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Ameaçada de morte, há três anos Du Carmo trabalha para garantir a sobrevivência de sua comunidade em harmonia com a preservação da floresta amazônica

Reportagem
15 de julho de 2013
08:59
Este artigo tem mais de 11 ano

Ao longo das últimas décadas a floresta amazônica tem criado centenas de heróis anônimos. Maria do Carmo Pinheiro Chaves, a “Du Carmo” é uma delas. Assumiu a coordenação de uma comunidade agroextrativista em plena mata e, por bater de frente contra caçadores ilegais e traficantes de drogas, passou a ser ameaçada de morte.

A comunidade é a Lago Verde, fincada no km 55 da rodovia BR 422, conhecida como Transcametá, em Baião, a 197 km da capital Belém, no nordeste paraense. É uma estrada poeirenta, maltratada e cheia de buracos. A comunidade fica num local de acesso ainda mais difícil, numa estradinha de terra, cheia de areais traiçoeiros, onde o atoleiro de carros é quase certo. São 14 km mata adentro até chegar lá.

Ao contrário de outras mulheres que lutam pela terra no Pará, a batalha de Maria do Carmo não é para garantir um lote de assentamento. As vinte famílias que moram na comunidade querem preservar o meio ambiente e garantir a sua sustentabilidade, extraindo da floresta o que de melhor ela pode oferecer, e produzindo o necessário em pequenas plantações ou em projetos como uma incipiente criação de peixes.

O problema, segundo ela, é que toda a área ocupada pelas famílias, algo em torno de 26 alqueires, entre os municípios de Cametá e Baião, era um corredor do tráfico de maconha e cocaína. Traficantes passavam por picadas na mata, até chegar ao rio cujo nome batiza a comunidade. Como o local é de acesso complicado, tornava-se fácil despachar a droga para outros municípios usando os braços de rio como rota. “Era um tráfico pesado. Dez anos atrás costumavam maltratar e até matar famílias que estivessem por aqui”, conta Maria do Carmo.

Em 2010 Maria do Carmo adquiriu um lote em Lago Verde e as coisas começaram a mudar. Procurou apoio para a comunidade no Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sintraf) e acabou se tornando uma liderança sindical. Passou a organizar outras famílias interessadas em produzir diretamente na mata. “No início eram 36 famílias, mas eu defini que tem de ter disciplina, tem de querer preservar, tem de buscar se organizar. Restaram, por enquanto, 20 famílias, mas se não tiver o espírito de preservar não pode ficar”, diz.

E é justamente por combater o desmatamento, a caça e a pesca predatória que Maria do Carmo vem sofrendo ameaças. Chegou a receber “visitas” de homens armados de espingardas. “Tem sempre aquela preocupação, porque já fui ameaçada três vezes”, diz Maria do Carmo, enquanto prepara um café na cozinha da casa de chão batido.

Quem caçava e pescava clandestinamente se sentiu incomodado com as novas regras implantadas por Maria do Carmo. No dia 14 de junho de 2011, um caçador chamado Manoel Bala mandou um filho dele avisar ‘Du Carmo’ que só tinha um jeito de resolver o problema. “Era me matando”, conta Maria. Alguns dias depois ela recebeu nova ameaça. “Me chamaram para uma ‘reunião’ na casa de um agricultor que não aceitava minha liderança. Ele disse que era melhor eu me aquietar”.

Maria do Carmo deixou de pescar sozinha e não fica desacompanhada por muito tempo. Há sempre alguém por perto. Pode ser o marido ou algum dos vizinhos que lutam para alcançar a pretendida sustentabilidade. Por enquanto há plantações de banana, abóbora, melancia, amendoim e mandioca e um tanque de criação de peixes.

São pessoas humildes, que moram em casas de barro ou madeira, cobertas de palha, com piso de chão. Mas a esperança de tirar dali o sustento, mantendo a floresta, resiste. “Aqui se tornou nosso lugar”, diz o ex-caminhoneiro Misaque da Silva, um dos moradores. Segundo ele, é um privilégio cuidar da área de preservação.

As adversidades tem sido constantes. Em outubro de 2012 Maria do Carmo descobriu que haviam jogado no rio óleo queimado e um cipó venenoso chamado timbó, que mata os peixes. Ela denunciou o crime ao ministro da Pesca Marcelo Crivella no mesmo ano, quando o ministro esteve em Belém, e até hoje se emociona ao lembrar do episódio. “Apareceram os peixes boiando mortos, foi uma tristeza só”, diz.

No Lago Verde é fácil encontrar surubins, tucunarés, piranhas e, com um pouco de sorte, até pirarucu. Até a chegada de Maria do Carmo e das outras famílias, se praticava a pesca do arrastão, altamente predatória. Na mata há árvores valorizadas, como jatobá, cedro, ipê e cupiúba, o que torna a área de preservação cobiçada também pelo potencial madeireiro que possui. Animais como pacas, veados e porcos do mato ainda são comuns. A fiscalização é complicada, já que não há pessoas em quantidade suficiente para dar conta de vigiar a floresta.

Ao receber as primeiras ameaças, Maria do Carmo passava noites em claro, rezando e se perguntando se havia feito a escolha certa. Atualmente não tem mais dúvidas disso. Aos poucos tem buscado orientação sobre o que deve fazer tanto para se proteger como para desenvolver as atividades na já batizada ‘Associação dos Pequenos Produtores e Agricultura Familiar de Lago Verde’.

Ela nunca fez registro de Boletim de Ocorrência Policial em relação às ameaças. Acredita que com o tempo elas cessarão. Prefere concentrar a energia nos planos para a comunidade como a construção de uma escola para as 22 crianças que já vivem ali. “Minha preocupação é a sobrevivência das famílias”, diz, enquanto vai buscar orgulhosa um saco de amendoim colhido há pouco tempo. “É a nossa primeira produção. E é só o começo”.

 

Fotos de Ney Marcondes

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