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Pesquisador do Imazon avalia que “são paliativas” ações do governo contra queimadas; entre 2012 e 2018, a taxa de desmatamento na região aumentou 71%

Entrevista
11 de setembro de 2019
12:00
Este artigo tem mais de 5 ano

Primeiro vem a retirada da cobertura vegetal. Depois, é aceso o fogo para limpar o solo e deixá-lo pronto para o pasto. Essas chamas frequentemente extravasam as áreas de produção, mas o que faz com que a fauna e a flora amazônica se reduzam às cinzas; no entanto, é outro processo econômico envolvendo o desmatamento: a extração de madeira em florestas nativas. O processo deixa troncos e galhos secos no solo, além de expandir a entrada de luz solar entre as copas das árvores. Com isso, o bioma fica mais seco do que o normal e mais propenso a queimar. Associadas ao aquecimento global — que também é estimulado pelo desmatamento —, as secas naturais da Amazônia se tornam mais intensas.

Segundo Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), essa é a receita para os incêndios amazônicos dos últimos meses. O pesquisador recebeu a reportagem da Agência Pública em seu escritório em Belém do Pará para explicar a tendência de aumento do desmatamento no país desde 2012 e quais os fatores reais por trás dos queimadas. Para ele, a disputa de narrativas e a “briga com os dados” protagonizada por Bolsonaro “não vão colar”. “Todo mundo monitora, as pessoas têm acesso aos dados”, afirma.

Além do governo federal, Barreto cita, na disputa de narrativa, a postura de governos estaduais, como o do Acre, que teve um aumento de 300% no desmatamento nesse último ano. “O Acre tem histórico de governos mais preocupados com a floresta, mas esse atual governador [Gladson de Lima Cameli] foi gravado recentemente dizendo que, se os produtores ‘forem multados, não é para pagar’, e que, ‘se multarem’, era para os ruralistas avisá-lo. Ou seja, o governador teve uma ação muito clara contra a conservação. É um caso interessante, em que fica claro o papel do governo estadual no aumento do desmatamento”, diz.

Barreto avalia que o problema da grilagem é o desmatamento especulativo. “Desmata-se esperando a regularização mais para frente. Então, com esse conjunto, entre 2012 e 2018, a taxa de desmatamento aumentou 71%”, avalia.

Um dos maiores pesquisadores do país sobre Amazônia não tem dúvidas: o problema do desmatamento está aumentando e há uma tentativa do governo de minimizar o significado disso. “Sabemos que nesse ano tivemos mais fogo do que nos anos anteriores”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

De acordo com Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, a partir de 2012 o desmatamento começou a aumentar na Amazônia

Podemos afirmar que as chamas costumam seguir o rastro do desmatamento?

O desmatamento, necessariamente, tem envolvimento com a queimada. Desmatam e depois, para limpar o solo de todo o material que está ali, queimam. Na Amazônia, 80% da área em uso agropecuário é para pasto, mas qualquer tipo de produção envolve fogo. Então, sim, o desmatamento está fortemente associado à queimada. Porém, além do desmatamento, há outra condição que leva o fogo a se espalhar para além da área que querem limpar, entrando em florestas ao redor. Há muitas florestas degradadas na Amazônia, o que tem muito a ver com extração de madeira, feita sem cuidado. Essa floresta aberta é danificada, cheia de árvores mortas, galhos, e com essa abertura entra muito sol no interior da floresta, o que não é comum na floresta nativa, e todo o material fica bastante inflamável. Com o aquecimento global e o ar seco, isso se torna mais grave. O fogo acaba se espalhando pelas áreas de florestas degradadas.

Então, há o uso agropecuário como fonte, e o fogo associado, mas ao lado a extração de madeira predatória também contribui. Esse fogo de origem do desmatamento também pode escapar para áreas de pasto e de agricultura. Então, a origem do fogo tem a ver com a limpeza e desmatamento, mas pode se espalhar. Isso é o principal, mas em algumas áreas urbanas alguém pode tacar fogo no lixo e isso acaba se espalhando, ou em estradas pode ter origem em bitucas de cigarro, mas nenhum desses casos vai ter tanto material para queimar quando a origem é no desmatamento.

Então uma floresta intacta estaria menos suscetível de queimar?

O risco seria bem pequeno. Agora, nesses últimos anos, com o aquecimento global, várias secas extraordinárias estão acontecendo. Aconteceu em 2005, 2010 e 2016. Com isso, mesmo florestas intactas tiveram muita mortalidade de árvores. A árvore tem recursos para aguentar a seca, mas a partir de determinado ponto ela morre por falta de água. Há estudos mostrando uma alta mortalidade por conta da seca, mesmo sem a extração de madeira. Então, mesmo uma floresta nativa já está ficando suscetível ao fogo também, um fenômeno mais novo.

A própria intensidade das secas é uma mudança climática que pode ser associada ao agronegócio e ao desmatamento do bioma amazônico?

Tem uma época do ano que fica mais seco, isso tem se agravado, e há estudos que mostram que, por causa do desmatamento, com o aquecimento global, dentro da Amazônia e regiões com alto índice histórico de áreas de desmatamento, o clima têm ficado mais seco. Aí é o desmatamento causado pela pecuária.

Setembro costuma ser o mês de maior seca e, consequentemente, de piores queimadas? Ainda vamos atingir um pico de queimadas na Amazônia?

É difícil projetar porque, agora com o Exército, não sei se vamos chegar no nível máximo comparado aos outros anos. A presença do Exército é algo extraordinário e pode ter uma influência no controle das queimadas. Sabemos que nesse ano tivemos mais fogo do que nos anos anteriores. Agora, quanto ainda será queimado, não tem como saber. Mas agosto e setembro são meses em que costuma haver mais incêndios.

Em julho, o Imazon publicou um boletim que traz o dado do aumento de 15% no desmatamento na Amazônia Legal entre agosto de 2018 e julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano passado. A que se deve esse aumento?

É importante entender o histórico do desmatamento para se chegar agora no conjunto da obra. Entre 2005 e 2012, o governo tomou várias providências que reduziram o desmatamento. De 2012 para frente, o próprio governo, pressionado ou em parceria com o agronegócio, fez várias mudanças no que estava funcionando. Houve o perdão do desmatamento ilegal, com a mudança no Código Florestal, e isso foi um fator-chave, porque no Brasil todo isso significou o perdão de 40 milhões de hectares em áreas desmatadas, que poderiam ser restauradas e não foram. Isso deu um grau de impunidade muito grande.

De 2012 para frente, começou a subir o desmatamento. Junto a isso, o governo, além de perdoar o desmatamento, reduziu algumas unidades de conservação, em parte por pressão do agronegócio, mas também por infraestrutura. Havia programas de criação de algumas hidrelétricas na Amazônia, algumas que acabariam inundando partes de unidades de conservação; então, para prevenir a necessidade de licenciamento ambiental nessas áreas, o governo acabou, por medida provisória votada no Congresso, reduzindo essas unidades. Isso continuou no governo de Michel Temer, sendo que ele adicionou a isso uma medida que facilitou a regularização da grilagem. O problema da grilagem é o desmatamento especulativo: desmata-se esperando a regularização mais para frente. Então, com esse conjunto, entre 2012 e 2018, a taxa de desmatamento aumentou 71%. O governo novo acelera isso, porque já desde a eleição, até antes de tomar posse, Bolsonaro já tinha esse discurso muito agressivo contra todo o setor ambiental, chamando o Ibama de fábrica de multas. Agora há um conjunto de medidas que foram agravadas nesse último governo.

O senhor fez uma publicação alegando que entre 2005 e 2012 o Brasil reduziu o desmatamento ao mesmo tempo que houve um crescimento da economia rural na Amazônia. Qual eram as medidas adotadas no período que não são mais postas em prática?

Houve melhorias na aplicação das leis de crimes ambientais, principalmente na aplicação rápida de penas. O governo faz fiscalização e aplica multas, mas o pessoal não paga. Então o governo começou a confiscar bens, até destruir equipamentos, colocando fogo em tratores etc. E também casos de confisco de gado. Teve uma operação chamada Boi Pirata, que ficou muito conhecida porque confiscaram 3 mil cabeças de gado dentro de uma estação ecológica no Pará e conseguiram leiloar o gado rapidamente. Apesar de muita pressão dos fazendeiros para barrar esse leilão, em termos de aplicação de lei foi muito rápido. Teve casos de madeira que também foi leiloada. Então, em comparação ao passado, quando eram emitidas multas não cobradas, essas medidas foram muito eficientes. No caso de São Félix do Xingu, onde teve a apreensão do gado, o desmatamento rapidamente caiu em 75%. Há várias evidências do sucesso disso.

O governo também criou áreas protegidas, terras indígenas e unidades de conservação, uma sequência de ações que também impactou na redução do desmatamento. Outra medida foi a barragem de crédito rural para quem não estava cumprindo a legislação. O crédito rural subsidiado criava uma margem de que era interessante desmatar para ter acesso ao crédito barato. A gente fez um estudo mostrando que, quando teve uma crise de desmatamento no final de 2007 – época do ex-presidente Lula –, se convocou o Banco Central e o Ministério da Fazenda para tratar desse assunto logo depois que a gente publicou o material. O pessoal que trabalhava com a Marina Silva [então ministra do Meio Ambiente] de fato editou uma resolução no Conselho Monetário Nacional que barrava o crédito. Então, de fato, teve efeito na redução do desmatamento. Em resumo, foi a aplicação da lei, a barragem de crédito e as unidades de conservação. Teve um ponto adicional que foi uma campanha do Greenpeace contra a soja produzida em terras ilegais, que também teve um efeito. Então foi um conjunto de medidas do poder público e mais esse tipo de campanha ambiental.

Muitas sanções econômicas e impactos diretos nos produtores, então.

Sim, basicamente um efeito concreto na economia, seja pela multa ou pela restrição de mercado, ou, no caso de terra, quando o governo cria reservas e fica claro que, se aquilo for ocupado ilegalmente, depois não haverá como vender a produção.

As queimadas estão causando conflitos diplomáticos, como as discussões entre Macron e Bolsonaro, o que tem suscitado a argumentação, por parte do governo e seus apoiadores, de que há uma campanha contra a produção do agronegócio brasileiro, devido às ameaças de boicote. O que o senhor pensa sobre tais boicotes e sobre os setores ruralistas que acreditam que exista uma campanha difamatória?

O boicote tem um efeito, as pessoas temem perder mercado. No caso da soja, foi interessante porque foi um boicote direcionado a um recorte temporal. Não era sobre não comprar mais soja do Brasil, mas de áreas desmatadas após 2006. Um estudo que fizemos mostrou, até 2006 em média, que cerca de um terço das produções de soja ocupava áreas recentemente desmatadas. Com a moratória da soja, isso caiu rapidamente e mostrou que, alguns anos depois, só 3% da soja produzida na Amazônia era de áreas de desmatamentos recentes. Então ficou muito claro o efeito. O Brasil não deixou de produzir soja na Amazônia, mas as pessoas passaram a produzir em áreas já desmatadas. Então o boicote pode mudar rapidamente o comportamento.

Com essa atenção internacional às queimadas, veio como reação forte, também, a cobrança do movimento vegetariano/vegano pela redução do consumo de carne. Esse boicote do consumidor final tem força?

Talvez a partir da cobrança pelos consumidores algo de fato possa ser feito. Particularmente, vejo o consumidor com um papel fundamental nisso, não somente parando de comer carne, mas tendo um consumo consciente, querendo saber de onde vem seu consumo e cobrando das grandes redes. É um trabalho em cadeia. As grandes redes de supermercado precisam do consumidor e a partir daí começam campanhas, atividades, informações são tornadas públicas. Os frigoríficos já têm os TACs [Termos de Ajustamento de Conduta], mas podemos ter um alcance maior que vai além do veganismo e vegetarianismo. É sobre cobrar qualidade, saúde.

Voltando para os dados sobre desmatamento, em julho deste ano o aumento detectado em relação ao mesmo mês do ano passado foi de 66%, sendo o Pará o estado mais desmatado. Como essa fronteira agrícola se relaciona com interesses políticos?

Para explicar o caso do Pará, é importante entender os componentes de risco de desmatamento. O primeiro é a ameaça: ter alguém disposto a desmatar porque vai ganhar dinheiro vendendo o produto ou vender a terra. O segundo é o acesso, então tem que ter transporte terrestre ou hidrovia. O terceiro é a vulnerabilidade da área, ou seja, se há uma proteção legal e se ela é efetiva, se há fiscalização. Então, se é Terra Indígena, tem uma proteção legal e, além do governo, têm os índios fiscalizando, o que torna aquela área menos vulnerável. Nos últimos anos, a vulnerabilidade aumentou bastante na Amazônia inteira, e a ameaça pode acontecer em todo lugar. Mas no Pará há dois agravantes que são obras de infraestrutura significativas: Belo Monte, que traz muita imigração, e pode acelerar o desmatamento além das obras – então é um fator adicional –, e o asfaltamento da BR-163 e a infraestrutura para escoar grãos. Tudo isso facilita o acesso. No Pará, também tem muita terra devoluta, terra pública de que o governo não está tomando conta, que está vulnerável. O Mato Grosso, nos últimos anos, já está desmatando quase tudo que pode, então há até uma redução de estoque. Mas no caso do Pará esses componentes de infraestrutura têm um peso grande.

Agora, é interessante pensar o que aconteceu recentemente no Acre, que teve um aumento de 300% no desmatamento nesse último ano. O Acre tem histórico de governos mais preocupados com a floresta, mas esse atual governador [Gladson de Lima Cameli] foi gravado recentemente dizendo que, se os produtores “forem multados, não é para pagar”, e que, “se multarem”, era para os ruralistas avisá-lo. Ou seja, o governador teve uma ação muito clara contra a conservação. É um caso interessante, em que fica claro o papel do governo estadual no aumento do desmatamento. E, naquela região da tríplice fronteira do Acre, Rondônia e Amazonas, os três governadores estão se articulando para criar uma zona produtiva como o Matopiba, que é uma zona onde o desmatamento explodiu. Já estão buscando apoio público para isso.

Como vocês avaliam o plano de ação do governo para monitoramento e combate das queimadas nesse último mês? E também a efetividade do decreto que proíbe queimadas por 60 dias na Amazônia Legal?

Uma vez que se derruba, vão tacar fogo. Então tem que prevenir. Tomar medidas para que os caras nem queiram desmatar. Claro que aplicar pena para quem já desmatou tem um fator que desestimula o desmatamento, mas se precisa trabalhar com essa prevenção. O Brasil tem uma tradição de impunidade. Tudo isso é paliativo para lidar com essa situação de emergência. Então, é bom que se tenha mandado os militares, mas não está anunciada ainda uma suposta força-tarefa para a Amazônia, então não sabemos qual o plano para os próximos anos. Uma estratégia preventiva teria que atuar no combate ao desmatamento ilegal que já está lá, inclusive o que já foi multado e embargado. O governo tem um estoque de bilhões em multas emitidas e não pagas, e esse governo criou uma comissão de conciliação, o que é mais um passo que dificulta a aplicação das penas. Então, precisamos rever essas coisas e voltar às medidas bem-sucedidas no passado, voltar para o TAC da pecuária, e ver como as empresas podem resolver isso. Outro elemento superimportante é que o BNDES é o sócio principal da JBS, que é o principal frigorífico atuando na Amazônia. Dentro do BNDES tem, também, o Fundo Amazônia, então ele tem os elementos para a solução, o dinheiro para ajudar na área ambiental e o dinheiro que vai para as empresas. O BNDES tem esse poder imenso, e até agora não está claro se ele vai utilizar esse poder ou não.

Nós levantamos que a JBS tem 32 plantas na Amazônia. Mapeamos onde estão os frigoríficos e, a partir disso, a zona de potencial de compra de cada frigorífico, com base em conversas com as empresas sobre a distância máxima de compra do gado. Com isso, conseguimos dizer até onde é economicamente viável comprar o gado e o que tem dentro desse território. Dentro dos territórios há muito desmatamento. Dado que eles não controlam o fornecedor direto, eles estão contribuindo, sim, com o desmatamento. O total de risco de desmatamento da JBS é o maior de todos, porque eles têm muitas plantas. O Brasil depende do produto ser vendido internamente e para fora, mas também depende do investimento de fora. A JBS é listada na bolsa, várias outras também. Quando toda essa confusão acontece, essas pessoas querem saber qual o problema, e, se o governo brasileiro não tomar as medidas efetivas, vai sair dinheiro. Então, essa parte do risco financeiro muita gente não entende. O pessoal que depende de financiamento e é mais engajado no mercado está muito preocupado, desesperado. Já começou com a história do couro, as empresas anunciando que não vão comprar couro brasileiro. Isso já é um caso bem concreto que pode crescer se o governo não tomar as medidas que tem que tomar. E não é só apagar o fogo, é pensar no plano para o ano que vem, porque as decisões de investimento são a longo prazo.

O que o chamado “dia do fogo” diz sobre a relação e a postura do governo Bolsonaro, a partir de todas as declarações já feitas, inclusive a deslegitimação do Inpe?

Esse caso revela a confiança na impunidade e no discurso. Desde a eleição, as pessoas começaram a nos ligar perguntando o que ia acontecer. Ainda não estava claro que haveria redução de fiscalização etc., mas eu dizia que, independentemente de mudanças nas políticas, as declarações já eram motivadores para o desmatamento. Os analistas de mercado perguntavam as expectativas, e a postura de Bolsonaro muda as expectativas antes mesmo de mudar as regras. Então o discurso já é parte da mudança, e os ruralistas entendem isso muito claramente, que a maré está favorável para eles.

Como a posição do governo de que as ONGs seriam responsáveis por parte das queimadas afeta o trabalho e a imagem dessas organizações, inclusive do próprio Imazon?

Não ajuda. Mas é uma declaração com várias consequências, uma delas é reduzir a credibilidade do próprio governo, assim como a declaração sobre deslegitimar o Inpe [Instituto de Pesquisas Espaciais]. Isso teve um efeito devastador, foi uma virada, porque abala muito a credibilidade do governo e sua seriedade sobre resolver os problemas ambientais. Isso deixa o país vulnerável. Em relação aos ataques às ONGS, nós evitamos falar sobre, até pela nossa segurança.

Como o fim do financiamento do Fundo Amazônia afeta vocês? Vocês acreditam que essa decisão é justa como pressão, pensando na falta de credibilidade do governo?

O que existe em relação ao fundo é uma suspensão. Há um dinheiro que já está no Brasil. O fundo é baseado em desempenho, ou seja, o Brasil recebeu o dinheiro por ter reduzido [o desmatamento] no ano passado; se o Brasil não reduzir no futuro, não haverá dinheiro novo. Agora, eles suspenderam esses pacotes agora, porque o pagamento é condicionado também à governança, critério que o governo queria mudar. Mas ainda havia um crédito a ser recebido. Então, se não voltarem as regras, com o aumento do desmatamento terá menos dinheiro. Claro que isso vai afetar o que é feito na Amazônia. Apesar de eles falarem muito das ONGs que recebem o Fundo Amazônia, 60% do dinheiro do fundo é usado pelos governos municipais, estaduais e federal, então afeta muito o desempenho. Mas com essa confusão toda até os governos estaduais começam a se opor. Ainda não há nada claro, o que também cria uma instabilidade. Sem dinheiro, vai depender do próprio governo usar dinheiro de orçamento, fundos privados etc.

O governo insiste na normalidade das queimadas. Podemos dizer que realmente estamos em uma situação extraordinária em termos de focos de queimada?

Já houve anos em que teve mais fogo, porque já houve anos em que o desmatamento foi maior. Em 1995 teve 29 mil km2 desmatados; o segundo maior foi 2004, quando teve 27 mil km2. A gente já chegou a 4.500 km2, que foi o mais baixo. Em alguns anos houve muito fogo apesar de não ter tido uma taxa alta de desmatamento, por conta da seca. Agora está em uma trajetória de aumento, especialmente comparado com o ano passado, mas não é o maior de todos os tempos. Temos que entender a tendência, o problema está aumentando e há uma tentativa do governo de minimizar o significado disso. É a tal da disputa das narrativas, e essa narrativa de Bolsonaro, de brigar com os dados, é muito ruim e não vai enganar o resto do mundo. As pessoas têm acesso aos dados, todo mundo monitora; então brigar com isso não vai colar.

A entrevista é parte do projeto da Agência Pública chamado Amazônia sem Lei, que investiga violência relacionada à regularização fundiária, à demarcação de terras e à reforma agrária na Amazônia Legal. O especial também faz a cobertura dos conflitos no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro.

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