Na mão direita a espada Na mão esquerda a balança A justiça vem de Deus Não tem ódio nem vingança Ela tem os olhos vendados Mostrando que do seu lado Tem o farol da esperança
Os versos fazem parte de um dos cordéis de José Aras, nascido no fim do século retrasado na região onde ocorreu o conflito de Canudos. Ele contou a história de Antônio Conselheiro em forma de repente, inspirou o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e ficou conhecido como um denunciador das injustiças sofridas pelos sertanejos.
A família Aras era uma das poucas da nata da elite baiana que mantinha a veia progressista. Um dos filhos de José Aras se tornou político de oposição à ditadura, passando pelo PT e PV. Outro, auditor fiscal, foi morto ao investigar uma máfia de produtores de açúcar. Um neto virou procurador da Operação Lava Jato.
A aura progressista se manteve até 2019, quando um descendente se tornou procurador-geral afirmando que iria chefiar o Ministério Público Federal (MPF) com a “bandeira do Brasil em uma mão e a Constituição na outra” e que “se tivesse uma terceira mão, seguraria ainda uma Bíblia”. Trata-se de Augusto Aras, filho do político de esquerda, sobrinho do auditor, primo do lavajatista e neto do cordelista.
Apesar de o Ministério Público ser uma instituição independente, é responsável por agir em casos de ameaça aos direitos previstos na Constituição. Mas, no caso de Aras, saem de cena a espada e a balança, e entram a Bíblia e a bandeira.
Em sua gestão, que termina no próximo mês de setembro, Aras foi duramente criticado pelas posturas quase sempre favoráveis ao governo. Durante os quatro anos de mandato do ex-presidente, se aliou a ele e seus filhos em 95% das acusações a que respondem no Supremo Tribunal Federal (STF). Boa parte dos processos é referente à atuação do governo na pandemia de covid-19. Nesses casos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reproduziu argumentos de Bolsonaro, como dizer que autoridades de saúde não tinham consenso sobre uso de máscaras e isolamento social.
Apenas um inquérito contra o ex-presidente foi aberto por iniciativa da PGR – sobre a suposta interferência do mandatário sobre a Polícia Federal. Mas houve pedido de arquivamento poucos dias antes do segundo turno das eleições do ano passado. Também foi pedido o engavetamento de quase todas as denúncias enviadas pela CPI da Covid.
“Foi uma tragédia absoluta”, afirma Daniel Sarmento, ex-procurador que deixou o MPF para se dedicar à advocacia. “Houve omissão muito séria ao não contestar claras violações de direitos humanos, como na proteção de povos indígenas durante a pandemia. Internamente, também houve desmonte de conselhos que poderiam contestar temas caros ao governo, como meio ambiente. Em algumas situações, Aras não apenas lavava as mãos, como também atrapalhava.”
A subserviência ao governo mudou apenas no início deste ano. Em um discurso na abertura do ano judiciário, Aras surpreendeu ao dizer que é preciso repetir diariamente “democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo”. A sessão ocorreu poucos dias após os atos golpistas de 8 de janeiro, quando os prédios da Presidência da República, Câmara, Senado e STF foram invadidos e depredados por apoiadores de Bolsonaro. A PGR também apoiou a inclusão do ex-presidente no inquérito que investiga o caso.
Reservadamente, procuradores cacifados ouvidos pela reportagem apontam que a omissão de Aras e a sua leniência com o golpismo do bolsonarismo radical permitiram que os ataques ocorressem. O procurador-geral se defendeu alegando que “teve uma atuação discreta”, que “evitou excessos” e que não se influenciou por “eventuais abusos de agentes públicos”.
“O fato é que Aras é um sobrevivente do meio jurídico. Ele surfa junto com a onda política para ter espaço”, comenta André Matheus, advogado criminal e eleitoral que atua em temas de liberdade de expressão em que a PGR se manifesta.
A opinião é compartilhada por outros operadores do direito que não quiseram se identificar. O procurador-chefe teria apostado todas as fichas na defesa de um projeto de poder (de Bolsonaro) mirando obter uma vaga no STF. Não conseguiu, e agora precisa se aproximar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas terá que ajustar a expectativa de seus sonhos.
De burocrata apagado a chefe do MPF
A ascensão de Aras ao posto de maior protagonismo no MPF em 2019 surpreendeu os seus colegas. Ele era visto como um procurador que “entrava mudo e saía calado” e um “burocrata”. Mais de uma pessoa que trabalhou com ele o classificou como “muito apagado”.
Mas foi justamente o perfil sem luz própria que permitiu ser adaptado ao gosto do freguês. Aos bolsonaristas, Aras prometeu que iria valorizar os princípios conservadores e não buscaria atenção na mídia como um de seus antecessores, Rodrigo Janot.
Com a ala progressista, também conquistou simpatia por criticar a Operação Lava Jato (que efetivamente desmontou). Obteve aval implícito inclusive de advogados ligados à esquerda, como o grupo Prerrogativas. Com isso, teve o trunfo de que nenhum dos lados fez uma oposição radical a ele.
A Lava Jato foi o ponto de convergência em torno de Aras. E era um assunto que o procurador discutia em casa.
Sua esposa, a também subprocuradora Maria das Mercês de Castro Gordilho, foi casada com Durval Olivieri, um dos fundadores da OAS, que foi uma das empreiteiras mais atingidas pelas investigações. Ela é também uma das sócias da Tenace, empresa de engenharia e consultoria que prestava serviços à Petrobras e chegou a ser citada na operação, mas não foi denunciada. A empresa pediu recuperação judicial em 2014.
O ex-marido de Maria das Mercês é lotado como assessor da presidência do Ibama. Em 2021, o então presidente do órgão de fiscalização ambiental Eduardo Bim foi poupado em um primeiro momento pelo Ministério Público na investigação da Operação Akuanduba, que apurou fraudes na documentação de madeira suspeita e atingiu o ex-ministro Ricardo Salles. Ele só foi incluído na lista de medidas restritivas após manifestação da ministra Cármen Lúcia, que estranhou a sua ausência.
Também teria vindo de dentro de casa parte da influência que levou Aras ao bolsonarismo. Suas três enteadas, filhas da esposa com Olivieri, já se posicionaram contra o PT nas redes sociais e defenderam Bolsonaro. Estes posts, inclusive, ajudaram a reduzir as dúvidas do ex-presidente sobre Aras.
O pesquisador Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que investiga origens genealógicas entre atores da política brasileira, acredita que o núcleo próximo do procurador tem relação com a sua atuação.
Ele cita como exemplo que Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa e aliado próximo de Bolsonaro, é genro do ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro. E César Mata Pires, outro fundador da empreiteira, é neto de Antônio Carlos Magalhães – cujo outro herdeiro, ACM Neto, foi um dos interlocutores que aproximaram Aras do ex-colega de partido Onyx Lorenzoni.
“Emergentes periféricos para subirem na hierarquia social e política casam com sobrenomes e genealogias tradicionais da capital, formam novas famílias e redes políticas, para sempre se aliarem politicamente ao velho atraso e negócios do antigo regime no Brasil”, defende Oliveira.
Como superar a lista tríplice
Aras ingressou no MPF em 1987. Atuou em cargos importantes em câmaras internas e junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), além de dar aulas na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e na Universidade de Brasília (UnB).
Mesmo com o bom currículo, o procurador não foi incluído na lista tríplice enviada pela Associação Nacional dos Procuradores da República a Bolsonaro em seu primeiro ano de governo. A escolha de um dos nomes sugeridos não é obrigatória, mas era uma praxe seguida por todos os mandatários desde 2003.
Na prática, a escolha pela lista tríplice sacramentou uma mudança no perfil do procurador-chefe. Antes de a tradição começar, em 2003, primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os comandantes da PGR adequavam a postura ao presidente da ocasião.
É o caso de Geraldo Brindeiro, que inaugurou o apelido “engavetador-geral da República” ao aceitar apenas 60 das mais de 600 denúncias recebidas contra congressistas, ministros e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o indicou ao cargo.
Com o advento da lista, quem desejasse galgar ao posto de chefia tinha a missão de agradar mais aos colegas que ao chefe do Executivo. Ao não figurar na lista, Aras correu por fora, observou os desejos da administração federal e mostrou que poderia se adequar a eles.
Chegar até o presidente, que nunca havia ouvido falar do procurador, foi um caminho tortuoso. Ambicioso, Aras teve reuniões de bastidor com aliados que Bolsonaro efetivamente escuta, como os ex-ministros Lorenzoni, Fábio Faria e Tarcísio de Freitas.
Mas o principal articulador foi o deputado Alberto Fraga, fundador e líder da bancada da bala na Câmara, defensor da pauta armamentista. O deputado, aliás, tinha tanto poder com o ex-presidente que era chamado por ele de “ministro-reserva”.
“Nos conhecemos há 15 anos, por meio de amigos em comum”, disse Fraga à Agência Pública. “Foi ele quem me procurou e disse que queria colocar o nome à disposição para o Bolsonaro. Ele falou: ‘Esses três indicados da lista tríplice não têm nada a ver. Pode me ajudar?’.”
O deputado questionou o presidente, que disse que ainda não tinha escolhido ninguém. “Então levei ele [Aras] umas oito vezes no Alvorada antes de a imprensa descobrir. Era escondido para ele não ser queimado logo de cara.”
Aras estava animado com a possibilidade de subir na carreira e tentou demonstrar a Bolsonaro que os dois são parecidos nos ideais conservadores. Citou que é intransigentemente a favor da propriedade privada e que é contra discussões sobre ideologia de gênero.
Quando o nome finalmente vazou e ele passou a ser cotado publicamente para a vaga, Aras ainda enfrentou uma campanha de cancelamento nas redes sociais liderada pela deputada bolsonarista Carla Zambelli – segundo a qual o procurador seria de esquerda e aliado do PT.
Escavando as profundezas da internet, os críticos descobriram que ele já havia dado uma festa que reuniu a alta cúpula do partido, como Zé Dirceu e Rui Falcão. Ele também já havia dito em entrevistas que a “esperança precisa vencer o medo” – frase semelhante ao slogan da campanha de Lula em 2002 – e criticado a direita radical. Mas tudo isso foi antes da aproximação com o então novo governo.
Em pelo menos uma reunião a sós com Bolsonaro, o procurador garantiu que não seria um obstáculo a ele – em especial nas pautas econômicas. Também disse que ter proximidade com pessoas de esquerda não fazia dele um “esquerdista”. Seriam, na verdade, apenas amigos de seu pai, este sim de esquerda, e amigos de amigos.
Lembrou também que ele havia sido o responsável por destravar a licitação para a ferrovia Norte-Sul, no trecho entre Tocantins e São Paulo, que estava emperrada havia meses. Tratava-se de uma pauta importantíssima para o então ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que passou a fazer campanha pelo procurador. O gesto pretendia simbolizar que Aras era, de fato, um desenvolvimentista.
Ele ainda tentou se desvincular de decisões anteriores que poderiam ser consideradas prejudiciais à pauta bolsonarista. Em 2013, Aras recorreu de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitia estudos de viabilidade para construção de um complexo hidrelétrico que impactaria 32 comunidades indígenas ao longo do rio Tapajós, no Mato Grosso. Seis anos depois, passou a dizer em entrevistas que a “proteção das minorias passa por interesses políticos” e que “não se pode ignorar que reservas indígenas têm minerais estratégicos”.
Bolsonaro, ainda desconfiado, foi então convencido a dar um voto de confiança ao procurador até então desconhecido, mas que havia conquistado a confiança dos quadros mais duros do bolsonarismo. Antes disso, ligou para Alberto Fraga uma última vez e perguntou: “Ele é mesmo amigo seu?”. O deputado assentiu. Era o que faltava para selar a decisão.
Na sabatina no Senado, que o confirmou no cargo, Aras tomou o cuidado de procurar todos os senadores pessoalmente, para dar garantias parecidas às que prometeu ao presidente: não seria uma pedra no sapato de ninguém ali. Fez também duras críticas à Lava Jato e disse que os políticos mereciam “dignidade”. Foi um sucesso.
Apesar das reclamações que acumulou ao longo do primeiro mandato como chefe da PGR, Aras foi reconduzido ao cargo por mais dois anos em 2021. “Me lancei contra tudo e contra todos. O divino quis que eu estivesse aqui”, disse em agosto de 2022, em um balanço de sua atuação.
PGR “pop”
Na principal cadeira do Ministério Público, Aras tinha diante de si uma instituição que havia crescido muito nos anos anteriores. Leis como contra a lavagem de dinheiro (1998), da ficha limpa (2010), de acesso à informação (2011) e anticorrupção (2013) ajudaram a aumentar o poder e a autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal – e formaram a base para o que viria a ser a Operação Lava Jato a partir de 2014.
Foi com a Lava Jato e seus procuradores “pop” que o Ministério Público passou a fazer parte do vocabulário dos brasileiros. O procurador Deltan Dallagnol, que coordenava a força-tarefa de Curitiba e hoje é deputado federal, fez até aulas de media training para se comunicar de modo envolvente. Ele comparava as operações a partidas do jogo Candy Crush e foi o autor do powerpoint hipersimplificado contra Lula – que viralizou rapidamente nas redes sociais, entre apoiadores e críticos.
Rodrigo Janot chefiou a PGR na era de ouro da Lava Jato. Ele foi reconduzido ao cargo em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff, mesmo depois da série de denúncias que atingiram o próprio governo. “Janot deve ter sido o primeiro procurador-geral que as pessoas reconheciam na rua, sabiam o nome”, comenta Sarmento, que deixou o MPF em 2014.
A sucessora dele, Raquel Dodge, teve um perfil mais recluso e conciliador. Ela foi a segunda colocada na lista tríplice, mas a preferida pelo ex-presidente Michel Temer. No fim do mandato, não foi reconduzida e recebeu críticas de colegas por supostamente ter segurado processos da Lava Jato.
Nesse meio-tempo, a operação foi perdendo fôlego. Ela foi sepultada de vez no governo de Jair Bolsonaro, tanto por medidas restritivas impostas pela PGR, que cortou substancialmente o financiamento, como por esvaziamento das forças-tarefas. Dallagnol deixou a coordenação do grupo de Curitiba e passou a enfrentar questionamentos na Justiça pela maneira como trocava figurinhas e combinava passos com o ex-juiz Sergio Moro. Este, por sua vez, virou ministro de Bolsonaro – apesar de ter mandado prender Lula, seu principal opositor, meses antes.
Nesse cenário, Aras assumiu a bucha dizendo que teria uma atuação apartidária e contra ativismos – o que, na prática, significava ser contra o “lavajatismo”, citando suas próprias palavras.
Na posse, ao lado de Bolsonaro, disse que iria pautar a sua gestão pelo “diálogo e respeito à Constituição”. Afirmou também que buscaria a conduta necessária para o Brasil “induzir políticas públicas, econômicas e sociais, em defesa das minorias e que tudo se faça com respeito à dignidade da pessoa humana”.
Na prática, porém, a PGR de Aras deixou de agir ou protelou procedimentos que seriam atribuição do Ministério Público. Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, o procurador-geral dizia que não poderia obrigar Bolsonaro a usar máscara, mesmo considerando que o presidente seria um exemplo para a população. Segundo ele, a criminalização do uso do equipamento de proteção seria um precedente “perigoso”.
As denúncias enviadas pela CPI da Covid após meses de investigação, que apontaram possíveis crimes de responsabilidade e atos de corrupção no governo federal na gestão da pandemia, ficaram guardadas por meses a fio. Depois, a subprocuradora Lindôra Araújo, braço-direito de Aras, solicitou o arquivamento da maioria delas.
Lindôra, aliás, é o pilar de sustentação de Aras. Abertamente conservadora e apontada como próxima da família Bolsonaro, ela galgou as principais posições do MPF durante a gestão do amigo: foi escolhida para comandar as ações da PGR no âmbito do STF e do Superior Tribunal de Justiça – as matérias com maior repercussão. Também atuou como a chefe das ações da Lava Jato na procuradoria.
Coube a ela ser a “portadora das más notícias”. Assinou pareceres dizendo que não via indícios de crime em denúncias contra o governo, comandou a investigação contra governadores de oposição sobre supostas compras irregulares de respiradores (uma das bandeiras de Bolsonaro), e desestabilizou a Lava Jato ao tentar acessar dados sigilosos da operação. Nos assuntos mais delicados, Aras se furtava a se posicionar diretamente e deixava a incumbência para Lindôra.
No início do ano, a PGR também foi cobrada pela falta de ação em relação à crise humanitária sofrida pelo povo Yanomami. Imagens de indígenas doentes e centenas de mortos por desnutrição, principalmente de crianças, correram o mundo. Elas expunham uma ferida aberta que colidia com a leniência do governo Bolsonaro em proteger povos tradicionais em detrimento da exploração comercial de suas terras. Aras disse que o MPF pediu providências para os indígenas, mas o fato é que a ajuda necessária nunca chegou.
A contínua falta de ação contra atos do governo que poderiam ser investigados motivou uma avalanche de críticas de diversos setores da sociedade. Cláudio Fontelles, procurador-geral durante o primeiro mandato de Lula, acredita que o sentimento de permissividade permitiu situações como a das joias que Bolsonaro trouxe ao país sem declarar à Receita Federal. “Se tivesse um procurador da República que atuasse desde o primeiro ataque do ex-presidente contra o STF ou o Congresso, a situação não teria chegado a esse ponto”, disse em entrevista ao portal Terra.
O procurador cansado
Numa postura defensiva, a procuradoria tem divulgado comunicados e balanços para tentar provar que sempre agiu dentro da lei e não se furtou a suas obrigações constitucionais. A PGR tenta também diluir a responsabilidade de seu chefe e diz que membros do Ministério Público têm independência funcional – como no caso de Lindôra e o pedido de arquivamento das ações sobre a covid.
Aras se defende dizendo que a sua gestão avançou “30 anos em três”, que não fez mais porque a procuradoria estava atolada de procedimentos deixados por gestões anteriores, e que, na verdade, “não faltou Ministério Público” nos últimos anos. Um balanço divulgado este ano diz que o Ministério Público colaborou com duas operações da Polícia Federal por mês, em média, e que mais de 450 autoridades com foro foram investigadas ou presas durante a sua gestão. Os números consolidados serão divulgados apenas ao fim do mandato, em setembro.
Em 2023, em meio ao novo governo, que faz tudo o que pode para se distanciar do anterior, o procurador parece deslocado. Tem dito a pessoas próximas que é “incompreendido” e culpa a imprensa por ter saído definitivamente da bolsa de apostas para ocupar um cargo de ministro do Judiciário.
Ele chegou a ser cotado para o STF em 2014, com a aposentadoria do ex-ministro Joaquim Barbosa, mas foi preterido pela então presidente Dilma Rousseff. Depois ainda teve duas chances no governo Bolsonaro, no que parecia ser, afinal, a sua grande chance. Mas o ex-presidente preferiu indicar Nunes Marques e André Mendonça.
O procurador ainda poderia concorrer a uma vaga no STJ na parcela que cabe ao Ministério Público – para a qual também já esteve numa lista de indicação em 2013. Mas, ainda segundo seus colegas, aceitar esse posto seria considerado um demérito por ele.
Com a proximidade do fim do mandato, o chefe da PGR tem se tornado mais recluso e se sentido solitário. “Cansado” é um dos adjetivos mais usados para descrevê-lo atualmente. “Volta e meia eu visito ele, a gente toma um vinho. Ele diz que não dá atenção às críticas, mas é evidente que elas afetam. É um volume muito grande, a pessoa fica cansada”, diz Alberto Fraga.
Ele se sente abandonado pelos integrantes do governo, que, ao seu ver, não valorizaram suficientemente o seu trabalho. E também se sente humilhado por ter caído de paraquedas em um novo governo e precisar recomeçar do zero. Afinal, o passo a passo para ser acolhido por Bolsonaro já foi complicado. A trajetória para ganhar o coração de Lula, então, seria ainda mais difícil. E seus colegas acham que ele não tem energia suficiente para tanto.
Aras está preocupado também com o modo como será retratado nos livros de história e teme ser interpretado como um procurador que fugiu de seus deveres. Por isso, orientou a sua assessoria a relembrar os feitos de sua gestão a todos os jornalistas que o procuram.
A Pública propôs uma entrevista com ele, que seria publicada na íntegra. Mas, de acordo com a sua equipe de imprensa, o procurador só falaria com a imprensa a partir do segundo semestre – quando já estiver de saída do cargo.
Em nota publicada no site do MPF após a publicação da reportagem, a assessoria da PGR afirma que “a atuação dos representantes do Ministério Público Federal na PGR se dá por critérios técnicos e legais, não importando se o seu teor é favorável ou contrário às partes envolvidas”. Ainda segundo a nota, “não houve desmantelamento do trabalho de combate à corrupção e muito menos a redução de estrutura de apoio ao trabalho” e todas as manifestações enviadas ao Supremo Tribunal Federal referentes aos casos decorrentes da CPI da Covid-19 no Senado foram “devidamente motivadas, atenderam a critérios técnicos e a regramentos específicos que regulam o Direito Penal”.
Aras tem dito a amigos próximos que, após o fim do mandato, irá se dedicar a escrever livros. Ele diz que nunca mais irá tentar um cargo público. Agora, só pensa em voltar para casa.