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Creative commons, jornalismo de dados, estratégia de viralização, mídia NINJA e olhares sobre a cidade: tudo isso fez parte da primeira recompensa do projeto Reportagem Pública

Da Redação
1 de outubro de 2013
20:05
Este artigo tem mais de 11 ano

Reportagem Pública, primeiro projeto de crowdfunding da Agência Pública, chegou ao final do período de arrecadação com grande apoio do público. A meta foi atingida dois dias antes do prazo final, no dia 18 de setembro. Ao total, 808 pessoas contribuíram com R$ 58.395,00, dinheiro que será integralmente revertido para a produção de reportagens.

Agora, estamos na fase final de desenvolvimento do hotsite exclusivo do projeto, que será também a plataforma de votação para que o maior conselho editorial do país escolha quais pautas serão realizadas (todos os 808 doadores fazem parte do Conselho Editorial do Reportagem Pública). Em breve, divulgaremos mais informações sobre como funcionará a votação e quais são os próximos passos.

Quanto às recompensas escolhidas pelos apoiadores, elas já começaram a ser entregues. Livros e adesivos estão a caminho dos Correios e a primeira recompensa foi entregue no dia 22 de setembro: o Workshop de Jornalismo em Rede, realizado pela Pública e parceiros em São Paulo. A discussão sobre as transformações e novas possibilidades para o Jornalismo foi assistida tanto presencialmente quanto via streaming pela internet. Veja abaixo alguns dos principais pontos e o link para o vídeo gravado no Epicentro Cultural:

“Quem adota o CC faz um compromisso real e simbólico com o acesso à informação”

Mariana Valente trabalha no Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS-FGV/RIO) e é representante da organização Creative Commons no Brasil. Ela falou sobre como o jornalismo pode se beneficiar com as licenças Creative Commons (CC) e explicou como funciona a Lei de Direitos Autorais no Brasil.

Hoje há seis licenças CC. A mais usada no jornalismo é a CC BY-ND, que não permite derivativos, ou seja,  a obra não pode ser alterada e deve ser republicada na íntegra – essa é a licença adotada pela Pública. As licenças CC, a partir da versão 3.0, foram desenvolvidas levando em conta as leis de direito autoral internacionais e são adaptadas em cada país pelos representantes locais, de acordo com sua própria legislação. Mas, a partir da 4.0, que será lançada em breve, a licença será única e aplicável no mundo inteiro.

Sobre a Lei de Direitos Autorais do Brasil, que é de 1998 e é considerada uma das mais restritivas do mundo, Mariana comentou algumas brechas que dificultam a interpretação da lei para o Jornalismo. Como, por exemplo, a falta de definição sobre o que é “imprensa”, termo utilizado no artigo 36 da lei, que fala sobre o direito de utilização econômica de materiais publicados. Por isso, Mariana acredita que o uso do CC no jornalismo é benéfico porque regula e organiza algo que já é feito amplamente na internet – o compartilhamento e a reprodução de notícias.

“Fazer jornalismo sem dados é quase impossível”

Gustavo Faleiros é bolsista da Knight Foundation e está à frente do EcoLab, um laboratório de inovação em Jornalismo Ambiental. No workshop, Faleiros falou sobre Jornalismo de Dados e visualização, explicando que mapas são uma ferramenta de comunicação capaz de agregar informação. Para saber mais, uma boa leitura é o “guia de geojornalismo”, lançado por Gustavo, em parceria com o site O Eco, na semana passada.

Faleiros explicou como organizações jornalísticas podem criar uma base de dados própria, alimentada ao longo do tempo, para servir de base para a produção de conteúdo em formato de reportagens. Muitos jornais poderiam, por exemplo, criar uma política interna para formar uma base de dados a partir da apuração jornalística, alimentada pelos repórteres. “Eles coletam muita informação, que é perdida”.

Por fim, ele contou um pouco da sua experiência no Folha SP Dados, um blog que usou dados como “tira-teima” durante as últimas eleições municipais, e da parceria entre a Pública e o InfoAmazônia, que reuniu, com localização precisa, as histórias de dez mulheres ameaçadas no Pará por conta de conflitos de terra e por serem defensoras da floresta – as histórias foram apuradas pelo jornalista Ismael Machado, do Diário do Pará, também em parceria com a Pública. Gustavo citou ainda alguns exemplos que valem ser vistos dentro do escopo de jornalismo de dados, como o Recipe Search do The Guardian, o Estadão Dados, e a produção de videos durante as Olimpíadas pelo New York Times – que, para ele, “prova que jornalismo de dados não é chato”.

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“O jornalista tem que ter uma visão estratégica sobre o seu trabalho”

Escola de Ativismo é um coletivo que trabalha com aprendizagem e ativismo online, e promoveu um workshop problematizando a questão do engajamento do público com produção jornalística. Segundo eles, para engajar o público é necessário saber muito bem quais são os objetivos a serem alcançados através do conteúdo produzido. Existem, na rede, cinco fases do chamado “funil de engajamento”: atenção > interesse > envolvimento > ação > engajamento/ativismo.

Para Tulio Malaspina, integrante da EAtivismo, na era online os jornalistas têm que ter uma visão estratégica sobre o seu trabalho, construindo uma narrativa que engaje e atraia o público desde o início;

– Quando você cria um meme, por exemplo, você dialoga com um público muito específico, o que vai dificultar o entendimento por um grupo maior de pessoas. Em contraponto, quando você faz uma mensagem mais universal, a chance de viralizar e facilitar o entendimento é muito maior. Como exemplo disso, o pessoal da EAtivismo mostrou dois videos que recentemente se valeram de ilustrações para explicar o Projeto de Lei Tarifa Zero de São Paulo, e a atuação da bancada ruralista no Congresso.

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“A existência do @MidiaNINJA é também uma crítica à mídia”

Thiago Dezan representou o Mídia NINJA no workshop. Ele falou sobre a criação do coletivo, as principais coberturas, erros e acertos. Segundo ele, o NINJA nasceu a partir de uma experiência de comunicação que tem mais de 10 anos e que envolve coletivos de diversas cidades através da Rede Fora do Eixo, embora tenha ganhado força na cobertura dos protestos de rua em 2013. A primeira cobertura de peso foi durante a Marcha da Liberdade, em 2011, quando mais de 90 mil pessoas acompanharam a transmissão. Já em 2013, durante as manifestações em São Paulo, o NINJA atingiu “seu primeiro ponto no Ibope” (cerca de 200 mil pessoas) ao transmitir o protesto na Avenida Paulista em que um enorme painel de latinhas da Coca-Cola foi incendiado.

Para Dezan, um momento fundamental do NINJA foi a atuação no caso de Bruno, um manifestante carioca que havia sido preso, acusado de jogar um coquetel molotov contra policiais. Após um depoimento do jovem, filmado na delegacia e divulgado pelo NINJA, várias pessoas enviaram vídeos e fotos que, juntos, foram capazes de provar a inocência dele – o que acabou levando a polícia a liberá-lo no dia seguinte.

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“O florescimento dessas novas mídias é um exercício de democracia”

A procuradora da República Eugênia Gonzaga falou um pouco sobre o papel da mídia na cobertura dos protestos iniciados em junho. Segundo ela, “nunca a democracia foi tão exercitada” nas ruas, e isso forçou uma mudança de paradigma na mídia. “A mídia tradicional está saindo daquela visão terrível e anacrônica, que era tomada como verdade”, disse.

A seguir, explicou qual é o papel dos Ministérios Públicos Estadual e Federal e como é possível transformar uma reportagem em denúncia ao MP. “O Ministério Público é a ponte entre o povo e o poder judiciário”, disse ela.

Para um jornalista encaminhar uma denúncia sólida ao MP é necessário ter alguns elementos: descrever um fato concreto a ser denunciado, incluindo local e evidências de crime, o nome de alguém que possa responder pelo fato. Em 30 dias a denúncia deve ser respondida pelo Ministério Público com o parecer do procurador ou promotor responsável. Em caso de dúvida, há uma série de tutoriais disponíveis que mostram como formular uma denúncia adequada.

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“É preciso desenvolver a percepção para contemplar as cidades invisíveis”

Natália Garcia, do Cidades para Pessoas, foi autora do primeiro projeto de crowdfunding de jornalismo do Brasil, financiado em 2011. Desde então, ela tem defendido a necessidade do repórter readaptar o olhar sobre as cidades para desenvolver a habilidade de investigar metrópoles. Segundo ela, a “régua” que o poder público e os jornais usam para medir a cidade é antiquada e não atende às necessidades dos seus moradores.

Para ilustrar como a mudança de olhar sobre a cidade traz novas possibilidades, Natália cita um exemplo: ao analisar um mapa da década de 20 sobre regiões que sofrem com alagamentos nos dias atuais, ela descobriu que muitos destes pontos estão em locais onde, antigamente, havia entroncamentos de córregos. O resultado não poderia ser outro: sempre que chove, o bairro fica alagado. “Todo ano a prefeitura e os jornais dizem que ‘choveu acima da expectativa’. Poxa, essa expectativa está muito baixa! Precisa aumentar a expectativa!”, brincou ela.

Natália defende que para enxergar a cidade, é interessante olhá-la como um potencial, e não como um problema. Só a partir dessa mudança de olhar que será possível encontrar soluções viáveis para os “problemas de sempre”. “O Minhocão é uma estrutura que não atende nenhum dos 12 critérios elaborados por urbanistas dinamarqueses para determinar o que é um bom espaço público”, diz ela. São eles: proteção contra o tráfego, segurança nos espaços públicos, proteção contra experiências sensoriais desagradáveis, espaços para caminhar, espaços de permanência, ter onde se sentar, possibilidade de observar, oportunidade de conversar, locais para se exercitar, escala humana, possibilidade de aproveitar o clima e boa experiência sensorial. “No entanto, quando o coletivo Baixo Centro fez um Festival no Minhocão, com grama artificial e piscinas, o mesmo local passou a atender a todos esses critérios”, disse.

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