“Tive a oportunidade de dizer à presidente que considero incompatível a participação do presidente do Congresso nessas conversas para definição de participação do PMDB no governo.”
Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Congresso, em entrevista ao jornal O Globo, na terça-feira (22)
Embora Renan Calheiros (PMDB-AL) disse achar incompatível o presidente do Congresso indicar nomes para a reforma ministerial do governo, sua postura não foi a mesma depois da reeleição de Dilma Rousseff no ano passado. Na época, ele se encontrou com a presidente para negociar cargos para o PMDB.
Essas reuniões foram registradas pela imprensa. Nota publicada em 11 de dezembro de 2014 pelo colunista Lauro Jardim, na seção Radar, da Veja, informa que Renan e Dilma haviam se encontrado na noite anterior para acertar os cargos do PMDB no Senado no ministério. Na ocasião, teriam sido discutidos os nomes para as pastas de Minas e Energia e da Integração Nacional.
Um encontro entre Dilma e Renan também é citado em uma reportagem do Estadão, de 12 de dezembro. O texto afirma que “em conversa privada no início da noite”, Renan defendeu que a bancada do PMDB no Senado fosse “contemplada com dois ministérios de peso político, sem apresentar nomes”. Entre os ministérios disputados pelo partido estariam os de Minas e Energia, das Cidades, da Integração Nacional, dos Transportes e do Turismo.
Uma reportagem anterior, de 8 de dezembro, da Folha, menciona também o presidente do Congresso como líder da articulação para negociar uma cota de ministérios para o PMDB. A matéria diz o seguinte: “O PMDB do Senado, tendo Renan Calheiros (AL) à frente, tenta emplacar o senador Eduardo Braga (AM) no Ministério de Minas e Energia ou Secretaria de Portos. O presidente do Senado quer manter sob comando o Ministério do Turismo, hoje ocupado por um apadrinhado seu, Vinicius Lage.”
Lage foi, de fato, mantido no cargo por Dilma até abril deste ano. Ele havia assumido a pasta em março de 2014 e ficou à sua frente durante a Copa do Mundo. Aliado de Renan Calheiros, ele saiu do ministério para dar lugar a Henrique Alves (PMDB-RN), ex-presidente da Câmara e ligado a Eduardo Cunha. No mesmo dia da sua exoneração, em 16 de abril deste ano, Lage foi nomeado chefe de gabinete da presidência do Senado e passou a trabalhar diretamente com Renan.
“Toda a bancada é próxima a mim, mas não terei qualquer participação em indicações para ministérios.”
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, na quarta-feira (23)
Embora não se tenha notícia da participação direta de Cunha na reforma ministerial, alguns dos nomes indicados pela bancada do PMDB na Câmara são aliados incontestes do presidente da Casa. Conhecido pela discrição em público, aliada à alta habilidade de mobilização de parlamentares, não é difícil supor que as decisões dos colegas de legenda tenham, nos bastidores, a influência direta de Cunha.
Manoel Júnior (PMDB-PB), aliado declarado do presidente da Câmara, concorre ao Ministério da Saúde, que, segundo se especula, pode ser entregue ao PMDB. Já no início do ano, Henrique Alves foi contemplado com a pasta do Turismo após perder a disputa pelo governo do Rio Grande do Norte. Como presidente da Câmara entre 2013 e 2014, o velho amigo de Cunha pautou o plenário da Casa durante a rebelião na base governista que impôs derrotas ao Planalto no ano passado – liderada justamente por Cunha.
Acontece que ele não é o único peemedebista a declarar afastamento dos bastidores das mudanças na Esplanada. O vice-presidente da República, Michel Temer, que até há pouco tempo era um dos articuladores do governo com o Congresso, foi outro a negar publicamente intervenção nos nomes indicados à presidente Dilma Rousseff. O presidente do Senado, Renan Calheiros, é outro cacique que se diz de fora das articulações.
Mais do que uma conduta individual de Cunha, portanto, a postura do presidente da Câmara é reflexo da identidade e do modus operandi do PMDB, e da forma com que a sigla lida com a atual crise política – que envolve inclusive risco de impeachment de Dilma. Na tentativa de agradar a todos os peemedebistas, a presidente adiou para a próxima semana o anúncio dos novos ministros.
“Sempre houve essa competição, esse conflito entre as várias alas do PMDB, que nunca foi um partido muito unido”, comenta David Fleischer, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB). Em um momento de reprovação da opinião pública ao governo e de possibilidade de abertura de um processo de impeachment, continua Fleischer, não se poderia esperar outra postura do partido senão “jogar com os dois lados”: a cautela pública enquanto negocia nos bastidores.
Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Rui Tavares Maluf vê pouco a ganhar em manifestações de apoio ou confissões sobre as articulações com o governo. “O desgaste perante a maior parte da opinião pública é considerável. O presidente da Câmara teria muito mais a perder do que a ganhar, então esse distanciamento no discurso faz sentido no momento.”
As declarações dos caciques peemedebistas também são classificadas como retóricas por João Paulo Peixoto, cientista político e professor da UnB. “Elas fazem parte do jogo de pressões políticas, onde o objetivo do PMDB é aumentar o número de ministérios sob o seu comando”, diz. Ele lamenta a manobra. “Mais uma vez vemos uma reforma que não vai atacar os problemas estruturais do Estado, mas se resumir a uma troca de apoio por cargos, prática imposta pelo modelo político.”
Peixoto ressalta, entretanto, que dada a complexidade do momento, um entendimento mais preciso e prudente da situação só poderá ser feito na próxima semana, caso o novo prazo para a reforma ministerial se confirme. “Temos de esperar pra ver os nomes que serão agraciados e, sobretudo, as reações em torno deles”, afirma.
“Dizem que [a proposta] é inconstitucional porque fere a separação dos poderes, pois a demarcação [de terras indígenas] caberia ao Executivo. Sabe o que está escrito na Constituição? Que cabe ao Legislativo delimitar os bens da União. E o que são bens da União? As reservas indígenas.”
Osmar Serraglio (PMDB-PR), deputado federal, na quarta-feira (23)
Apesar da longa argumentação apresentada pelo deputado no parecer favorável à Proposta de Emenda à Constituição 215/2000 (PEC 215), que pretende incluir o Congresso no processo de reconhecimento de terras indígenas, o artigo 231 da Constituição diz literalmente que são reconhecidos aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las”.
Um grande número de juristas já se posiciona, há anos, pela inconstitucionalidade da matéria, que mesmo assim continua a encontrar defensores na Câmara dos Deputados. Para os especialistas, à luz da Constituição, a PEC 215 afronta não só direitos fundamentais dos índios garantidos na Carta Magna como a separação entre os poderes Legislativo e Executivo impostos pelo texto de 1988.
“Eu diria que a PEC 215 tem algumas inconstitucionalidades, das quais a que mais chama a atenção é a afronta à divisão de poderes”, analisa Carlos Frederico Marés, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “A demarcação é tarefa da União, segundo definido pelos próprios legisladores na Constituição.”
Assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski explica que, de acordo com o artigo 20 da Carta Magna, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se caracterizam como bens da União, cabendo ao poder Executivo apenas o trabalho técnico de demarcá-las. Não caberia análise política sobre os territórios, mas somente trabalho técnico. “Como diz o professor e jurista Dalmo Dallari, as terras já são dos índios desde a Constituição Federal de 1988 – o que falta é somente traçar os limites”, diz.
Robustos estudos técnicos já refutaram a constitucionalidade da PEC 215, que defende a inclusão do Congresso no processo de definição dos limites dos territórios indígenas. O material produzido pelo Instituto Socioambiental, além de argumentação jurídica contrária à matéria, também mostra que 288 processos demarcatórios podem ser paralisados em caso de aprovação da PEC.
Produzida pela Associação Nacional dos Procuradores da República ainda em 2013, outra análise também vislumbra “consequências nefastas” na migração de foro, que sujeitaria os procedimentos ao crivo político dos congressistas. Também conclusivo pela inconstitucionalidade da PEC 215, o texto chama a atenção para a “refutação peremptória dos direitos indígenas originários sobre as terras tradicionais por influentes bancadas”, entre elas a ruralista, o que “ameaçaria a imparcialidade na análise da matéria pelo Congresso”.
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, dedicada à temática das populações indígenas e comunidades tradicionais, também emitiu nota técnica contrária à PEC 215, uma vez que ela violaria “o núcleo essencial de diversos direitos fundamentais” previstos na Constituição, ao substituir uma decisão técnica por outra política, subordinada “às vontades, interesses e preferências das maiorias legislativas de ocasião”.
Outra análise jurídica, do Ministério da Justiça – responsável por parte da tramitação dos processos demarcatórios e ao qual está vinculada a Fundação Nacional do Índio (Funai), que elabora os estudos técnicos que definem, entre outras coisas, os limites dos territórios indígenas –, utiliza argumentação de ministros do Supremo Tribunal Federal em casos anteriores para defender a natureza jurídica do ato demarcatório, e não política, o que o torna obrigação exclusiva do poder Executivo.
“O Supremo Tribunal Federal usurpou competência constitucional ao inovar [sobre esse tema], ao arrepio da letra da Constituição da República, que prevê justamente que família é constituída por homem e mulher.”
Evandro Gussi (PV-SP), deputado federal, na quinta-feira (24)
Embora alguns parlamentares como Evandro Gussi (PV-SP) afirmem que o Supremo Tribunal Federal (STF) legislou no lugar da Câmara ao emitir decisões sobre o conceito de família previsto na Constituição, os ministros apenas deram a sua interpretação da lei ao julgarem processos sobre esse tema.
A polêmica concentra-se no artigo 226 da Constituição, que diz o seguinte: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. No parágrafo 3º, o texto afirma que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”. A interpretação dos ministros do STF quando julgaram o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132-RJ, em 2011, foi de que a definição de entidade familiar apenas pela união estável entre homem e mulher contrariava o inciso IV do artigo 3º da Constituição. Nele, está escrito que o objetivo fundamental da República é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Em seu voto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou que a Constituição proíbe expressamente o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre homem e mulher. Segundo o ministro, isso se estende também para a liberdade sexual. “Essa liberdade para dispor da própria sexualidade insere-se no rol dos direitos fundamentais do indivíduo”, escreveu. Sobre o artigo 226, Britto explicou que o termo “família” é usado pela Constituição “em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heterossexuais ou por pessoas assumidamente homoafetivas”.
O voto do ministro Ayres Britto foi acompanhado pelo dos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello, Cezar Peluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie. Por ter atuado em uma das ações que pediram o reconhecimento da união estável entre casais homossexuais e que originaram o julgamento da ação no STF, o ministro Dias Toffoli não participou da decisão.
De olho
Orçamento em risco
Senadores e deputados preparam-se para votar duas matérias que podem interferir diretamente na saúde financeira do país. Finalmente, a saga sobre a derrubada ou manutenção dos vetos presidenciais será encerrada. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou sessão conjunta das Casas legislativas para quarta-feira (30), às 11h30.
Na madrugada de quarta-feira (23), os parlamentares mantiveram 26 dos 32 vetos da presidente Dilma Rousseff, o que foi interpretado como um fortalecimento da base governista dentro do Congresso, à custa de muita negociação. Agora, eles deverão mostrar fidelidade novamente se quiserem cumprir com os ajustes fiscais propostos pela equipe econômica do Palácio do Planalto. Os vetos mais prejudiciais para os cofres públicos foram adiados para essa sessão, em que serão apreciados o reajuste salarial de até 75,56% aos servidores do Judiciário e o aumento de aposentadorias pelo mesmo índice de correção do salário mínimo.
Polêmicas protagonizadas pelo Congresso Nacional na próxima semana não devem ter como palco os plenários das Casas legislativas, mas sim as tribunas das comissões. Na quinta-feira (24), a comissão especial do Estatuto da Família aprovou projeto de lei que define família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher.
A matéria, que tramita em caráter conclusivo, será encerrada após apreciação de quatro destaques na próxima reunião do colegiado. Aprovados, o projeto seguirá diretamente para o Senado. Contudo, espera-se que cinco deputados do PT, PSOL, PTN e PC do B, que se manifestaram contra a definição, entrem com recurso para que a matéria seja analisada pelo plenário da Câmara.
Também deverá ser votada, em comissão especial, proposta que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento. Reunião que define a possível aprovação do relatório, que prevê redução de 25 para 21 anos a idade mínima para compras de armas, foi adiada para a próxima semana.
Além disso, o projeto também autoriza o porte de armas para deputados e senadores, advogados, professores, motoristas de caminhão e outras categorias profissionais. Também reduz as penas previstas para o porte ilegal. A lei atual prevê de 2 a 4 anos de detenção. Já a proposta em debate fala de 1 a 3 anos. Aprovada, a matéria seguirá para o plenário da Câmara e, depois, para o Senado.