Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Reportagem

WikiLeaks: EUA negaram ajuda no caso Ana Rosa Kucinski

Embora mantivesse proximidade com comunidade judaica, embaixada adotou “dois pesos e duas medidas” em caso de professora desaparecida

Reportagem
10 de abril de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Em 12 de setembro de 1974, o embaixador americano John Hugh Crimmins teve que pedir ajuda ao Departamento de Estado para uma “saia justa”. Em um despacho diplomático ao Departamento de Estado, Crimmins disse ter recebido uma carta do presidente do Congresso Mundial Judaico, Jacques Torczyer, uma semana antes, pedindo a intervenção da diplomacia americana no caso Ana Rosa Kucinski. Militante da Ação Libertadora Nacional, Kucinski foi presa em São Paulo no dia 22 de abril, aos 32 anos, ao lado de seu marido Wilson Silva. Até hoje está desaparecida.

“Representando 17 grandes organizações judaicas nacionais, respeitosamente apelamos para a sua intervenção em obter informações sobre a localização de Anna Rose Kutschinsky [sic], professora da Universidade de São Paulo, que aparentemente estava em custódia das autoridades brasileiras e da qual não se soube mais nenhuma palavra”, dizia a carta. “A Sra. Kutschinski é filha de uma família distinta e altamente bem reputada e a sua segurança é tema de profunda preocupação”.

Nesse despacho, Crimmins pede a Henri Kissinger que encaminhe sua resposta via Departamento de Estado: uma carta evasiva, explicando não ter mais informações do que o publicado na imprensa. Além de uma reportagem no New York Times, a prisão de Ana Kucinski havia sido discutida em uma reunião da OAB e seu nome constava na lista de prisioneiros políticos apresentada no congresso pelo MDB.

No entanto, escreve Crimmins, “já que a Sra Kutschinsky não é uma cidadã americana, a embaixada não tem base legal para interferir nesse tema junto às autoridades brasileiras”. Mas pede orientação de como agir a Kissinger – de origem judaica – já que “tanto o Departamento quanto a embaixada podem ser suscetíveis a acusações de usar dois pesos e duas medidas por causa de nossos esforços na União Soviética em relação aos judeus que querem emigrar”.

O departamento deveria, portanto, “considerar alguma resposta alternativa”, escreve no documento.

Em nome da comunidade judaica

A “saia justa” decorre do fato de que a embaixada costumava defender os interesses da comunidade judaica, enviando a Washington informações que consideravam de seu interesse  no Brasil.

É o caso de uma correspondência enviada em 25 de abril do mesmo ano, analisando a situação da comunidade judaica no Brasil. Nela, Crimmins relatava que a “atitude relaxada” dos brasileiros em relação a raça e diferenças se refletia em um nível baixo de anti-semitismo, “sem expressão organizada ou sistemática”.

Mas o embaixador destaca algum grau de hostilidade no jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, “consistentemente oposto à causa israelense” e relata “preocupação” da comunidade com “informações sobre ‘dinheiro árabe’ na imprensa brasileira”: “Um rumor, de que o proeminente diário Jornal do Brasil havia sido comprado pelo emirado de Abu Dhabi, era falso. Outro rumor diz que a revista O Cruzeiro está buscando resolver as suas dificuldades através de um empréstimo “árabe” em troca da demissão dos funcionários de origem judaica e da adoção de uma linha editorial pró-árabe”, escreve ele, Em seguida diz: “vale a pena notar que não houve rumores de ameaças à forte postura pró-Israel do prestigioso diário ‘O Estado de S. Paulo’,  nem contestações à propriedade de Adolfo Bloch, um proeminente judeu brasileiro, da popular revista Manchete”.

Para Crimmins, como a lei na época proibia a propriedade  de meios de comunicação por empresas estrangeiras, havia pouco risco nessa área.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Leia também

Ligações perigosas: a DEA e as operações ilegais da PF brasileira

Por

Documentos mostram que o ex-diretor da PF, general Caneppa, tido como um dos primeiros líderes da Condor, efetuou prisões e extradições ilegais a pedido do departamento anti-drogas americano

Tão americano quanto João da Silva

Por

Documentos mostram diferenças de tratamento entre o norte-americano Fred Morris e Paulo Stuart Wright, que possuía dupla nacionalidade, ambos presos e torturados durante a ditadura brasileira

Notas mais recentes

Reajuste mensal e curso 4x mais caro: brasileiros abandonam sonho de medicina na Argentina


Do G20 à COP29: Líderes admitem trilhões para clima, mas silenciam sobre fósseis


COP29: Reta final tem impasse de US$ 1 trilhão, espera pelo G20 e Brasil como facilitador


Semana tem depoimento de ex-ajudante de Bolsonaro, caso Marielle e novas regras de emendas


Queda no desmatamento da Amazônia evitou internações por doenças respiratórias, diz estudo


Leia também

Ligações perigosas: a DEA e as operações ilegais da PF brasileira


Tão americano quanto João da Silva


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes