Cerca de 50 filmes. Publicidade em jornais, rádios, televisão, cinema, na internet e em outdoors. Uma campanha em todos os estados brasileiros para mostrar “como cada ato do governo beneficia diretamente o cidadão e faz mudar seu dia a dia para melhor”, segundo palavras do próprio secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten. Tudo isso a um custo que supera os R$ 14 milhões – parte do valor contratado durante os meses de março e abril, período em que o país passa pela pandemia do novo coronavírus.
Segundo apuração inédita da Agência Pública com dados públicos e por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), apenas em março e abril a campanha “Agenda Positiva”, da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), contratou R$ 5,8 milhões em ações de agências de publicidade. Desse total, R$ 4 milhões ocorreram após a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado, em 11 de março, a Covid-19 como pandemia.
Além desses gastos, desde março a Secom contratou outros R$ 8,4 milhões para a campanha “Brasil no Exterior”. De acordo com material do próprio governo, a campanha é para “combater a percepção do país no exterior, face a alguns temas negativos que estão sendo veiculados e repercutidos internacionalmente”, sobretudo as “notícias negativas em relação ao governo e à conduta do Presidente”. Do total, R$ 6,3 milhões foram contratados após a OMS já ter declarado pandemia do novo coronavírus. A maior parte desses gastos foi acertada após o Brasil já ter registrado mortes por Covid-19.
Ao todo, as duas campanhas levaram a R$ 10,3 milhões de contratos atestados após a OMS ter declarado a pandemia da Covid-19, quando o Brasil já tinha centenas de casos registrados da doença.
Gastos com campanha que diz que “país está no rumo certo” explodem em 2020
Desde o início do governo Bolsonaro, a Secom já registrou mais de R$ 304 milhões em contratos de publicidade, comunicação digital, eventos e campanhas em rádio e TV, além de atividades de assessoria e relações públicas no exterior. Esse valor foi repassado a 11 agências de comunicação, que promoveram ações publicitárias e compraram anúncios em veículos brasileiros e estrangeiros, além de campanhas em redes sociais.
Somente no período da pandemia do novo coronavírus, a Secom fechou mais de R$ 18,2 milhões em contratos para diversas ações. A maior parte deles foi justamente para as duas campanhas de promoção favorável da imagem do governo: a “Agenda Positiva” e a “Brasil no Exterior”.
A Secom já gastava recursos públicos para divulgar campanhas de “resultados positivos” do governo Bolsonaro desde janeiro de 2019, mas foi a partir de 2020 – quando o orçamento passou a ser definido em conjunto com a gestão atual – que os gastos dessa ação explodiram: de janeiro a maio deste ano, foram mais de R$ 14 milhões acertados em contratos para a “Agenda Positiva”.
A maior parte dos gastos da campanha foi para uma estratégia de descentralização anunciada pela Secom em dezembro de 2019, quando o secretário Fábio Wajngarten afirmou que a “Agenda Positiva” seria veiculada em todos os estados brasileiros “para ecoar o que há de bom no governo para o Brasil”. De acordo com a estratégia, a campanha divulga impactos positivos do governo em áreas como economia, segurança, infraestrutura e social.
Segundo documentos da Secom, a campanha busca “reforçar o entendimento de que o país está no rumo certo”.
A “Agenda Positiva” é um dos temas no qual a Secom mais gastou dinheiro no governo Bolsonaro. A campanha mais cara foi sobre a reforma da Previdência, que já registra mais de R$ 70 milhões atestados pela Secom.
Queimadas na Amazônia levam a campanha milionária para melhorar imagem de Bolsonaro
A campanha “Brasil no Exterior” começou a ser gestada ainda em 2019, como resposta à repercussão negativa do governo Bolsonaro na imprensa internacional, sobretudo a partir das queimadas na Floresta Amazônica.
Segundo material interno a que a Pública teve acesso, em setembro, o governo avaliava que o país tinha a “imagem de marca prejudicada no exterior”, em especial nos países da União Europeia, importantes compradores de produtos agrícolas brasileiros. Em agosto, o presidente Emmanuel Macron, da França, criticou duramente a condução do governo brasileiro durante os incêndios na Amazônia e se opôs a acordos comerciais com o Mercosul.
No material, o governo federal avaliava que “uma série de notícias negativas em relação ao governo e à conduta do Presidente” eram “prioridades dos veículos” e que era preciso construir um “conceito guarda-chuva” com temas positivos da “marca Brasil” para “neutralizar os temas negativos”. O foco eram países da União Europeia, Estados Unidos, China, Japão e, na América do Sul, Argentina e Chile. A estratégia incluía também o mapeamento de conteúdos nas redes sociais sobre as notícias do Brasil no exterior. A campanha teria sido aprovada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e entidades do setor agropecuário.
Segundo a Pública apurou, além de gastos com produtoras de vídeo e publicidade em veículos estrangeiros, a campanha custou R$ 3,1 milhões com ações em redes sociais: a maior parte no Twitter, com cerca de R$ 2 milhões gastos. Somente no período da pandemia da Covid-19, a Secom fechou mais de R$ 1,6 milhão em contratos para ações nas redes sociais para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior.
Os incêndios na Amazônia geraram outra campanha bancada pela Secom, anunciada no Dia da Amazônia, 5 de setembro, mas que seguiu fechando contratos recentes até o mês de abril. Segundo o governo, a campanha serve para reafirmar “soberania do Brasil em relação ao território” e “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”.
De acordo com a apuração, ações relacionadas ao Dia da Amazônia já custaram R$ 3,1 milhões em contratos com agências de publicidade. Mais de R$ 523 mil foram gastos em ações nas redes sociais, a maior parte no Twitter.
Secom fechou mais de R$ 18 milhões para ações nas redes sociais
Desde o início do governo Bolsonaro, a Secom já fechou R$ 18,9 milhões em contratos com agências para ações nas redes sociais. A verba foi usada tanto para criação de peças quanto para patrocínio de conteúdos nessas redes. A grande maioria desse dinheiro público foi para ações no Google – que incluem anúncios no YouTube –, seguidos pelo Twitter, Facebook e LinkedIn.
Segundo os dados analisados pela Pública, R$ 16,8 milhões do total acertado com as agências foram parar nas próprias redes, por exemplo, por impulsionamento de postagens ou pagamentos no sistema de anúncios do Google. Mais de R$ 7 milhões desse valor foi para o Google, seguido pelo Twitter, Facebook e LinkedIn.
A principal campanha a gastar dinheiro público da Secom diretamente nas redes foi a reforma da Previdência, com R$ 9,9 milhões indo parar no Google, Facebook, Twitter e LinkedIn. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a campanha sobre a reforma utilizou o sistema de anúncios do Google para direcionar dinheiro público a sites de fake news, jogo do bicho e um canal do YouTube que promove o presidente Bolsonaro.
De acordo com reportagem de O Globo, um relatório da CPMI das Fake News apontou que mais de 2 milhões de anúncios pagos com verba da Secom foram destinados a sites, aplicativos e canais de YouTube que veiculam conteúdo falso, oferecem investimentos ilegais ou têm conteúdo pornográfico.
Após a reforma da Previdência, a segunda campanha que mais envolveu dinheiro público em ações nas redes sociais foi justamente a “Brasil no Exterior”, que teve a maior parte dos gastos em março deste ano, durante a pandemia. Cerca de R$ 2,6 milhões foram parar nas redes sociais, a maior parte no Twitter.
Além disso, segundo a Pública apurou, o governo já acertou mais de R$ 83 mil em divulgação da própria Secom nas redes, a maior parte no Twitter.
De acordo com os dados, durante o governo Bolsonaro, a Secom gastou também R$ 919 mil em estratégias para redes sociais e mais de R$ 1,7 milhão em monitoramento de redes. Todos os valores foram acertados com agências de comunicação.
Procurada, a Secom não respondeu aos questionamentos até a publicação.