Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Da Redação

Protegendo nossas fontes

"Nem a mídia, nem tribunais, nem nosso sistema precário de educação cívica nunca atribuiu às fontes jornalísticas a importância e o respeito que merecem."

Da Redação
19 de maio de 2014
15:55
Este artigo tem mais de 10 ano

O discurso a seguir foi feito pelo reitor Ed Wassewrman, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, na abertura do 8º Simpósio Anual em Reportagem Investigativa Reva e David Logan, um dos mais importantes congressos anuais sobre jornalismo investigativo dos EUA.

O congresso é organizado pelo programa de Jornalismo Investigativo, cujo coordenador é Lowell  Bergman, jornalista americano retratado no filme O Informante, que conta a sua luta para publicar informações sobre a Indústria do tabaco na TV americama (sim, ele é Al Pacino no filme).

O discurso me foi indicado pelo amigo Gavin MacFadyen, e chama a atenção por ser uma das poucas posturas  contundentes nos EUA, em um momento em que jornalistas e whistleblowers  como Edward Snowden estão sendo abertamente caçados pelo governo americano – enquanto as denúncias que eles fizeram permanecem em segundo plano. Vale ler, pra inspirar um pouco essa segunda-feira. E, depois, assista aos videos das palestras que aconteceram por lá:

“Bem vindos a Berkeley, onde estamos realizando o 50º aniversário do Free Speech Movement [protestos feitos por alunos da universidade entre 1964 e 1965 contra a proibição de ativismo político no campus], o que é uma sequência natural no tema do simpósio desse ano, que foca na suscetibilidade de fontes de informação ao assédio.

É algo sobre o qual eu tenho falado e escrito nos últimos anos, então eu estou feliz em poder explicar mais sobre isso.

Eu tenho três pontos principais:

1. Liberdade de imprensa não é nada sem a liberdade das fontes

2. Nem a mídia, nem tribunais, nem mesmo nosso sistema precário de educação cívica nunca atribuiu às fontes jornalística a importância e o respeito que elas merecem.

3. E finalmente, a mídia precisa se posicionar institucionalmente em defesa das suas fontes.

Ao meu primeiro ponto – o que deveria ser óbvio, mas aparentemente não é – a liberdade de imprensa não deve ser mais ampla e nem mais robusta que a liberdade de fonte.

Nenhuma imprensa pode superar suas fontes. Ela não é melhor, mais forte, mais corajosa, melhor informada em detalhes ou dedicada ao interesse público do que  as pessoas que engolem suas dúvidas, retornam ligações, movem-se a frente e se arriscam a constrangimentos e represálias para falar com um repórter.

Se seus informantes são amordaçados, sua visão editorial será tapada. E o privilégio da imprensa, em qualquer grau constitucional, será uma lei morta. 

Se cidadãos comuns não puderem se mover, a imprensa não pode fazer seu trabalho. O direito de um órgão de imprensa de dizer o que sabe é uma abstração vazia sem a disposição de suas fontes em dizer o que elas sabem.

Em resumo, liberdade de imprensa é realmente a liberdade de fonte, sem um intermediário.

Então, por que fontes são tão pouco respeitadas? Eu posso dar algumas razões.

Para começar, muitas fontes são profissionais com interesses próprios. Elas se engajam em negociações sofisticadas em função de obterem tantas vantagens pessoais ou institucionais quanto forem possíveis intermediando informações a repórteres. Para elas, ser um informante é uma transação comercial, e para nós, essa função é indigna de respeito.

Whistleblowers [expressão jornalística para informantes que repassam informações cruciais de dentro de instituições em que atuam] enfrentam um tipo diferente de ambivalência. Por definição, eles são renegados, discrepantes. E em algum grau, como Dan Ellsberg [informante que entregou nos anos 1970 documentos internos do Pentágono sobre a Guerra da Vietnã para a imprensa] sugeriu em um almoço comigo há algumas semanas, jornalistas os reconhecem como traidores ou encrenqueiros.

Eles emperram as engrenagens da rotina de colaboração, para não dizer cumplicidade, entre organizações de imprensa e as instituições que elas cobrem, sobre as quais as notícias corriqueiras funcionam como um lubrificante. 

Eles têm poucos amigos.

Mas a fonte que está em apuros não é apenas a profissional, ou o whitleblower.

São o homem e mulher comuns com informações importantes que o público deveria ouvir, mas que não estarão na agenda de telefone de qualquer repórter. 

Esta é a fonte que dá um passo do penhasco do anonimato para a notoriedade, esperando que a queda seja suave e que talvez a publicidade traga proteção. Acreditando que falar é a coisa certa a se fazer. 

Ser uma fonte nunca teve a estatura que damos cotidianamente a outros deveres cívicos – tais como votar, comparecer a audiências públicas, pagar impostos, testemunhar em um tribunal.

Mas vir a público, além de ser um ato cívico – e talvez seja a quintessência do ato cívico – é algo que vai ao âmago da cidadania, de projetar problemas públicos na praça pública.

Então, ao meu terceiro ponto: como explicar a negligência da mídia para com as fontes?

Alguns livros declaram que a proteção de fontes está entre os deveres éticos dos jornalistas. Mas quando você olha de perto em que consistem as obrigações do jornalista, você descobre que isso se limita a interpretar as palavras da fonte precisamente e em contexto e, se o repórter concordou em resguardar o nome da fonte, ele ou ela deve fazê-lo.

Fora disso, a mídia é brutalmente indiferente a fontes. Eu não conheço uma bolsa de pesquisa que estude o que acontece com civis que figuram na cobertura de notícias – suas vidas mudaram, para melhor ou pior? A academia de jornalismo não se importa.

Eu não conheço nenhum livro de ética que preveja uma obrigação em se posicionar por uma fonte confiável que sofra represálias – seja de um empregador, um senhorio ou um governo. Ou então: a mídia se sente obrigada a expor e criticar essas represálias? Aparentemente não.

Ou agora, quando uma fonte não citada é processada sem ser identificada por um repórter – por meio de vigilância eletrônica, a mídia protesta?

O dever da mídia em salvaguardar o fluxo de informação de importância pública não confere uma obrigação em observar que as fontes daquela informação não sofram por conta disso?

Este é um desafio para atitudes públicas e para políticas públicas – se fontes que expõem delitos são benfeitoras, como acredito que o sejam, é imoral puni-las. Qualquer lei que determine ou permita isso é ruim.

Outros países permitem que aqueles que violam regras de sigilo podem, em contrapartida, ser condenados apenas a prestar serviços comunitários, e assim permanecer livres. Nós deveríamos fazer o mesmo. Se o fizéssemos, nós nem precisaríamos de proteção jurídica para repórteres”. – Ed Wassewrman

Tradução: Marcus V F Lacerda

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes