A Megalic, empresa do pai do aliado do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), que recebeu verbas do orçamento secreto do Ministério da Educação (MEC), teve um lucro de mais de R$ 9,2 milhões em um ano. Segundo dados do balanço financeiro da empresa que a Agência Pública teve acesso, em 2020, a Megalic teve uma receita de mais de R$ 20,7 milhões com vendas de mercadorias — e um custo de apenas R$ 6,5 milhões com as mesmas. A diferença entre o custo dos produtos e as vendas permitiu que a Megalic tivesse um lucro líquido — já descontados todos os impostos e custos de operação — de mais de R$ 9,2 milhões. A empresa tem capital declarado de R$ 1 milhão.
De 2019 para 2020, a receita da Megalic mais que duplicou. Em 2019, o faturamento foi de R$ 9,6 milhões para um custo de R$ 3,4 milhões. Com isso, a empresa fechou o ano com um lucro líquido de R$ 3 milhões.
A chave para o negócio milionário da Megalic está na diferença entre o valor que ela gasta para comprar os kits de robótica e os que ela vende. Como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo, a empresa pagou R$ 2,7 mil por produto, que foi vendido posteriormente por R$ 14 mil.
A Pública também teve acesso às notas que mostram que a Megalic compra kits de uma empresa chamada Pete — Educação com Tecnologia. Em setembro do ano passado, ela adquiriu 370 kits de robótica para o ensino fundamental da Pete por R$ 2,7 mil cada e as vendeu aos municípios alagoanos por R$ 14 mil.
Em comparação, em janeiro de 2021, a prefeitura de Costa Rica, no Mato Grosso do Sul, fechou contrato para a compra de kit de robótica para o ensino fundamental também da Pete por R$ 6,6 mil a unidade. A reportagem procurou a Megalic que informou por meio de assessoria de imprensa que não iria se manifestar. Também a Pete foi procurada através de canais oficiais, mas não respondeu.
Situada em uma casa residencial no bairro de Jatiúca, a Megalic tem um objeto social extenso: a empresa está registrada sob a rubrica de comércio atacadista de máquinas, peças, equipamentos, roupas, materiais de uso médico e hospitalar, livros, equipamentos eletrônicos, dentre outros.
No início de abril, a Pública revelou que a empresa, chefiada por Edmundo Catunda, firmou negócios com prefeituras alagoanas através de emendas do relator, que compõem o chamado orçamento secreto. A reportagem mostrou que o filho de Edmundo, o vereador de Maceió João Catunda (PP), tem um histórico de encontros com Arthur Lira em Alagoas e em Brasília para liberação de recursos do FNDE — sem mencionar que a empresa de seu pai é beneficiada pelas verbas.
A Folha de S. Paulo já havia revelado que a empresa vendeu kits de robótica que foram parar em escolas de pequenas cidades de Alagoas sem infraestrutura básica, até mesmo sem água encanada. A Secretária de Educação de Flexeiras (AL) confirmou ao jornal que Arthur Lira atuou para liberar os recursos. No dia 7 de abril, o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, disse em audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado que a compra dos kits possivelmente atendeu “a indicações parlamentares”. Ponte foi chefe de gabinete do ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP), aliado de Arthur Lira. Os dois comandam o Progressistas, partido que dá sustentação ao governo de Jair Bolsonaro.
“Carona” de Alagoas fechou contrato da Megalic no Mato Grosso do Sul
Em janeiro deste ano, a Prefeitura de Dourados (MS), comandada pelo prefeito do Progressistas Alan Guedes, veio a público esclarecer um contrato firmado com a Megalic: R$ 8,7 milhões para a compra de 50 soluções de robótica da empresa alagoana — um custo unitário de cerca de R$ 175 mil por unidade. A solução incluiu o kit de robótica vendido às prefeituras alagoanas (que saiu pelos mesmos R$ 14 mil negociados no Alagoas), além de outras, como material de apoio para o aluno (R$ 21,9 mil), para o professor (R$ 620) e capacitação e treinamento de professores (R$ 12,3 mil).
Segundo a Pública apurou, a Prefeitura de Dourados pegou “carona” no registro de preços realizado pela prefeitura de Delmiro Gouveia, no Alagoas, que contratou a Megalic em 2021, pelo mesmo valor unitário.
A carona é uma ferramenta que permite uma prefeitura, por exemplo, aproveitar uma tomada de preços já realizada por outra, o que acelera o processo de licitação. Para pegar carona no registro de preços, contudo, o órgão precisa demonstrar a vantagem desse processo, que está sujeito à fiscalização de órgãos de controle.
Inicialmente, segundo nota, a Prefeitura de Dourados havia firmado o contrato informando que a fonte dos recursos, a dotação orçamentária, seria do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Contudo, em um aditivo, a informação foi corrigida para receita de impostos e transferências impositivas em Educação. Em março, a Prefeitura realizou um empenho adicional de R$ 616 mil, após aditivo do contrato.
A assessoria da Prefeitura de Dourados confirmou à reportagem o valor de R$ 8,7 milhões, e afirmou que o “investimento faz parte das regras constitucionais, que prevê a destinação de 25% das receitas próprias municipais para a Educação” e que “na avaliação dos técnicos da prefeitura os valores não são considerados altos”.
A Prefeitura afirmou que “foi feita uma pesquisa prévia, em várias regiões do país, e constatou-se que os valores da Ata em questão eram compatíveis com os valores praticados no mercado, considerando que os Kits de Robótica Escolar não são apenas os ‘robôs’ em si, mas sim, contemplam, também, todo material técnico/pedagógico para alunos e professores, além de quatro treinamentos, que compõem o programa de formação dos docentes que aplicarão a nova tecnologia educacional, inédita em nossa rede municipal”. Leia a resposta completa aqui.
Vereador tentou alugar apartamento disputado por Arthur Lira
Além de tratar de recursos do FNDE, o vereador de Maceió João Catunda tentou alugar o apartamento disputado por Arthur Lira com sua ex-mulher, Jullyene Lins, segundo apuração da Agência Pública.
O imóvel, localizado no bairro Ponta Verde, em Maceió, se encontra no imbróglio envolvendo a partilha de bens do parlamentar após a separação com Jullyene. O parlamentar e a ex-mulher disputam na Justiça a posse do imóvel atualmente sob a tutela de Jullyene.
O aluguel do apartamento, incluindo condomínio e IPTU é de R$ 8 mil, mais da metade do salário líquido do vereador João Catunda, de R$ 11,2 mil. Segundo Jullyene, Catunda, por ser próximo de Lira, estaria agindo para garantir que o apartamento permanecesse sob a influência do presidente da Câmara. João Catunda se refere a Lira como amigo.
À reportagem, ela disse que, ao saber que o interessado pelo imóvel era político, não autorizou a visita. “Eu tenho certeza que Arthur Lira colocou o João Catunda para alugar o imóvel com objetivo de tomar posse do apartamento”, afirmou. A reportagem entrou em contato com o vereador e o deputado federal, que não responderam à reportagem.