“Uma das dificuldades de falar sobre o governo Bolsonaro é justamente normalizá-lo; não estamos lidando com uma simples alternância de poder, trata-se de um presidente que quer de fato destruir as instituições democráticas”, afirma o filósofo Marcos Nobre, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professor livre-docente da Unicamp.
Em entrevista à Agência Pública, Nobre explicou que se a oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) insistir na estratégia de fidelizar parcelas separadas do eleitorado, sem pensar numa grande coalizão de forças, será impossível derrotar o atual presidente em 2022. Para Nobre, Bolsonaro governa para um terço do eleitorado, no qual se apoia para não sofrer impeachment e chegar ao segundo turno das próximas eleições.
O pesquisador aponta o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), como o único a tentar fazer uma articulação de convergência do campo democrático. Já o ex-presidente Lula, em sua avaliação, tem agido no sentido oposto. “A coisa que me assusta é as pessoas dizerem que ele [Bolsonaro] está acuado, que está nas cordas. Todo outsider diz ‘eu estou acuado, preciso da ajuda de vocês para continuar vivo, para lutar contra esse sistema’, e todo mundo acredita”, analisa. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como analisa o governo de Jair Bolsonaro até aqui?
Muita gente está muito assustada, mas não o suficiente para se mobilizar. Acho que isso tem a ver com o fato de o Bolsonaro não ter um projeto claro. Que ele é autoritário todo mundo já entendeu, mas as pessoas se perguntam o que vai fazer: não tem como colocar tanque na rua, fechar o Congresso ou o STF, fazer expurgo na universidade ou no serviço público. Então, que tipo de autoritarismo é o seu? Esse é o perigo: nem o próprio Bolsonaro sabe o que quer fazer, a única coisa que tem é uma intenção autoritária. Ele está procedendo por etapas. A primeira é destruir as instituições democráticas da Constituição de 1988 – primeiro você destrói, depois pensa o que é possível fazer em termos de autoritarismo. Também temos que entender que o Brasil elegeu um presidente de extrema direita depois que vários outros países já o tinham feito – Hungria, Polônia, Filipinas, Índia, Estados Unidos. O Bolsonaro vai olhando a situação internacional e vendo o que esses líderes autoritários estão fazendo em seus países para saber que rumo dar ao seu autoritarismo no Brasil. As pessoas ainda não estão suficientemente assustadas porque não está claro, para a sua maioria, que o Bolsonaro não tem pressa, é um sujeito metódico – e é difícil de entender porque o método dele é o caos.
Pode explicar?
Se ele consegue destruir as instituições da Constituição de 1988, vai ter elementos no mundo, nesses países todos, para implantar elementos autoritários depois: vão ser zonas livres de homossexuais como na Polônia; massacres étnicos como na Índia; assassinatos oficiais de supostos traficantes de drogas como nas Filipinas e assim por diante. Bolsonaro está dizendo que primeiro precisa destruir para depois poder construir, e o que vai construir? A real democracia. A democracia falsa é a da Constituição de 1988, por várias razões, e a primeira delas é que a Constituição acabou com a ditadura militar, o modelo do que é uma democracia para Bolsonaro – todos os partidos e governos que vieram depois são de esquerda. E essa é a falsa democracia. Até partidos tradicionalmente de direita são considerados de esquerda, porque estiveram no poder nesse período pós-Constituição. Então, o primeiro passo é destruir a ordem constitucional e as instituições ligadas a elas. Como você faz isso? Vai lá e lança um decreto que extingue o Ibama? Não, você coloca alguém no Ibama que destrói o meio ambiente. Elimina a Fundação Palmares? Não, coloca lá alguém que diz que no Brasil não tem racismo, quando a fundação foi criada justamente para combater o racismo. Você vai destruindo as instituições por dentro.
Muito se diz que as instituições brasileiras estão respondendo aos ataques que têm sofrido. Você concorda?
As pessoas falam que as instituições estão funcionando, sim, mas dê quatro anos a esse governo para você ver o que vai acontecer. Não é questão de as instituições funcionarem ou não, o que está em causa agora é um projeto de destruição das instituições. A primeira etapa é a do primeiro mandato, mas o projeto do Bolsonaro não é de quatro anos, é de décadas. Em primeiro lugar, porque o período que vivemos desde 1985 é o mais longo período de democracia no Brasil. A democracia criou raízes e foi aperfeiçoando as instituições, então é mais difícil destruí-las do que foi para a ditadura militar em 1964, quando você não tinha nem 19 anos de democracia. Dá mais trabalho, ele precisa de mais tempo. O projeto ainda está em elaboração, tem uma fase negativa, em que estamos agora, e terá uma fase positiva, quando veremos que tipo de coisas da experiência internacional o Bolsonaro vai querer implantar aqui e fazer uma versão brasileira desse caldo de autoritarismo que ele está encontrando no mundo.
Como Bolsonaro conseguiu desenvolver e disseminar essa estratégia “antissistema”?
Ele conseguiu fazer isso porque a democratização brasileira, com fases diferentes, funcionou de maneira em que a grande maioria dos partidos não se distinguia entre si – havia partidos que aderiam ao governo fosse ele qual fosse, mesmo tendo vencido a eleição um candidato presidencial que não tinha sido apoiado por aquele partido. Cria-se então a ideia de que todo mundo está no poder o tempo todo, com a exceção de uma pequena franja que fica esperando a sua chance de liderar a mesma coalizão indistinta e amorfa – isso foi o que chamei de peemedebismo e que durou até 2013.
O que o Bolsonaro fez foi dizer: “Olha, esse é um sistema inerentemente corrupto que só beneficia as próprias pessoas que nele estão, é um sistema que só prejudica as pessoas”. Todo mundo que não é ele [Bolsonaro] é sistema, e ele consegue ser um presidente antissistema, anti-establishment, porque consegue convencer um terço do eleitorado de que esse sistema que faz mal às pessoas e só quer beneficiar a si mesmo está mais vivo do que nunca e resiste a ele, Bolsonaro.
Como ele conseguiu se vender enquanto outsider, embora exerça mandatos políticos há mais de 30 anos?
Porque ele sempre foi marginal, nunca foi alguém central no sistema. Teve mandatos, mas nunca conseguiu entrar em negociações e ter poder de barganha. Muitas vezes não era interessante para ele, dada a sua base eleitoral, fazer esse tipo de acordo. Essa é uma maneira de se vender; a outra é fazendo um discurso autêntico: ele não é de extrema direita da boca para fora, é extrema direita de verdade. Mesmo que a maioria esmagadora da população brasileira não seja de extrema direita, uma parte dela viu ali uma pessoa autêntica. Ele conseguiu essa credibilidade junto ao eleitorado, mas é claro que só isso não explica. A vitória do Bolsonaro tem que ser vista como uma confluência única no tempo: faixas do eleitorado que normalmente escolhiam candidaturas diferentes ou eram indiferentes a todas as candidaturas confluíram para a candidatura dele naquele momento específico de 2018.
Na semana passada, a imprensa noticiou que o presidente divulgou em seu perfil pessoal do WhatsApp vídeo com convocação para ato a favor do governo cujas pautas incluem protestos contra o Congresso e STF. Seus apoiadores dizem que tais protestos são necessários porque o Congresso trava o projeto de governo bolsonarista. Esse argumento viola o princípio da separação dos poderes?
Quando perguntamos se ele viola o princípio de separação dos poderes, estamos considerando que esse é um governo normal, e não é. Uma das dificuldades de falar sobre o governo Bolsonaro é justamente normalizá-lo; não estamos lidando com uma simples alternância de poder, trata-se de um presidente que quer de fato destruir as instituições democráticas da ordem de 1988. Não foram apenas seus apoiadores que disseram que o Congresso está travando o governo, foi o próprio presidente, na última live de quinta-feira [27 de fevereiro]. E ele está repetindo o que o próprio filho Carlos já havia falado há seis meses: que dentro da democracia não vamos chegar no ritmo de mudanças que querem. Esse é um momento gravíssimo, porque o presidente da República, enquanto “antissistema”, está convocando para uma manifestação contra o sistema, representado pelo Congresso e o STF. Muitas pessoas falaram que o pano de fundo dessa disputa é o orçamento – essa é outra maneira de normalizar o Bolsonaro, dizendo “ele está jogando duro, mas está tentando fazer uma negociação sobre o orçamento”. Como podemos considerar que essa é uma luta política normal quando se está utilizando um recurso destrutivo da ordem democrática? Não dá.
Você vê distensões dentro do governo?
A tensão que identifico desde dezembro de 2018 se dá entre uma ala mobilizadora e uma ala organizadora. A ala mobilizadora precisa enfraquecer e atacar permanentemente as instituições. A organizadora precisa garantir que o Estado continue funcionando. Essa ala organizadora é, em sua grande maioria, formada por militares, são eles que estão garantindo que o Estado brasileiro funcione, apesar dos ataques da ala mobilizadora. Ou seja, acredito que grande parte dos militares – eu diria que a maioria dos que estão no governo – não compactua com um projeto autoritário. Estão preocupados que um governo disruptivo desorganize o Estado brasileiro e que isso produza a coisa que a corporação militar mais teme, que é o caos de verdade – uma coisa é o caos institucional, a outra coisa é o caos na rua. Se o Estado parar de funcionar, o governo cai em três meses.
Os militares têm sido caracterizados como “os adultos na sala”.
É perigosíssimo falar isso, não tem ninguém mais adulto que o Bolsonaro. Tem uma tensão entre os militares. O Bolsonaro se utilizou de três instituições que nas pesquisas são as mais apreciadas pela população brasileira: a Igreja, a família e as Forças Armadas. A corporação militar entendeu que não tinha como se separar desse governo e que, portanto, o mal menor seria participar dele para impedir o desastre.
Em entrevistas e artigos, você tem discutido que a estratégia de Bolsonaro se fia na manutenção de uma base de apoio que inclui cerca de 30% do eleitorado, sem se preocupar em cativar o restante. Essa estratégia é eficiente a longo prazo?
Plenamente eficiente por uma razão simples. A lógica dos três terços é: um terço apoia, um terço rejeita e um terço não apoia nem rejeita. A posição de cada um dos três terços reforça a dos outros. Nesse processo, todos se sentem confortáveis, porque, do lado eleitoral, todo mundo que vai se apresentar para as eleições de 2020 diz: eu serei a pessoa que, ao chegar no segundo turno com o Bolsonaro, vai conseguir reunir os dois terços contra ele. Essa é a pior ilusão que existe, porque essa pessoa está dizendo: preciso chegar ao segundo turno e, para isso, preciso atacar quem? Não o Bolsonaro, não acho que ele seja atacável, já está no segundo turno em 2022. Então vou atacar outras candidaturas do campo democrático com as quais terei que concorrer. Ou seja, você tem uma guerra destrutiva dentro do campo democrático, que é maioria nesse país, para chegar ao segundo turno com um presidente de extrema direita. O resultado disso vai ser que as outras candidaturas não vão migrar para esse candidato – depois que você destruiu os outros adversários no campo democrático e convenceu todo mundo, você quer que eu, que não votei em você antes, agora vote? A lógica dos três terços é perversa e só vai deixar de ser se as forças políticas do campo democrático sentarem para fazer um acordo nacional do ponto de vista eleitoral – do ponto de vista da sociedade civil é mais complicado. Do ponto de vista eleitoral, [reproduzir essa lógica] é a definição que deu Einstein à burrice: repetir exatamente os mesmos procedimentos esperando obter resultados diferentes. Essa é a desgraça anunciada. As forças democráticas estão justificando a própria inação e incapacidade de agir com a ideia de que esse governo é insustentável. Falaram isso do governo Trump, e ele caminha para a reeleição, firme e forte.
Eleitoralmente, a estratégia de Bolsonaro é a mesma de Trump?
É a mesma, igualzinha: você mantém uma base fiel que não é a maioria do eleitorado – não governa para a maioria porque isso justamente é velha política, é mentira, o sistema governa para si mesmo, e para que eu possa governar para todo mundo primeiro preciso destruir o sistema. É essa a lógica que o Trump aplicou e que o Bolsonaro está seguindo. Só que temos que fazer a ressalva, verdade seja dita: o Trump nunca participou, apoiou ou fez apologia a uma ditadura militar como a brasileira, o Bolsonaro fez. O Trump, comparado ao Bolsonaro, é um liberal. A coisa que me assusta é as pessoas dizerem que ele está acuado, que está nas cordas. Todo outsider diz “eu estou acuado, preciso da ajuda de vocês para continuar vivo, para lutar contra esse sistema”, e todo mundo acredita. A mídia trata o Bolsonaro como se ele não tivesse mais margem de manobra. O momento é muito grave, mas parece que não é grave o suficiente ainda, porque, como o projeto não ficou claro, as pessoas não sentem. Bolsonaro só briga pelas pautas que dizem respeito a esse um terço do eleitorado, que ele precisa para duas coisas: não sofrer o impeachment e chegar ao segundo turno em 2022. Se não tiver esse grande acordo das forças do campo democrático, o Bolsonaro está reeleito. Tem que ter um acordo nacional para que uma candidatura do campo democrático vença o Bolsonaro em 2022, e é necessária uma investida contra essa sua base de sustentação, porque ela não é monolítica.
No último artigo que escreveu para a revista piauí, você chamou isso de “paralisia da ação”. Na sua avaliação, como é possível acabar com essa paralisia?
A candidatura Bernie Sanders nos EUA é herdeira de um movimento social chamado Occupy Wall Street. O fato de o sistema político americano ser poroso, de permitir que você entre e dispute uma prévia mesmo sendo um desconhecido, uma pessoa que nunca teve uma projeção nacional muito grande, faz com que esse movimento possa se multiplicar e chegar ao sistema político. No Brasil, isso foi inviabilizado quando, em junho de 2013, a resposta do sistema político foi se blindar contra a sociedade em vez de criar canais para que aquela energia social entrasse no sistema e criasse mecanismos para fazer transformações institucionais. Pelo contrário, o sistema político viu junho de 2013 como uma ameaça, como algo que era uma onda passageira de insatisfação – não conseguiu entender que aquilo era algo muito mais profundo. Aí vem, por exemplo, a Operação Lava Jato e diz “olha, essa energia está toda solta aí e não tem quem pegue, ela não consegue entrar”. A Operação Lava Jato prometeu para a sociedade fazer a reforma do sistema político porque o sistema não a queria fazer – o que é mentira, porque o Judiciário não pode fazer isso, muito menos a primeira instância. Então, uma candidatura como a do Bernie Sanders nos foi inviabilizada no Brasil pelas respostas que os partidos e muitos movimentos sociais deram a junho de 2013: eles travaram a possibilidade de uma real transformação. Travaram também a possibilidade de um Macron – para falar de candidatura que considero de direita –, que também fez o movimento de aproveitar a insatisfação antissistêmica para se apresentar eleitoralmente dessa maneira. Isso está inviabilizado aqui, essa é a situação trágica do Brasil: a energia social que apareceu em 2013 foi dispersada, inutilizada e jogada fora. Isso fez, paradoxalmente, fortalecer os partidos, eles se tornaram o único canal de comunicação entre a sociedade e o sistema – os mesmos partidos que impediram a sociedade de entrar no sistema. A primeira coisa que os partidos deveriam ter feito depois de junho de 2013 eram prévias. Quem foi que abriu para as pessoas? O Bolsonaro. A extrema direita está dando de lavada na direita e na esquerda, que não foram capazes de entender o que estava acontecendo na base da sociedade.
Pode-se dizer que, por conta de tudo isso, as pessoas desanimaram de ir às ruas?
Foi isso que aconteceu. Falta energia organizativa neste país? Não falta. A quantidade de coletivos que se formam nas periferias o tempo inteiro, a quantidade de gente que senta para conversar sobre política é enorme. Mas tem duas coisas importantes: primeiro, essa energia não tem como entrar no sistema político, que realmente se blindou contra ela. Os partidos não se reformam, porque para eles também é interessante ficar com o monopólio da representação. E, de outro lado, as pessoas ficaram frustradas com junho de 2013. Quem não ficou frustrado com junho de 2013: lavajatistas e bolsonaristas. O que é trágico da situação brasileira hoje, não só porque a chance de reeleição do Bolsonaro é alta, é que estamos nas mãos dos partidos, precisamos dos partidos para sair dessa ameaça autoritária e não temos qualquer penetração neles enquanto sociedade civil.
Qual é a alternativa?
Se a análise que estou fazendo estiver correta, dependemos de um acordo entre partidos e forças políticas estabelecidas. É preciso que se convençam de que é necessário fazer um acordo para além da eleição, para defender que as eleições continuem existindo do jeito como a gente conhece. Para isso, precisa ficar claro que o sistema, tal como funcionou de 1994 a 2013, tinha problemas [que não serão resolvidos] simplesmente com a entrada em vigor das novas regras, como a cláusula de desempenho, ou proibição de coligação e proporcionais. Um sinal importante de que você começa a ter algum tipo de acordo de concertação entre os partidos seria eles se coordenarem para apoiarem candidaturas uns dos outros em diferentes cidades e abrirem mão de candidaturas em determinadas praças. Isso demonstraria um certo desejo de dizer: “Olha, não tem só uma coisa eleitoral em jogo nessa eleição”.
Você enxerga alguma figura fazendo esse esforço no campo democrático?
O governador Flávio Dino [do Maranhão] é a grande esperança que temos nesse momento, é alguém que compreendeu profundamente o momento grave que a gente vive. E que, não só por palavras, mas por ações, está tentando produzir esse tipo de convergência de que eu estava te falando.
Nesse sentido, como avalia o posicionamento daqueles que até agora estão colocados como adversários do Bolsonaro?
Objetivamente, a lógica que o Lula expressa nos discursos é a de reforçar a fidelização do seu eleitorado. Ou seja, reforçar a lógica dos três terços, fazendo com que as candidaturas da centro direita e da direita – que considero do campo democrático porque não são Bolsonaro e de extrema direita – tenham de se contrapor a esse discurso dele. E, portanto, reproduz a luta entre forças dentro do campo democrático para ver quem é que vai chegar ao segundo turno. Mas tem esse tipo de esperança, com o Flávio Dino, e não estou discutindo candidatura, mas postura. Flávio Dino tem a postura de uma pessoa que acha que a democracia está em risco, que o momento é grave e que para isso nós precisamos construir uma ampla coalizão – não uma coalizão eleitoral, mas política – que não se apresente unitária na eleição, necessariamente – pode até se apresentar se evoluímos para isso –, mas que tenha um compromisso de impedir a reeleição do Bolsonaro.
E, para que comece, precisa ter conversa. Precisamos parar com esse negócio de ficar exigindo autocrítica de todo mundo. Autocrítica, por definição, é “auto” – você não pede para outra pessoa. Se todo mundo quiser acertar a conta com o passado, não vai ter futuro. Essa fixação de quem é o culpado é tudo o que o Bolsonaro quer. E a gente só discute isso há cinco anos, de quem é a culpa. Isso é a raiz da inação.
Para terminar, em que medida o que acontecer nas eleições dos EUA este ano pode influenciar os rumos do bolsonarismo no Brasil?
Em termos de tática, o Trump é a maior referência [do Bolsonaro], e isso é bom para ele porque o normaliza: ele diz fazer a mesma coisa que o Trump, e ninguém pode falar que os Estados Unidos não sejam uma democracia. Se o Trump perde as eleições, Bolsonaro perde uma perna. Toda a extrema direita mundial perderia a sua âncora. O Trump legitima governos autoritários mundo afora, e é um autoritarismo pela via eleitoral.