição é grande. Os minerais mais desejados são a prata e o estanho. Além desses, também se encontram o chumbo e o zinco. Todos os dias nos jornais de Potosí sai a cotação de venda e compra.
Nesse balaio, quem lucra mesmo são os catiris, aqueles que compram os minerais dos mineiros e cooperativistas, os refinam e revendem. Pelas ruas de Potosí, as chamativas picapes 4×4 sempre pertencem a eles; são aqueles que têm dinheiro o suficiente para comprar maquinário e montar o negócio.
Mas já quase não há prata na montanha, no Cerro Rico. Os guias propagam a mesma história: com a prata extraída dali desde 1545 – quando teve início a exploração da mina pela coroa espanhola – se poderia construir uma ponte da Bolívia à Espanha. E outra de volta, com os ossos dos milhares de indígenas que, escravizados, sob o regime da “mita” (forma de trabalho compulsório), morreram trabalhando nas minas durante a colonização.
Desde 1952, quando as minas da Bolívia foram nacionalizadas na Revolução Nacional impulsionada pelos próprios mineiros, as cooperativas se fortaleceram e passaram a ter papel central na vida desses profissionais – e na política boliviana.
Atualmente, são quase 46 cooperativas, com 15 mil mineiros trabalhando na montanha. Quase todos fazem parte de alguma cooperativa. A principal função de uma cooperativa é a de agilizar os trâmites de aposentadoria e seguro de saúde para os mineiros. “Se um mineiro trabalha por duas ou três semanas, está obrigado a ter o seguro e tem que afiliar-se para ter seguro médico”, conta Renán.
A mulher que for casada com um mineiro cooperativista, em caso de sua morte, pode receber uma pensão vitalícia do Estado, e seus filhos até os 18 anos também a recebem. A saúde sempre depende do quanto trabalharam na vida – e como. “Alguns não se protegem, não usam máscaras, ou vão a lugares onde as temperaturas são muito extremas, de 40ºC, 45ºC”, diz Renán.
Assim como é comum encontrar homens e rapazes que tenham trabalhado dentro das minas – profissionalmente ou por ocasião, quando a abundância de minérios é maior – é também comum encontrar viúvas jovens e órfãos, filhos de mineiros. “Alguns morrem com 40, 45 anos. Outros com 35”.