“Jair Bolsonaro está muito perto de vencer eleição no primeiro turno no Brasil afirma agência americana que previu com exatidão a vitória de Trump nos EUA.” – Post da página Mulheres Unidas A FAVOR do Bolsonaro, divulgado em 12 de setembro.
No dia 12 de setembro, a 25 dias do primeiro turno da eleição presidencial, uma página de Facebook em apoio ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) publicou imagem que diz que o presidenciável estaria muito próximo de vencer as eleições em primeiro turno. Junto com o texto, um gráfico mostrava que no dia 9 de setembro, o candidato encontrava-se com 45,6% das projeções de votos válidos, seguido por Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), ambos com 9,7%, Marina Silva (REDE) e Geraldo Alckmin (PSDB) com 7,6% e Álvaro Dias (Podemos) com 5,4%. A postagem foi compartilhada por mais de 18 mil pessoas e teve mais de mil likes até as 17 horas do dia 13 de setembro.
O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública, que tem analisado falas dos presidenciáveis e de candidatos a governador em sete estados – verificou o post e descobriu que é falso. O site responsável, também falso, não disponibiliza sua metodologia ou informações de contato e copia algumas imagens e textos de outra página, traduzindo-as para o espanhol para dificultar a identificação da fraude. Após a publicação da checagem, o site saiu do ar. Dias depois, voltou a funcionar, mas sem o conteúdo citado no boato.
Os resultados mostrados na imagem foram atribuídos a uma “agência americana que previu com exatidão a vitória de Trump nos EUA”. O endereço do site da empresa que seria responsável por esse estudo aparece na imagem, com o nome de Encuestas Digitales (veja como era o site). O gráfico está no endereço indicado (veja uma imagem aqui), acompanhado de outros dois: um que mostra o total de votos dos candidatos (válidos ou não) e outro que compara os votos de Bolsonaro com a soma de todos os outros candidatos. O post com esses números havia sido compartilhado 6,3 mil vezes no Facebook, totalizando 25 mil interações até as 17 horas do dia 12 de setembro. As principais páginas foram “Bolsonaro Presidente” e “Eu MORO no Brasil”.
Ausência de metodologia
No Brasil, pesquisas eleitorais devem ser registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme estipulado pelo artigo 33 da Lei nº 9.504 de 1997, com cadastro da instituição responsável, contratante, metodologia, período de realização, plano amostral, questionário e valores despendidos. A empresa Encuestas Digitales não consta no registro do TSE.
As últimas pesquisas registradas no tribunal até a data da postagem foram realizadas pelo Datafolha e pelo Ibope Inteligência. Ambas mostravam Bolsonaro com intenção de voto muito menor que a do gráfico do Encuestas Digitales. As pesquisas trabalham com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e registraram para o candidato 24% das intenções de voto no Datafolha e 26% no Ibope. Tanto o Datafolha e Ibope quanto qualquer outra instituição de pesquisa registrada no TSE têm suas metodologias divulgadas com tamanho de amostra, regiões analisadas, período de realização, questionário realizado etc. O Encuestas Digitales, além de não ter registro, não divulga sua metodologia.
No final da postagem que mostra a pesquisa de projeção de votos para eleições brasileiras, um link nomeado “metodologia” direciona para uma publicação no site do dia 27 de agosto de 2018. No próprio texto, em espanhol, a agência diz que seus resultados diferem radicalmente de outras pesquisas eleitorais e nomeia seu método de “análise de fluxos digitais”, que seria melhor por tratar do universo digital. O site informa que são coletadas informações de redes sociais, sem especificar quais, buscas na web e navegação via browser. Também diz que é utilizado um sistema de engenharia do conhecimento para análise das informações e de ontologias para a coleta de dados. Os sistemas não são especificados nem explicados.
O Encuestas Digitales ainda compara sua metodologia à de Nate Silver, responsável pelo site “Fifty Thirty Eight”, que pesquisou as projeções de voto por fluxos digitais para as eleições norte-americanas de 2016 e obteve resultado equivocado (vitória de Hillary Clinton). Eles dizem, no entanto, ter uma metodologia mais sofisticada e ter acertado o resultado das eleições de Trump. Essa pesquisa não está disponível no site do Encuestas Digitales, nem foi encontrada online.
Por último, o site diz não divulgar dados sobre seu método específico e seus criadores “por questões de proteção de privacidade e segredo industrial.” Diz também que os estudos são realizados nos Estados Unidos, “território livre da juristocracia e do corporativismo, onde a aceitação da inovação e o respeito à liberdade de expressão imperam como referência evolutiva e superam os desejos opressores e totalitários do corporativismo burocrático”. O próprio Nate Silver, no entanto, fez uma lista dos institutos de pesquisa que realizam levantamentos nos Estados Unidos, avaliando os melhores e piores. O Encuestas Digitales sequer é citado nessa relação.
Ademais, o endereço de e-mail disponibilizado para contato pelo site é genérico: email@email.com. No texto de apresentação, a empresa reforça que traz métodos e tecnologias novas com “densa fundamentação técnico-científica” e que não divulga informações por questões de segurança. São evidências adicionais da falta de transparência da suposta empresa. Não há na página o nome de qualquer executivo ou funcionário que trabalhe para a “agência americana”.
Outras pesquisas
Três outras pesquisas publicadas pelo site tratam da projeção de votos de candidatos a presidente no Brasil em setembro. Todas foram publicadas em setembro – uma no dia 3, outra no dia 5 e outra no dia 7 de setembro. Também em todas o candidato Jair Bolsonaro aparece na liderança com 34%, 32% e 39% das projeções de voto, respectivamente.
Outra publicação, também sobre eleições brasileiras, é usada como exemplo da metodologia de mapeamento de intenção de voto feita pela empresa. O texto traduz trecho de matéria do site O Antagonista, que mostra um levantamento realizado pelo site de pesquisas Mr Predictions a respeito do efeito da desistência de Luciano Huck da corrida presidencial. O Mr Predictions tem como sócio brasileiro o Instituto Mapa – empresa de inteligência em pesquisa com sede em Florianópolis, Santa Catarina. Ao contrário do Encuestas Digitales, o Instituto Mapa possui registro no TSE com o número 03127/2018.
Além dessa, todas as outras publicações do Encuestas Digitales são traduções de pesquisas realizadas pela Mr. Predictions, exceto pelas quatro projeções de voto de eleições brasileiras que trazem Bolsonaro à frente com larga margem. É o caso da publicação sobre engajamento nas redes sociais dos candidatos brasileiros, dos exemplos de mapeamento de intenção de voto para as eleições paraguaias, do ranking digital dos times da libertadores. Os posts aparecem no site da Mr. Predictions com o texto idêntico, mas em inglês. O Encuestas Digitales traduziu para o espanhol as pesquisas.
Entrevistado por telefone, o diretor do Instituto Mapa, José Nazareno Vieira, disse ao Truco que a empresa não está relacionada ao site Encuestas Digitales, mas que a metodologia usada pelo Mr. Predictions é confiável e que eles a utilizam para realizar pesquisas eleitorais. “Temos um método novo de rastreamento e monitoramento de redes sociais, sem perguntas, para previsão de intenção de voto. Fazemos um conjunto de levantamentos de indução de probabilidade”, disse.
As pesquisas de intenção de voto que usam essa metodologia, no entanto, são feitas apenas em caráter interno no Instituto ou por demanda de clientes, não podendo ser divulgadas. “A legislação eleitoral não permite a divulgação de pesquisas digitais”, disse Vieira.
Fatores suspeitos
A ausência de metodologia e a cópia de textos de outro site já provam que as informações do Encuestas Digitales são falsas, mas há mais indicativos de fraude. Utilizando a ferramenta Domain Tools, o Truco descobriu que o site www.encuestasdigitales.com aparece como tendo sido criado em 30 de julho de 2018 e está registrado em um endereço do estado do Arizona nos Estados Unidos. Segundo registros do Wayback Machine, o mesmo endereço era usado de 2014 a 2016 para enquetes de eleições na Guatemala, mas a descrição do site era outra.
Não há indícios de que a empresa realizou qualquer levantamento sobre a eleição de 2016 que tenha previsto a eleição de Donald Trump. Também não há evidências de que a Encuestas Digitales existia antes da criação do site – nenhuma menção a ela aparece após uma busca da internet ou nas redes sociais. Páginas e perfis com o mesmo nome foram encontradas no Facebook, mas nenhuma está ligada ao site em suas descrições ou postagens.
Além disso, o site está todo escrito em espanhol. A exceção é a página que traz a pesquisa de projeção de votos para presidente do Brasil, que tem hiperlinks e título em inglês. A tradução dos textos do Mr. Predictions para outra língua dificulta o rastreamento de cópia. Além disso, são usadas expressões estranhas para a língua espanhola. A jornalista, escritora e tradutora equatoriana Sabrina Duque cita o uso da palavra “pesquisa” nos textos do site como exemplo do mau domínio da língua. O termo é mais adequado para tratar de investigações policiais. Segundo ela, o texto parece ter sido escrito por um brasileiro. Outro exemplo é a expressão “viene errando”, que em espanhol costuma ser “se ha equivocado”, “no ha acertado”. Ela ainda ressalta a falta de pontuação em algumas orações. “Ou foi escrito por um estrangeiro ou por alguém que não sabe escrever bem”, disse.
Após a publicação da checagem, tanto o Encuestas Digitales como o Mr Predictions saíram do ar. Os dois exibem a mesma mensagem: “Site maintenance”. Alguns dias depois, o Encuestas Digitales voltou a funcionar.
Atualização (14/09, às 12h): Acrescentada a informação de que tanto o Encuestas Digitales quanto o Mr Predictions saíram do ar após a publicação da checagem. Também foram incluídos prints do Encuestas Digitales.
Atualização 2 (19/09, às 19h): Incluída a informação de que o Encuestas Digitales voltou ao ar alguns dias depois da publicação da checagem, sem os conteúdos que indicavam possível vitória de Bolsonaro.