Na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, a Colômbia tem se posicionado como um dos defensores mais vocais do abandono dos combustíveis fósseis, o ponto mais nevrálgico e também contencioso da rodada de negociações. Mas, ao contrário do que se espera, o país “não está sendo recompensado pela ambição climática. Está sendo castigado”, declarou à Agência Pública a ministra colombiana do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Susana Muhamad.
Nos primeiros dias da reunião, prevista para acontecer até 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a Colômbia atraiu a atenção do mundo ao se juntar a dez pequenas ilhas do Pacífico e Caribe e aderir ao Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis. A iniciativa pressiona pelo abandono dessas fontes de energia – o phase out, como é chamado em inglês –, necessário para o combate à crise climática que fez de 2023 o ano mais quente da história.
Apesar de o país ter uma economia dependente de petróleo e carvão, o presidente Gustavo Petro vem se mobilizando em relação ao uso de fósseis desde a campanha, no ano passado, quando ele prometeu não iniciar novos contratos de petróleo.
Desde então, não só o compromisso vem sendo cumprido, como o país tem cobrado que outros assumam a mesma postura, a exemplo do que ocorreu na Cúpula da Amazônia, em agosto desde ano, quando Petro tentou emplacar, na declaração final da reunião, uma decisão sobre o fim da exploração petroleira na floresta. A proposta não foi acolhida pelo demais líderes presentes, entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Quando o presidente Petro disse que não faríamos novos contratos de exploração, imediatamente as agências de riscos chamaram a Colômbia para dizer o que iria acontecer [que o país poderia ter sua qualificação rebaixada no sistema de crédito internacional]: o mercado ficou nervoso, o peso se desvalorizou”, diz Muhamad, Na última sexta-feira (8), ela fez uma fala incisiva pela eliminação dos combustíveis fósseis na plenária oficial da COP28, que ganhou destaque entre os participantes da conferência.
Para evitar que os países sejam penalizados por abandonar as matrizes econômicas dependentes de fósseis, Muhamad argumenta ser necessária uma reforma na arquitetura internacional de financiamento.
“Temos que abrir o caminho e criar condições para que todo o sistema financeiro, o sistema de mercado, os tratados de livre comércio e também, obviamente, a Convenção do Clima [da ONU] se alinhem [ao fim da era dos fósseis]’, aponta. “É preciso construir os incentivos para que, conforme os países avancem no phase out, haja acesso mais rápido e barato ao capital.”
Nesse sentido, ela propõe a criação de uma espécie de “Plano Marshall” (feito pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para ajudar financeiramente os países aliados a se recuperarem) para a “transição climática”. A ideia é preparar o sistema financeiro para atender à emergência criada pelos efeitos do aquecimento global por meio da criação de pacotes de auxílio a países em desenvolvimento, sobretudo. “Quando a Europa estava se recuperando da Segunda Guerra, ninguém ofereceu para ela crédito com juros a 30%”, destaca.
“Fizemos isso com a covid, porque era uma emergência”, pontua. “Em seis anos, temos que fazer uma transformação sem precedentes. É uma emergência. Temos que tratá-la como tal.” A ideia de plano emergencial de ajuda financeira é defendida também por sua contraparte brasileira, a ministra Marina Silva.
De acordo com Muhamad, essa “transformação sem precedentes” pela qual o planeta precisa passar envolve, além da transição energética, uma mudança mais profunda no sistema econômico, atualmente baseado na queima de combustíveis fósseis. Esse é o “elefante na sala” da COP, afirma. “Se não falarmos sobre isso, será muito difícil reduzir as emissões.”
“O que vemos é muito conservadorismo financeiro, muitas fronteiras de poder que não querem fazer mudanças substanciais porque, no fundo, essa ainda é uma economia muito colonial”, aponta a ministra. “Quem tem o poder quer mantê-lo. Falamos de transições e de que ninguém deve ficar para trás, mas isso não se reflete nos contratos de dívida, na realidade da dívida externa [dos países em desenvolvimento], nem na realidade da economia mundial.”
Para ela, não há como transformar o sistema econômico sem abolir os combustíveis fósseis. Por isso, avalia que sem uma decisão forte sobre isso, a COP28 “será um fracasso”.
“Colômbia continuará pressionando”
No mesmo dia em que a Colômbia aderiu ao Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis, o presidente Lula confirmou, em Dubai, que o Brasil se juntaria à Opep+, o grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
O anúncio ofuscou as medidas positivas do governo brasileiro na agenda de florestas, como a redução do desmatamento na Amazônia e a proposta de criação de um novo mecanismo para conservação de matas tropicais. Reforçou também a divergência entre as posições de Petro e Lula em relação ao abandono dos combustíveis fósseis, que emergiu durante a Cúpula da Amazônia.
Até o fim da COP28, Belém deve ser confirmada como sede da COP30, em 2025, que marcará os dez anos da assinatura do Acordo de Paris. Será durante a conferência brasileira que os países terão de apresentar novas metas, mais ambiciosas, de cortes de emissões de gases de efeito estufa.
Os compromissos que foram assumidos em Paris são insuficientes para conter o aquecimento global a níveis toleráveis, e Belém será o momento para ajustar essas contas, a fim de colocar o mundo no trilho de conter a elevação da temperatura a no máximo 1,5°C em relação aos níveis pré-Revolução Industrial.
Para Susana Muhamad, essa agenda da COP 30, aliada à presidência do G20, que o Brasil ocupa até dezembro de 2024, coloca o país em condição de “liderança inegável’. “Que use sua influência para elevar a ambição na direção do 1,5°C”. Segundo ela, o governo colombiano “está pronto para apoiar posições progressistas” do vizinho amazônico neste processo. Mas não retrocessos.
“Nós da Colômbia continuaremos pressionando. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para poder olhar para as crianças do nosso país e dizer que tentamos tudo o que podíamos”, afirma.