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Entrevista

Proposta de Anistia discutida no Congresso não tem respaldo jurídico, diz Kakay

Advogado criminalista não vê possibilidade de parlamentares alterarem decisão do STF

Entrevista
3 de setembro de 2025
04:00
Manifestantes bolsonaristas durante invasão do 8 de janeiro
Joedson Alves/Agência Brasil

A proposta de uma anistia “geral e irrestrita” aos acusados e condenados nos processos dos atos de 8 de janeiro e tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 não tem respaldo jurídico, segundo o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. “O Supremo já decidiu que não cabe indulto e nem anistia quando o crime é contra a democracia. Então, o Congresso não vai poder alterar o resultado do julgamento do Supremo”, afirma.

Kakay já defendeu dois presidentes (José Sarney e Itamar Franco), diversos governadores e líderes de partido, e defendeu 11 políticos e empresários em processos da Operação Lava Jato, incluindo o ex-ministro da Casa Civil do PT, José Dirceu. Coincidentemente, também advogou para Demóstenes Torres enquanto senador – hoje, Torres é advogado do almirante Almir Garnier Santos no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em que Jair Bolsonaro também é réu.

Levantamento da Agência Lupa mostrou que ao menos 20 projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tratam da tentativa de golpe, sendo que nove buscam anistia aos acusados de participação.

Para o jurista, caso o Congresso aprove uma proposta de anistia, “seria uma inversão absoluta da independência dos poderes. Aí, sim, seria um golpe gravíssimo”, diz. Kakay ainda salienta que as “saídas políticas” em caso de condenação de Jair Bolsonaro e dos demais réus do processo que está em julgamento no STF – a anistia e o indulto – se aprovadas no Congresso, “o Supremo é obrigado a derrubar”, avalia.

Os parlamentares da oposição, no entanto, defenderam a proposta da anistia na manhã desta terça-feira, 2 de setembro, enquanto o julgamento de Jair Bolsonaro (PL), e dos outros sete réus do processo, corria tranquilamente na sede do STF. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), possível candidato à Presidência da República com apoio de Bolsonaro, esteve na Câmara dos Deputados em apoio à pauta da anistia. Com o mesmo intuito, os partidos União Brasil e PP anunciaram o desembarque do governo Lula. Ao menos os ministros Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esportes) devem deixar o governo até o fim do mês de setembro.

“Os golpistas não desistiram. Os golpistas continuam querendo dar o golpe. Você vê que o Eduardo Bolsonaro está fora do Brasil, por incrível que possa parecer, tramando contra o país em crime de lesa-pátria. Se fosse um americano que estivesse fazendo o que ele está fazendo nos Estados Unidos, ele pegaria a pena de morte”, analisa Kakay.

Leia os trechos mais importantes da entrevista com o advogado:

Os parlamentares da oposição, inclusive o senador Flávio Bolsonaro, argumentam que o processo do STF é um processo “político”. Esse argumento faz sentido, juridicamente falando?

O senador Flávio fala mais como filho do que com qualquer tipo de visão jurídica. O processo não tem absolutamente nada de político. Foi uma tentativa de golpe de Estado. Já foram julgadas 1,6 mil pessoas, e é bom lembrar que mais de 600 pessoas fizeram ação de não persecução criminal. Para fazer a ação, todos confessaram que participaram da tentativa de golpe. Todos.

Sem contar as outras confissões dos autos, do que existe nos autos. Por exemplo, as pessoas criticavam muito, diziam que era absurdo falar que existia aquele plano, o “Punhal Verde-Amarelo”, e de repente, aparece um general confessando.

Esse caso é um dos poucos onde a defesa vai ter muito trabalho, porque a maioria das provas, quase a maioria absoluta, é feita exatamente pelos réus. São confissões, são documentos. São gravações que eles fizeram. Então não tem absolutamente nada de político, [não] tem nenhum sentido essa afirmação.

A independência dos poderes está em risco nesse momento? Ou o senhor vê apenas a oposição “fazendo barulho” para tentar “atrapalhar” o julgamento que corre no STF?

Não, a independência dos poderes não está em risco. O risco [existe] porque os golpistas não desistiram. Os golpistas continuam querendo dar o golpe. Você vê que o Eduardo Bolsonaro está fora do Brasil, por incrível que possa parecer, tramando contra o país em crime de lesa-pátria. Se fosse um americano que estivesse fazendo o que ele está fazendo nos Estados Unidos, pegaria pena de morte.

Nós temos [que] terminar logo esse julgamento, condenar os golpistas e prender os golpistas. Dentro de um mês, o Bolsonaro vai estar na ‘Papuda’ [complexo penitenciário da Papuda]. Daí você arrefece muito os ânimos dos golpistas. Porque, na verdade, o que ainda existe, sem sombra de dúvida, é a tentativa de atrapalhar o julgamento do Supremo.

Eles acham que, através das sanções nos Estados Unidos, poderia ter alguma pressão. Ao contrário, se tivesse alguma pressão, seria para piorar a situação dos réus. Acho que o maior responsável, ou um dos maiores – o maior responsável é ele próprio, [Jair] Bolsonaro. Mas, outro responsável pela prisão de Bolsonaro, é o filho, Eduardo. E logo, logo, estará preso também, porque está cometendo e confessando os crimes.

Existem caminhos jurídicos viáveis para o Congresso alterar o resultado do julgamento que está acontecendo no STF nesta terça-feira? E caminhos políticos?

Não existe. Na verdade, o Supremo já decidiu que não cabe indulto e nem anistia quando o crime é contra a democracia. Então, o Congresso não vai poder alterar o resultado do julgamento do Supremo, porque se fizesse isso, seria uma inversão absoluta da independência dos poderes. Aí, sim, seria um golpe gravíssimo. E as saídas políticas, anistia e indulto, todos nós sabemos, não existe possibilidade de passar. Se passar, o Supremo é obrigado a derrubar.

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