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A turma do block: como as Big Techs montaram equipes de lobby que derrubam projetos de lei

Gigantes de tecnologia que atuam no Brasil criaram forte lobby que protege interesses e evita novas regulações

Reportagem
9 de setembro de 2025
06:00
Aleksandra Ramos/Núcleo

Grandes empresas de tecnologia montaram, nos últimos dez anos, uma estrutura robusta de relações governamentais no Brasil, instituindo um sistema de lobby que obteve repetidos sucessos em barrar regulações contrárias aos seus interesses no Congresso.

Um levantamento realizado pelo Núcleo como parte do projeto A Mão Invisível das Big Techs, investigação liderada pela Agência Pública e pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (CLIP), mapeou 74 profissionais de 16 grandes plataformas, que atuam diretamente nas articulações de empresas junto ao Executivo e ao Legislativo.

Desse total, dois a cada três desses profissionais tiveram passagens por algum órgão de governo, como a Presidência da República, ministérios, casas legislativas ou agências reguladoras, uma prática conhecida como porta giratória.

Cerca de metade dos profissionais foi contratado no triênio de 2021 a 2023, um momento no qual tentativas de levar regulações para frente, como o Projeto de Lei 2.630/2020 (também conhecido como PL das Fake News), foram intensificadas por parte de parlamentares interessados e grupos da sociedade civil. Em 2024, o PL das Fake News foi declarado “morto” pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira.

Porta giratória (ou revolving door, em inglês) é o nome dado à movimentação de profissionais entre cargos públicos e privados, especialmente entre posições governamentais e setores de lobby.

Levantamento inédito

Os dados foram obtidos via buscas extensivas no LinkedIn a partir de um método de pesquisa de redes sociais conhecido como snowball sampling, pelo qual é possível encontrar uma rede de perfis específicos a partir de algoritmos de recomendações das plataformas. Foram considerados apenas profissionais que declaravam fazer parte de equipes de “políticas públicas” e “relações governamentais”, ou classificações semelhantes.

Esse é o primeiro levantamento do tipo no Brasil e mostra a escala de atuação de funcionários diretos das Big Techs sobre a política nacional.

Os nomes dos profissionais foram omitidos da reportagem para evitar a exposição de pessoas que estão fazendo seus trabalhos de forma legal.

É importante notar que essas empresas podem ter profissionais sem contas ativas no LinkedIn ou que não declaram seus vínculos empregatícios ou cargos na plataforma, o que pode subestimar o número final de pessoas encontradas.

Os números levam em conta apenas contratações diretas das empresas, e não de organizações lobistas como o Conselho Digital (antigo Instituto Cidadania Digital, bancado pelas maiores empresas de tecnologia), Câmara Brasileira de Economia Digital e Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, entre outras.

Outro dado verificado no levantamento é a presença de profissionais especializados na área de lobby, mas de outros setores. Foram verificados pelo menos onze que, antes de atuar na área de interesse das techs, tinham larga experiência no lobby na área de Petróleo, Mineração, Tabaco e no setor Bancário.

A influência dessa turma é corroborada por entrevistas com pessoas que participaram diretamente das negociações que levaram à queda do PL 2.630. Para relatar os bastidores, elas pediram anonimato e também relataram que os lobistas das empresas de tecnologia, além de terem trazido essa experiência de outros setores, também fizeram pressão sobre as maiores confederações nacionais para que outras áreas também atuassem contra a regulação.

No meio dessas negociações, estavam, por exemplo, discussões sobre a construção de data centers. “É um aluguel ali muito nítido, que tinha uma troca colocada”, relatou uma pessoa envolvida nas negociações.

Bateu a Meta

Pelo levantamento, a Meta é a empresa com o maior contingente de profissionais trabalhando em posições de políticas públicas ou relações governamentais, ou seja, pessoas cujo trabalho é articular e tentar influenciar ações do governo e do legislativo em relação às suas áreas de interesse.

A empresa tem 19 funcionários encontrados no levantamento, seguida de Google, com 10 pessoas – se considerarmos o YouTube, que pertence à empresa de buscas online, o total vai para 13.

As duas empresas foram excepcionalmente agressivas em suas campanhas contra o PL das Fake News, entre 2022 e 2024, promovendo uma verdadeira batalha contra o projeto de lei que buscava dar novas responsabilidades para essas empresas.

O Google chegou a contratar o ex-presidente Michel Temer como parte de seus esforços para tentar segurar a regulação normativa, além de ter feito uma propaganda contra o projeto de lei em sua página principal, algo que gerou inquéritos de autoridades brasileiras por práticas abusivas. Já a Meta publicou anúncios de página inteira em jornais e fez publicidade contra o PL em aeroportos em Brasília.

No começo de maio de 2023, em um período de 10 dias, foram divulgados diversos comunicados de empresas e organizações ligadas a elas criticando o projeto de lei, a fim de pressionar congressistas contra novas regulações.

É notável também a presença de TikTok e Uber, que possuem sete profissionais de relações com governo cada.

Evolução do lobby no setor

O pesquisador Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, afirma que acompanha a evolução do lobby no setor desde o ano de 2015, quando iniciaram as discussões sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a LGPD.

“O que a gente percebia lá naquela época já, era primeiro, uma profissionalização do lobby que deixava de ser um lobby só tributário. Então, por exemplo, a Brascom, que é uma são que junta IBM, Microsoft. Depois eles cresceram muito, acho que tem 90 membros para mais. Eles começaram a ganhar protagonismo e se especializar em minar o processo (de regulação)”, avalia Zanatta, ao relembrar as discussões que visavam derrubar a implementação da LGPD. Para as empresas, interessava ter uma ausência de regramento sobre o uso de dados pessoais. No entanto, a lei acabou passando em agosto de 2018.

E toda essa atuação do lobby das techs só cresceu desde então. Zanatta explica que algumas das dificuldades estão, sobretudo, na falta de definição e regulação da própria atividade de lobby no Brasil. Ele aponta como até o conceito em si, inicialmente, é um problema. “Lobby é uma defesa de uma causa perante um agente decisório e não é crime em si”, explica Zanatta, ao lembrar que no Brasil não há uma regulação de lobby. O pesquisador observa ainda que na lei americana, por exemplo, entre outros aspectos, é previsto uma defesa pública, democrática e equitativa da causa, o que não ocorre no modo como o setor atua no Brasil. “O que não é permitido é fazer um jantar em Lisboa, por exemplo, ou produzir algo só para um parlamentar. Além disso, fazer um rascunho de texto que depois um assessor parlamentar apresenta especificamente para um projeto de lei”, finaliza Zanatta, ao mencionar vários aspectos que ocorrem no Brasil.

Segundo o pesquisador, o crescimento do setor de lobby junto as techs também se deu com um empurrãozinho dos EUA. “Outro fator é a chegada do lobby profissionalizado dos Estados Unidos. Vindo especialmente por mediação do US Chamber of Commerce, que funciona como um órgão de coordenação do lobby americano no Brasil. Abriu as portas diplomáticas para que fossem feitas as reuniões dentro do governo, dentro da Câmara, dentro dos espaços públicos com essas associações internacionais, né? A Business Software Alliance, que é a BSA, que é uma associação de empresas grandes de tecnologia dos Estados Unidos, por exemplo”, aponta Zanatta, que diz ter visto a presença desses lobistas nas reuniões de trabalho das leis do setor.

A força do lobby está aliada à grande preocupação das empresas que é não deixar avançar qualquer regulação em algum país que possa influenciar um movimento mundial por normativas desse tipo. Andressa Michelotti, doutoranda do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Margem (Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça) explica: ” Na questão do (projeto de lei) 2.630 (das fake news) é que elas (empresas) querem evitar qualquer precedência. Porque se passar uma lei no Brasil, de regulação de plataforma, ela pode ter um efeito no sul global”, aponta. “Porque o Brasil tem essa força. Então, e é uma coisa que eu vi muito na minha na minha pesquisa. A possibilidade de uma lei assim passar na Europa, o próximo ponto é o Brasil”, aponta.

Esse aspecto é ressaltado também por Bia Barbosa, coordenadora de Incidência da Reporteres Sem Fronteiras (RSF) para a América Latina. Para ela, o lobby do setor para evitar uma lei que regulasse as plataformas é “sem predecentes” no país. “É um lobby pesado das empresas. Era uma prioridade até internacionalmente barrar a votação aqui no Brasil. Era uma determinação dos times aqui que essa lei (das fake news) não avançasse por causa da influência do Brasil na região”, conclui.


Big Tech

A Mão Invisível das Big Techs é uma investigação transnacional e colaborativa liderada pela Agência Pública e o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), em conjunto com Crikey (Austrália), Cuestión Pública (Colômbia), Daily Maverick (África do Sul), El Diario AR (Argentina), El Surti (Paraguai), Factum (El Salvador), ICL (Brasil), Investigative Journalism Foundation – IJF (Canadá), LaBot (Chile), LightHouse Reports (Internacional), N+Focus (México), Núcleo (Brasil), Primicias (Equador), Tech Policy Press (EUA) e Tempo (Indonésia). O projeto tem o apoio da Repórteres Sem Fronteiras e da equipe jurídica El Veinte, e identidade visual da La Fábrica Memética.

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