A onda de calor intenso pela qual passa o Brasil nesta semana, com temperaturas superando os 40ºC em diversas partes do país, já não se trata mais de um evento raro. A ocorrência de períodos extremamente quentes aumentou nas últimas décadas, e o número de dias em que vivemos ondas de calor já passa, em média, de 50 por ano.
É o que aponta uma análise feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apresentada nesta segunda-feira (13), que considerou algumas alterações pelas quais o Brasil já passou nos últimos 60 anos em decorrência do aquecimento global.
De acordo com o levantamento, entre 1961 e 1990 – considerado o período de referência no estudo –, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava sete por ano, na média. Com o aumento das emissões de gases de efeito estufa e, por consequência, da temperatura média global, eles saltaram para 20 dias no período entre 1991 e 2000; para 40 dias na década seguinte; chegando a 52 dias entre 2011 a 2020.
Esse aumento da duração das ondas de calor foi observado em todo o país, mas ocorreu de forma mais pronunciada nas regiões Norte e Nordeste.
A análise não considerou os indicadores dos últimos três anos, mas a tendência é que esse aumento continue – ainda mais considerando que 2023 deve ser, globalmente, o ano mais quente do registro histórico.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a temperatura média do Brasil também está batendo recordes consecutivos. Os meses de julho, agosto, setembro e outubro foram os mais quentes desde o início das medições. E a expectativa é que as temperaturas extremas que estão sendo observadas particularmente nesta semana no país também devem bater todos os recordes.
Os pesquisadores consideram como onda calor um período mínimo de seis dias consecutivos em que a temperatura máxima ficou acima de ao menos 10% do que é considerado extremo, na comparação com o período de referência.
“Com esses dados, estamos deixando de apenas perceber as mudanças para de fato conhecer o que está acontecendo no Brasil nas últimas seis décadas”, afirmou em entrevista coletiva o diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Osvaldo Moraes.
Não só aumentaram as ondas de calor como a própria temperatura no país. “Vemos uma tendência de aumento das temperaturas máximas com sinal bastante expressivo. Entre 2011 e 2020, todas as regiões do Brasil registraram um aquecimento superior a 1,5ºC, ou seja, superior ao que requer o Acordo de Paris”, explicou o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que coordenou o levantamento.
Ele se refere ao compromisso assumido por quase todos os países em 2015, durante a Conferência do Clima da ONU, que tinha como objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa a fim de evitar que a temperatura média do planeta não subisse mais de que 1,5ºC na comparação com o período pré-Revolução Industrial.
Em algumas partes do país – em especial no Nordeste e na região central –, as temperaturas máximas já chegavam, entre 2011 e 2020, a ficar cerca de 3ºC acima das medidas no período de referência.
De acordo com o levantamento, no período de referência, entre 1961 e 1990, a média da temperatura máxima para a região era de 30,7ºC. Subiu para 31,2°C entre 1991 e 2000, 31,6°C entre 2001 e 2010 e saltou para 32,2°C entre 2011 e 2020.
O trabalho considerou também como se comportaram as chuvas ao longo das últimas seis décadas. Nas regiões Nordeste e central do país (incluindo porções da Norte, da Centro-Oeste e da Sudeste), houve um aumento do número de dias consecutivos secos, em que a precipitação é inferior a 1mm. Entre 1961 e 1990, havia, em média, de 80 a 85 dias, de dias consecutivos secos. Entre 2011 e 2020 já foram cerca de cem dias assim nas áreas mais afetadas.
A redução de precipitação, especialmente no Nordeste e no Brasil Central, foi de 40%. Por outro lado, houve um aumento das chuvas na região Sul de até 30%. No período de referência, a precipitação máxima em cinco dias na região era, em média, de cerca de 140 mm. Esse valor cresceu para uma média de 160 mm.
Os dados serão usados para a elaboração de estratégias de adaptação no país dentro do Plano Clima, que está sendo elaborado pelo governo federal. A partir dessas informações, a ideia é analisar os possíveis impactos e vulnerabilidades a fim de elaborar formas de adaptar as cidades e regiões à nova realidade.