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Deputado costura alianças e promove a agenda de Steve Bannon no continente

Reportagem
7 de agosto de 2023
08:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Três semanas após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, em 19 de novembro de 2022, Eduardo Bolsonaro (PL/SP) desembarcou na Cidade do México para participar do primeiro CPAC no país – uma réplica do maior evento conservador dos Estados Unidos. Enquanto se armava uma tentativa de golpe no Brasil, o deputado, recebido como uma das grandes estrelas do evento, aproveitou o encontro que reuniu lideranças da extrema-direita da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa, para repercutir a tese mentirosa de que houve fraude nas eleições brasileiras. 

No painel intitulado “A Luta no Brasil”, Eduardo mostrou imagens das manifestações antidemocráticas contra a vitória legítima de Lula. “Famílias foram para a porta dos quartéis generais porque não há mais esperança que o Tribunal Superior Eleitoral, ou a Suprema Corte do Brasil, faça algo porque são parte desse sistema”, disse enquanto passava o vídeo no telão. 

O deputado brasileiro fazia coro ao seu mentor, o estrategista Steve Bannon, que falou primeiro. Em aparição por chamada de vídeo, Bannon colocou em xeque a credibilidade do voto eletrônico e semeou a semente da desconfiança no sistema eleitoral – as eleições presidenciais no México acontecem no ano que vem e tem como possível candidato um pupilo da extrema-direita americana: “Usem como um aviso, é uma grande luta que vocês têm pela frente (…) uma vez que eles começam a digitalizar as eleições, uma vez que eles recorrem a essas máquinas, você não tem voto no papel, você não tem prova de identidade”, disse Bannon ao longo de seu painel “Estratégias Vencedoras”, acrescentando: “tudo isso é feito por uma razão, para roubar as eleições”. 

O CPAC mexicano, que teve como mote a frase “defendendo a liberdade nas Américas”, foi presidido por Eduardo Verastegui, que é ator, militante contra o aborto e ex-assessor de Donald Trump em políticas relacionadas à comunidade latina. Ele tem recebido apoio do ex-presidente dos Estados Unidos e também de Eduardo Bolsonaro para se candidatar à presidência. “Eduardo Verástegui é o futuro presidente do México”, lançou o filho de Jair Bolsonaro na conferência.

Como na política uma mão lava a outra, o agora candidato de Eduardo Bolsonaro no México já havia se manifestado, no ano passado, em favor da reeleição de Jair Bolsonaro. Ele também reverberou a teoria de fraude eleitoral, após a vitória de Lula. 

“Queremos construir um movimento conservador em todo o hemisfério, com lideranças bem preparadas. Com a ajuda de Deus começamos nosso trabalho”, disse Verastegui durante o CPAC México. Ele comemorou ainda a realização do primeiro congresso conservador em um país de língua espanhola. “Esperamos muito, muitos anos, mas finalmente podemos dizer que o CPAC chegou à América Hispânica”, destacou

Nas redes socicais do CPAC mexicano foi publicado um vídeo de Donald Trump defendendo também a expansão do fórum no continente. Após dizer que é preciso “proteger nossas fronteiras” e desmantelar os cartéis criminosos, ele completou: “Precisamos parar a propagação do socialismo e impedir que continue expandindo na nossa região e nas nossas terras”, diz ele. 

Maior evento conservador dos Estados Unidos, o Conservative Political Action Conference (CPAC) foi criado em 1973, mas foi a partir dos anos 1980, com a ascensão do governo Ronald Reagan – um entusiasta da conferência -, que o evento cresceu e se tornou passagem obrigatória para os candidatos do Partido Republicano à presidência. Ele já se expandiu para Israel, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Hungria, e, até novembro do ano passado, na América Latina, apenas o Brasil havia realizado a conferência aos moldes dos EUA – sob a liderança de Eduardo Bolsonaro e da qual Verastegui participou em 2021.

Eduardo Verastégui (à esq) e Eduardo Bolsonaro (à dir) durante o evento CPAC no México
Eduardo Verastégui e Eduardo Bolsonaro durante o CPAC mexicano

O deputado brasileiro e o ator mexicano se aproximaram por intermédio do estrategista americano Steve Bannon. Em fevereiro de 2020, eles estiveram juntos nos EUA, em um jantar oferecido por Bannon, onde também participaram lideranças da extrema direita da Europa. “Todo grande movimento começa com um primeiro passo. Ontem no jantar oferecido por Steve Bannon pudemos ouvir pela ótica de conservadores latinoamericanos e europeus suas perspectivas de seus países, algo que além de enriquecer nossos conhecimentos nos dá energia: não estamos sozinhos no mundo, muito pelo contrário!”, escreveu em suas redes sociais Eduardo Bolsonaro, ao divulgar o encontro. 

O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro foi o escolhido por Steve Bannon para colocar em prática na América Latina seu projeto de unir a extrema-direita global e derrotar a esquerda. “O que eu tento fazer, especialmente com Eduardo, é falar sobre como [desenvolver] um movimento nacionalista populista na América Latina, em como conectá-lo, fazer com que as pessoas de cada país se comuniquem, compartilhem ideias, digam o que está dando certo ou não. Sempre tentei ser uma espécie de posto de intercâmbio, para garantir que possamos fazer conexões e interconectar pessoas”, destacou Bannon em entrevista à BBC em setembro do ano passado. 

Segundo um levantamento realizado pela Agência Pública junto ao Uol e outros 18 veículos latino-americanos e cinco organizações especializadas em investigação digital, sob a liderança do Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística (CLIP), Eduardo Bolsonaro participou desde 2018, de ao menos 43 reuniões com lideranças da ultradireita de países da América Latina como México, Venezuela, Chile, Bolívia, Argentina e Colômbia. 

A isso se somam mais de 80 reuniões que Eduardo manteve com influentes membros da ultradireita americana desde 2018, mapeados pela Pública. Alguns desses encontros geraram alianças duradouras que seriam ativadas em momentos-chave da tentativa de fomentar um golpe de Estado no Brasil a partir do questionamento sobre as urnas.

O papel dos CPACs no projeto de Bannon para Eduardo Bolsonaro

Um mês após Jair Bolsonaro assumir a presidência do Brasil, em fevereiro de 2019, Steve Bannon nomeou Eduardo Bolsonaro como representante sul-americano do The Movement, uma aliança de políticos conservadores criada pelo estrategista para “apoiar o nacionalismo populista e rejeitar a influência do globalismo”. Ser próximo de Bannon também ajudou a aterrissar o CPAC Brasil – este ano o evento terá sua quarta edição. 

Ao dar início à primeira conferência conservadora no Brasil, em 11 de outubro de 2019, Eduardo Bolsonaro já disse que o evento era “o próprio embrião” da criação de um movimento mundial de direita. “Aqui estão as pessoas que nos corredores vão trocar contatos e realizar pequenas conferências em seus estados (…) Certamente eu acredito que estamos fazendo história no Brasil trazendo o maior evento conservador do mundo”, ressaltou

Entre os temas debatidos naquela edição estavam “os verdadeiros interesses por trás da crise da Amazônia”, “como a religião é fundamental como última barreira contra a dominação comunista”, “os direitos humanos em contraponto à criminalidade no Brasil” e “famílias fortes e a importância do casamento tradicional”. 

Na lista de palestrantes daquele ano havia pessoas ligadas a Donald Trump, como Walid Phares, que atuou como conselheiro de política externa de Trump, o senador Mike Lee, a ex-comissária da Comissão Federal de Comércio nomeada por Trump, além de Charles R. Gerow e Mercedez Schlapp, dirigentes da União Conservadora Americana (UCA), realizadores do CPAC. Na ocasião, Eduardo Bolsonaro firmou um termo de cooperação com os conservadores americanos para intercâmbio de conhecimento. 

Em 2020, o CPAC foi cancelado por conta da pandemia da Covid-19. Em 2021, o evento foi realizado em Brasília entre os dias 3 e 4 de setembro, às vésperas das manifestações golpistas que ocorreram no dia 7 de setembro (em que se comemora o dia da independência do Brasil). Conforme mostrou a Pública, uma comitiva de 16 americanos, entre financiadores de campanha e aliados de Trump, incluindo o senador Mike Lee, estava no Brasil no dia dos protestos, e no dia seguinte participaram de um jantar oferecido por Eduardo Bolsonaro no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. 

Além dos americanos, a partir de 2021, lideranças da extrema-direita da América Latina e da Europa, também passaram a fazer parte da lista de convidados do CPAC Brasil, possibilitando o intercâmbio entre eles. 

O coordenador Geral do movimento de direita venezuelano Rumbo Libertad, Eduardo Bittar, por exemplo, esteve nas últimas duas edições do evento. Em 2018, ele viajou ao Brasil para participar da campanha de Jair Bolsonaro. Ainda em dezembro daquele ano, Bittar e Eduardo Bolsonaro foram recebidos na Colômbia pelo ex-presidente Álvaro Uribe. De lá pra cá, conforme levantamento da reportagem, o venezuelano e o deputado brasileiro já se encontraram ao menos outras nove vezes. 

Mais recentemente, em julho deste ano, Bittar participou em Brasília da manifestação do movimento pró-armas, presidido pelo deputado federal Marcos Pollon (PL/MS), e que contou com a presença de Eduardo Bolsonaro. A pauta armamentista é cara ao movimento conservador inspirado nos EUA. 

No ano passado, além de Eduardo Bittar, o CPAC Brasil reuniu a senadora colombiana María Fernanda Cabal – que também participou do congresso em 2021 – o ex-deputado chileno José Antonio Kast – que foi derrotado por Gabriel Boric nas últimas eleições presidenciais no país – e o candidato à presidência da Argentina, Javier Milei. Os três últimos foram convidados para o CPAC México, em novembro.

Na foto, da esquerda pra direita José Antonio Kast, María Fernanda Cabal, Eduardo Bittar, Eduardo Bolsonaro e Javier Milei
José Antonio Kast, María Fernanda Cabal, Eduardo Bittar, Eduardo Bolsonaro e Javier Milei durante o CPAC Brasil

“Bolsonaro Argentino”

O deputado Eduardo Bolsonaro e a senadora colombiana María Fernanda Cabal, que se define como “anticomunista” e admiradora de Jair Bolsonaro e Donald Trump se conheceram em dezembro de 2018 durante a viagem do parlamentar à Colômbia, após a vitória de seu pai nas urnas. “Como dizem em espanhol ‘encantado’ em ter conhecido pessoalmente hoje a Senadora Maria Fernanda Cabal e seu marido José Félix Lafaurie. Essas pessoas pensam muito parecido conosco! Certamente esse contato vai continuar”, escreveu o deputado em suas redes sociais em 3 de dezembro de 2018. No ano passado, Cabal, Kast e Milei gravaram mensagens de apoio à reeleição de Jair Bolsonaro.

Apelidado de “Bolsonaro Argentino”, Milei, que esteve com Eduardo Bolsonaro em Buenos Aires às vésperas do segundo turno das eleições em uma viagem paga pelo marqueteiro Fernando Cerimedo – que fez uma live mentindo sobre a segurança das urnas brasileiras – agora conta com a ajuda do deputado e de seu pai para se eleger à presidência. Conforme mostrou reportagem do consórcio de jornalismo, o parlamentar viajou em missão oficial, apesar de ter cumprido agenda eleitoreira na capital argentina. 

Em 15 de fevereiro deste ano, Javier Milei divulgou um comunicado nas redes sociais que dizia: “Javier Milei concordou com Jair Bolsonaro em unir forças contra o socialismo no continente. Entramos num acordo de que é fundamental dar a batalha contra o socialismo no continente sobre a base dos valores de Deus, pátria, família e liberdade”. 

Além do discurso, Milei está copiando em sua campanha a tática bolsonarista – que, por sua vez, imitou a estratégia adotada pelo ex-presidente Donald Trump – de levantar suspeitas sobre a credibilidade do sistema eleitoral. 

Por trás da campanha do presidenciável argentino está o mesmo consultor Fernando Cerimedo. Milei se envolveu em um escândalo no país e está sendo investigado pelo Ministério Público após denúncias de que ele estaria vendendo cargos em seu partido.

Promovendo o intercâmbio de financiadores e propagadores de fake news

A partir de 2021, os CPACs passaram a ser organizados pelo Instituto Conservador Liberal (ICL), fundado por Eduardo Bolsonaro, e a contar com a cobertura do site de Fernando Cerimedo, o La Derecha Diario. O portal, usado pelo consultor argentino para disseminar notícias falsas, noticiou em setembro de 2021: “La Derecha Diario, único veículo argentino no CPAC Brasil, o evento político mais importante da região”. 

No mesmo ano, a conferência realizada em Brasília, promoveu o extinto site Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, alvo do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga a disseminação de notícias falsas. Atualmente, Allan dos Santos se encontra foragido da Justiça e, conforme mostrou reportagem do projeto Mercenários Digitais, o blogueiro abriu uma empresa e criou um novo Terça Livre nos Estados Unidos. Durante o evento, mulheres contratadas pelo Terça Livre venderam pacotes de assinatura a R$ 399, com conteúdo exclusivo do canal. 

Além disso, conforme mostrou a Agência Pública, os dois últimos CPACs brasileiros foram patrocinados pela rede social de extrema direita Gettr, comandada pelo ex-assessor de Donald Trump, Jason Miller, citado em outro inquérito do STF, o das milícias digitais – que apura a existência de uma organização criminosa que teria a finalidade de atacar o estado democrático de direito. 

A delegada da Polícia Federal Denisse Ribeiro destacou ao longo da investigação, que Miller “tem vinculação com o citado cidadão americano Steve Bannon, pessoa apontada como um dos responsáveis pelo modelo de propaganda lastreado em fake news utilizado em eleições”. A Gettr foi uma das principais plataformas onde as teorias conspiratórias sobre fraudes nas urnas foram distribuídas livremente durante as últimas eleições brasileiras. 

No ano passado, María Fernanda Cabal, que se encontrou com Jason Miller no CPAC Brasil 2021, o recebeu na Colômbia: Tive a oportunidade de receber em Bogotá @JasonMillerinDC, ex-assessor de comunicações do presidente Donald Trump. Estamos unidos pela convicção de um mundo livre do comunismo”, escreveu em 17 de janeiro de 2022.

María Fernanda (à dir) Cabal e Jason Miller (à esq)
María Fernanda Cabal e Jason Miller em janeiro de 2022

Das Américas para a Europa

Para além das Américas, o deputado federal brasileiro nos últimos anos também firmou uma forte aliança com o líder da extrema-direita da Espanha Santiago Abascal, que preside o partido Vox e a Fundação Disenso. 

Abascal liderou, em outubro de 2020, a criação do Foro de Madrid, uma aliança internacional “para frear o avanço do comunismo na ibero-esfera”, conforme carta de fundação, que contou com assinatura de Eduardo Bolsonaro. O bloco surgiu com a intenção de fazer oposição às articulações de ex-presidentes, partidos e movimentos sociais do campo progressista, como o Foro de São Paulo e o Grupo de Puebla

Abascal durante discurso no evento ”Brasil Profundo” em 2021

Além disso, o partido Vox, em 2021, usou 100 mil euros de recursos públicos do Ministério da Cultura espanhol, para financiar um documentário contra o presidente Lula, conforme revelou o jornal El País. O filme “Desmascarando o Foro de São Paulo”, tem como um dos protagonistas Eduardo Bolsonaro. 

Em junho deste ano, Abascal e o filho de Jair Bolsonaro se encontraram na Espanha durante uma viagem do parlamentar à Europa, ao lado do ex-ministro Onyx Lorenzoni. Os dois políticos brasileiros também passaram por Portugal e Itália, onde se encontraram com lideranças dos partidos da ultradireita europeia Chega, Fratelli d’italia e Lega Nord, respectivamente. 

“O que nós buscamos aqui é aprender, integrar com os nossos partidos, somar experiências, e o que é mais importante, trabalhar aliados para o presente e o futuro da Europa e do Brasil”, disse Onyx Lorenzoni em vídeo gravado ao lado de Eduardo, após concluírem a agenda no continente. 

“Em breve, quem sabe a gente anuncia algumas novidades aí”, acrescentou Eduardo.

Esta reportagem pertence ao Especial Mercenários Digitais, que revela empresas de marketing político ligadas à extrema direita. Mercenários Digitais é uma colaboração transnacional que reúne vários veículos da América Latina liderados pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP).

*Alice Maciel, Bianca Muniz, Natalia Viana (Agência Pública), Juliana Dal Piva (UOL/CLIP).

Reprodução Twitter
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