Na semana passada, o deputado federal Antonio Leocádio de Souza (MDB-PA), o Antônio Doido, postou em suas redes sociais um vídeo gravado especialmente para sua campanha eleitoral pelo ministro das Cidades, Jader Filho (MDB-PA). Foi uma fala importante para o candidato, que está na reta final da disputa a prefeito no segundo município mais populoso do estado do Pará, Ananindeua, com 535 mil habitantes, na região metropolitana de Belém.
No vídeo, o ministro das Cidades, que é irmão do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e também preside o MDB no estado, associou a eleição de Antônio Doido a mais investimentos da União para Ananindeua. “À frente do Ministério das Cidades, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, já autorizamos mais de R$ 225 milhões para saneamento, infraestrutura e regularização fundiária para a Ananindeua. E com Antônio Doido, prefeito, vamos fazer muito mais. Parceiro do governador Helder, Antônio Doido tem as portas abertas no governo federal, além de experiência como gestor e parlamentar, e sabe o que é preciso fazer para o nosso município avançar de verdade”, disse o ministro.
A participação de Jader Filho na campanha eleitoral do Pará não ficou restrita ao vídeo dirigido aos eleitores de Ananindeua, com direito a carreata no dia 8 de setembro na cidade, e muito menos àquele município.
Desde agosto o ministro das Cidades esteve ativamente em atos, comícios ou carreatas promovidos em campanhas eleitorais de pelo menos 50 cidades do Pará, uma sequência de viagens e deslocamentos em longas distâncias que resultaram em vídeos intensamente compartilhados pelos candidatos ou pelo próprio ministro em sua conta no Instagram, que tem 112 mil seguidores. Apenas de 20 a 22 de setembro, por exemplo, Jader Filho esteve nas campanhas eleitorais de nove municípios.
Entrega do Minha Casa Minha Vida de dia e campanha à noite
Em suas viagens, Jader Filho ora anuncia à imprensa regional, na condição de ministro, obras e investimentos que já foram liberados ou estão a caminho para o município, ora está em cima de palanques e carros de som. Em pelo menos um caso, ficou registrado em vídeo que ele exaltou “parceria” em torno de investimentos federais durante o próprio ato eleitoral.
Em Tucuruí (PA), no último dia 21, o ministro discursou num palanque ao lado do prefeito e candidato à reeleição, Alexandre Siqueira (MDB). O ministro falou sobre si mesmo em terceira pessoa: “Foi a parceria do Alexandre, foi a parceria do Jader Filho, foi a parceria da [deputada] Andreia Siqueira, foi a parceria com o governador, que trouxe o novo regional, que vai ser o maior e melhor hospital do Pará”.
A obra oficialmente não está concluída – em março, ainda faltavam 73%. Ao passar por esses municípios, o ministro atrai, compreensivelmente, grande atenção da imprensa e dos blogs regionais, até pela condição de único ministro paraense no Executivo em Brasília. No último dia 13 de setembro, em Santarém (PA), deu declarações e entrevistas para anunciar a “contratação de mais de 500 moradias” do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
No mesmo dia 13, à noite, Jader Filho participou de atos da campanha do candidato apoiado pelo MDB, Zé Maria Tapajós (MDB). “Foguete não tem ré! E é por isso que o povo santareno vai no 15, pra eleger @zemariatapajos! Que festa linda, Santarém! Boraa [sic]”, escreveu o ministro.
Pesquisas de opinião pública divulgadas na cidade sugerem uma disputa acirrada entre Tapajós e o candidato bolsonarista JK do Povão (PP). Na segunda-feira (16) seguinte, Jader Filho já estava ao vivo, na afiliada da Rede Globo em Santarém, para uma entrevista de 9 minutos a respeito de investimentos do governo federal na região. Ele disse que a escolha das famílias contempladas pelo MCMV é de responsabilidade da prefeitura. “Tenho conversado com o prefeito Nélio, para que ele faça essa seleção.” Nélio Aguiar (União) apoia o candidato Tapajós.
No dia seguinte ao ato em Santarém (14), em um palanque em Itaituba (PA) ao lado do candidato Nicodemos Aguiar e do atual prefeito, Valmir Climaco, ambos do MDB, Jader voltou a associar a eleição de um candidato como forma de mais trabalho do próprio ministro em favor da região. “O Minha Casa Minha Vida chegou ao Brasil, mas chegou também aqui em Itaituba. São 500 casas só para Itaituba. A gente vai levar água, água de qualidade para esse povo da zona rural. […] Se eu ajudei o Valmir, eu vou ajudar muito mais o Nicodemos”, discursou o ministro ao microfone.
Para a advogada especialista em direito eleitoral Gabriela Rollemberg, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep), há uma “linha tênue” na definição do que pode ou não ser dito por uma autoridade em uma campanha eleitoral. Em tese, sem analisar todos os casos concretamente, ela considera que não há ilegalidade no ato de o ministro divulgar os recursos ou obras que ele ajudou a viabilizar, por meio do Ministério das Cidades, em eventos de campanhas, mas aponta que condicionar a liberação de mais recursos à eleição de determinado candidato pode configurar uma infração.
“Dependendo do teor da fala dele, a gente pode ter aí um abuso de poder econômico ou um abuso de poder político, porque colocaria quem ele está apoiando em uma situação de desvantagem em relação aos demais, porque a máquina não pode ser utilizada em benefício de uma candidatura”, afirmou em entrevista à Agência Pública. Ela ressalta que a destinação de verba pública deve se basear no princípio da impessoalidade, então a eleição de determinado candidato não poderia influenciar as decisões de políticas federais.
Em caso de condenação por abuso político e econômico, a penalidade para a chapa que concorre ao cargo público é a cassação e, em alguns casos, a inelegibilidade. O ministro também poderia ficar inelegível, se condenado.
Cartilha do governo federal proíbe promessas em campanha
Pelas regras em vigor no governo federal, um ministro de Estado pode fazer, em horários de almoço e dias de folga, campanha eleitoral a favor de seu candidato predileto. Contudo, há nuances na intensa participação de Jader Filho nas campanhas do Pará.
Na versão atualizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 2024 (10ª edição), a cartilha “Condutas vedadas aos agentes públicos federais em eleições” transcreveu, como orientação geral, diversos trechos da Resolução nº 7, de fevereiro de 2002, da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
A resolução diz, em seu artigo 4º: “Nos eventos político-eleitorais de que participar, a autoridade não poderá fazer promessa, ainda que de forma implícita, cujo cumprimento dependa do cargo público que esteja exercendo, tais como realização de obras, liberação de recursos e nomeação para cargos ou empregos”.
Uma nota explicativa da cartilha diz que “essa restrição decorre da necessidade de se manter a dignidade da função pública e de se demonstrar respeito à sociedade e ao eleitor”.
Segundo a cartilha, “o objeto de análise da instância ética é a conduta do agente público diante dos padrões éticos e não com relação à legalidade ou ilegalidade da conduta praticada”.
Além de proibir o uso do cargo, o documento também instrui que o agente político “deverá consignar em agenda de trabalho de acesso público” não só as agendas de trabalho, mas também “eventos político-eleitorais de que participe, informando as condições de logística e financeiras da sua participação”, a fim de “prevenir-se de situação que possa suscitar dúvidas quanto à sua conduta ética”. Entretanto, nenhuma das 50 aparições do ministro em eventos de campanha no Pará foi registrada em sua agenda, mantida em site na internet pela CGU.
Em sua agenda oficial, Jader Filho também deixou de informar quaisquer compromissos em quatro dias diferentes: 23 de agosto e 13, 16 e 23 de setembro. São todos dias próximos a finais de semana (ou segunda-feira ou sexta-feira). Para participar de todos esses atos, Filho não tirou férias nem se licenciou durante a maior parte da campanha de agosto e setembro, ao contrário de outros seis colegas ministros. Há registro de que ele pediu férias apenas agora e só por dois dias (30 de setembro e 1º de outubro).
O Portal da Transparência do governo federal também informa que Jader viajou a Belém (PA) ao menos quatro vezes entre agosto e setembro. As passagens de ida e volta de Brasília a Belém, emitidas com “urgência”, custaram mais de R$ 17,8 mil aos cofres públicos. Em todos os casos, foi registrado no Portal da Transparência que o ministro estaria em “agenda oficial”, mas sua agenda está vazia nesses dias. Em um dos deslocamentos, o ministro viajou na quinta-feira, 12 de setembro, e voltou a Brasília na segunda, dia 16. No Pará, participou de 12 eventos entre sexta e domingo, em cidades como Santarém, Curuá e Óbidos.
Em resposta às perguntas enviadas pela Pública, o Ministério das Cidades afirmou que, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, “todos os ministros têm direito a passagens aéreas ida e volta aos seus Estados de origem”. Sobre as despesas de viagem dentro do Pará, disse que foram “custeadas por ele próprio ou pelo MDB, partido que ele preside no Estado”. Registros nas redes sociais mostram que o ministro utilizou um helicóptero para chegar a Uruará, a 950 km de Belém, Óbidos (836 km) e Igarapé-Açu (123 km).
O ministério não respondeu à Pública sobre quem produziu e editou os vídeos que retratam o ministro em atos eleitorais e que foram compartilhados em suas redes. Também não respondeu se ele consultou a Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto a respeito de suas atividades eleitorais neste ano.