Presidente da Câmara dos Deputados desde julho de 2016, Rodrigo Maia (DEM) ganhou notoriedade desde o impeachment de Dilma Rousseff. Com a posse de Temer, que não possui vice, o parlamentar tornou-se o primeiro nome na linha sucessória para a Presidência da República. Recentemente Maia teve o nome anunciado como pré-candidato do Democratas para as eleições presidenciais, mas, como tem atingido 1% nas pesquisas, já há sinais de que pode desistir. Sua assessoria, por enquanto, nega a informação.
Ainda que faça parte da base aliada de Temer, o parlamentar adotou um discurso de oposição em suas entrevistas como presidenciável, posicionando-se contra o Planalto em temas como precificação de combustíveis e criticando a organização e a burocracia da intervenção federal no Rio de Janeiro. Em 6 de junho, ele participou de uma sabatina com pré-candidatos ao Planalto realizada pelo jornal Correio Braziliense. Apesar de se dizer ser contra privatizações, Maia dedicou boa parte de seu tempo para criticar o peso do Estado no orçamento federal. Além de educação básica e ensino superior, o pré-candidato também falou sobre saúde e desigualdade social, sempre defendendo reformas estruturais.
O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública, que está analisando frases de todos os pré-candidatos à Presidência – verificou quatro trechos da entrevista. Apoiado em estudos e pesquisas, ele acertou um dado sobre desigualdade no país, mas deixou de lado o contexto em dois números corretos sobre o ensino superior. O pré-candidato também errou o porcentual de crianças em creches no Brasil.
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“[O Brasil é] um país desigual, onde 55% das pessoas que estão na extrema pobreza estão no Nordeste.”
A afirmação de Rodrigo Maia é verdadeira. Em reportagem publicada no dia 12 de março de 2018, o Valor Econômico divulgou o resultado de um relatório encomendado à LCA Consultores sobre esse tema. O estudo identificou um crescimento de 11,2% no número de pessoas em situação de extrema pobreza no país em 2017. O Nordeste concentrava 55% deste grupo, cerca de 8,1 milhões de pessoas. O Sudeste e o Norte apresentaram o mesmo porcentual, com 13% do total para cada região. A análise baseou-se em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A consultoria adotou a linha de corte do Banco Mundial para países de nível médio-alto de desenvolvimento, que corresponde a cerca de R$ 136 mensais, em valores de 2017. A partir dessa metodologia, descobriu que a população em extrema pobreza passou de 13,34 milhões, em 2016, para 14,83 milhões, no ano passado. O documento da LCA Consultores não está disponível e, apesar de ter sido solicitado à empresa pelo Truco, não foi fornecido.
No Brasil, não há uma linha oficial de pobreza, mas, mesmo utilizando procedimentos diferentes de mensuração da renda da população, os dados permanecem similares. O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) lançou no dia 22 de maio um levantamento sobre o total das pessoas em extrema pobreza no Brasil a partir dos microdados da Pnad Contínua. A metodologia seguiu os parâmetros do programa Bolsa Família, que considera extremamente pobres as pessoas com rendimento domiciliar per capita menor ou igual a R$ 85. Segundo a pesquisa, no ano passado, o Nordeste concentrava cerca de 52% da extrema pobreza do país. Entre 2016 e 2017, houve um aumento de 13,95%, ou seja, o número de pessoas nessa condição passou de 8,7 milhões para 10,1 milhões.
“De 0 a 3 anos é dramático você ter apenas 25% de crianças em creches no Brasil.”
Ainda há um grande porcentual de crianças sem acesso a creches no Brasil, mas o dado usado pelo presidenciável está errado. Crianças de até 3 anos têm direito à educação infantil em creches ou entidades equivalentes garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Mesmo assim, isso ainda não é realidade para muitas delas. De acordo com a Pnad Contínua, do IBGE, que traz o número mais recente sobre esse tema, 32,7% das crianças nessa faixa etária frequentavam creches ou unidades educacionais equivalentes em 2017. Em 2016, eram 30,4%.
O Plano Nacional de Educação (PNE) foi criado para ampliar o acesso à educação no país e estabelece metas para serem cumpridas em dez anos a partir de 2014. A primeira é relacionada ao ensino infantil e prevê a ampliação da “oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 anos até 2024”.
Os números mostram que o atendimento tem crescido ao longo dos anos, mas ainda está distante da meta. O Relatório de Monitoramento das Metas do PNE – que usa dados do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), e do IBGE – informa que, de 2004 para 2015, a parcela de crianças de 0 a 3 anos com acesso à creche ou à escola aumentou 13,1 pontos porcentuais, atingindo 30,4% em 2015. Em 2016, o número chegou a 31,9%. Os resultados estão próximos dos da Pnad Contínua, apesar de usarem outra metodologia.
O dado citado por Maia vem da Síntese dos Indicadores Sociais de 2016, do IBGE, que usa a Pnad 2015. O documento diz que apenas 25,6% das crianças com menos de 4 anos eram matriculadas em creches ou escolas naquele ano. O suplemento Aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade informa que, de 10,3 milhões de crianças nessa faixa etária, apenas 2,6 milhões tinham acesso à creche. Os dados, no entanto, estão desatualizados. A Pnad foi encerrada em 2016. Foi substituída pela Pnad Contínua, que teve a metodologia revista e atualizada e traz diferenças na amostra, abrangência geográfica e periodicidade.
O número de crianças em creches apresentado pela Pnad 2015 (25,6%) é diferente do apresentado pelo relatório das metas do PNE (30,4%). Isso porque cada levantamento tem uma metodologia distinta. O primeiro foi feito com base em uma amostra da população, enquanto o segundo é feito cruzando dados do Censo Educacional, que é uma pesquisa declaratória feita somente a instituições de ensino e estudantes, com os dados do IBGE.
“Os 40% dos brasileiros que ganham mais têm 65% das vagas das universidades públicas. Isso é uma distorção.”
Ao propor reformas estruturais que diminuiriam o peso do Estado no orçamento federal, Rodrigo Maia fez diversas críticas às universidades públicas brasileiras. Para ele, é uma distorção que a parcela correspondente aos 40% mais ricos no país ocupem 65% das vagas das universidades públicas. Procurado, o pré-candidato não informou qual foi a fonte usada. O mesmo dado aparece no estudo “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, um relatório do Banco Mundial publicado em novembro de 2017. O número está correto, mas falta contexto à frase.
Em 2015, o rendimento domiciliar médio per capita no grupo dos 40% mais ricos do Brasil era de R$ 1.057, de acordo com a Pnad 2015 – valor pouco maior do que um salário mínimo, atualmente em R$ 954. Trata-se, portanto, de uma parcela populacional que, apesar de ganhar mais do que a maioria da população, não possui necessariamente uma renda alta. A pesquisa do IBGE é a mesma utilizada nos cálculos do Banco Mundial.
Segundo a Pnad, a renda média per capita só fica acima de R$ 2 mil no grupo dos 10% mais ricos. Nessa parcela, a renda média é de R$ 5.231 por pessoa. Nos 20% mais ricos, a renda média ainda é de R$ 1.947 e, nos 30% mais ricos, a média fica em R$ 1.375 por pessoa. Além disso, outro estudo mostra que a participação de estudantes com renda familiar acima de nove salários mínimos está caindo, enquanto a parcela com rendimento de até três salários mínimos aumenta.
O estudo do Banco Mundial propõe a adoção de um modelo similar ao do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para parte dos alunos das universidades públicas e discute também os gastos com educação superior no país. Na página 136 do documento, a instituição atesta que, em 2002, nenhum estudante universitário fazia parte dos 20% mais pobres da população e somente 4% integrava o grupo dos 40% mais pobres. “Em 2015, aproximadamente 15% dos estudantes do ensino superior estavam no grupo dos 40% mais pobres. No entanto, somente 20% dos estudantes fazem parte dos 40% mais pobres da população, ao passo que 65% integram o grupo dos 40% mais ricos”, calculou. Os números da instituição são baseados na Pnad, do IBGE, de 2015. Os dados levam em conta instituições públicas federais, estaduais e municipais e seus estudantes, com idades entre 18 e 24 anos.
Além de boa parte dos 40% que ganham mais não serem necessariamente ricos, como mostra a própria Pnad, a participação de estudantes de renda mais baixa está aumentando, enquanto cai a de alunos de renda mais elevada. Isso aparece na última Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes das Universidades Federais, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicada em julho de 2016 com dados de 2014.
O estudo, apresentado no Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace), mostra que a parcela de estudantes provenientes de famílias com rendimento acima de nove salários mínimos caiu no período de 2010 a 2014, de 6,57% para 2,96%. Já a participação de alunos com rendimento familiar de até três salários mínimos atingiu mais de 51% do total de vagas. No Nordeste, eles são quase 64%, por conta de um aumento de mais de 14% em sua participação regional desde 2010, antes em cerca de 50%. Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de questionários preenchidos por amostras de estudantes de universidades públicas federais.
“O custo [dos alunos] das universidades públicas é 2,5 vezes maior que [o] das universidades privadas.”
Ainda no trecho da sabatina em que discorre sobre os problemas do ensino superior no Brasil, Rodrigo Maia apresenta outro dado proveniente do mesmo estudo do Banco Mundial. O documento atesta que “alunos nas universidades públicas brasileiras em média custam de duas a três vezes mais do que alunos matriculados em universidades privadas”. Embora a afirmação esteja correta, falta contexto.
As universidades públicas oferecem uma gama de cursos mais diversificada. Isso inclui muitas áreas com custo por aluno elevado, algumas delas desinteressantes economicamente para uma instituição privada. Além disso, a produção científica e a proporção de alunos de pós-graduação são muito maiores nas públicas, o que também contribui para o custo mais alto.
O gasto médio por aluno, se considerado todo o ensino superior brasileiro –ou seja, incluindo instituições públicas e privadas –, não é elevado segundo os critérios do Banco Mundial. As universidades e institutos federais, no entanto, fogem a essa regra. “Se considerarmos somente as instituições públicas, o nível de gasto por aluno é próximo ao verificado em países que possuem o dobro do PIB per capita do Brasil, e muito superior ao de vários países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tais como Itália e Espanha”, calcula o relatório.
Em comparação com as universidades privadas, alunos nas universidades públicas brasileiras em média custam de duas a três vezes mais do que alunos matriculados em universidades privadas. O cálculo do Banco Mundial foi feito com base nas estatísticas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), no Censo da Educação Superior e em relatórios de gasto por aluno das universidades federais, elaborados pela Secretaria Executiva do Ministério da Educação (MEC).
O estudo, entretanto, não destaca as grandes diferenças entre o ensino superior público e o privado no Brasil. Em entrevista para o Jornal da Unicamp, Nelson Cardoso Amaral, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), aponta que, ao calcular o gasto por aluno, o relatório do Banco Mundial soma todos os recursos financeiros aplicados na instituição – incluindo, por exemplo, gastos em pesquisa e extensão e os vencimentos de funcionários e professores na ativa e aposentados – e divide o total pelo número de matrículas. Esse grande volume, ao se fazer o cálculo, gera um resultado maior no custo por aluno. Também entrevistado pelo jornal, o vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Carlos Roberto Jamil Cury, diz que é necessário levar em consideração o perfil de cada instituição para fazer comparações desse tipo. Entre os fatores que influenciam o custo por estudante estão a proporção de alunos em atividades de pós-graduação e as atividades de pesquisa científica produzidas.
Embora a rede privada seja responsável por 75% das matrículas do ensino superior, de acordo com o Censo da Educação Superior do MEC, todas as 20 instituições que lideram a produção científica brasileira são públicas, segundo um relatório encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O documento, divulgado em janeiro de 2018, foi produzido pela empresa estadunidense Clarivate Analytics e analisa a pesquisa científica no Brasil entre 2011 e 2016. A conclusão do estudo é que praticamente só há produção de pesquisa científica em universidades públicas no país.
A diversidade de cursos oferecidos também é maior na rede pública. “Cursos caros e que exigem laboratórios bem equipados – como medicina e as engenharias – tendem a se concentrar no sistema público”, afirmou Renato Pedrosa, líder do Laboratório de Estudos sobre Ensino Superior da Unicamp, também entrevistado.
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