“O governo veio aqui, flexibilizou a meta fiscal, e agora pode gastar R$ 170 bilhões a mais do que os recursos arrecadados, sem dizer como será feito esse gasto.” – Érika Kokay (PT-DF), em discurso na Câmara no dia 22 de junho
A deputada Érika Kokay (PT-DF) tem razão ao dizer que o governo federal estima fechar o ano no vermelho em R$ 170,5 bilhões. Mas o rombo não é responsabilidade somente de Michel Temer (PMDB), a quem a parlamentar criticava da tribuna. Somente nos cinco primeiros meses do ano, o déficit primário registrado foi de R$23,77 bilhões – o peemedebista assumiu em 12 de maio. E, além disso, apesar de ter sido revista sob uma névoa de incertezas, os componentes que levaram à alteração da nova meta fiscal já são hoje quase que totalmente conhecidos. O Truco no Congresso – projeto de fact-checking da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – analisou a frase da parlamentar e concluiu que a afirmação é falsa.
Para começar, boa parte da composição do déficit se refere a gastos já previstos pela equipe de Dilma Rousseff (PT). Tanto é que, ainda em março, o governo da petista encaminhou ao Congresso proposta de revisão da meta fiscal, o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 1 de 2016. Dos R$ 24 bilhões de superávit previstos na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2016, foi pedida uma diminuição para R$ 2,8 bilhões.
Além disso, para se chegar ao número menor, seria concedido um “perdão” antecipado para frustrações de receitas (R$ 82 bilhões), investimentos no PAC (R$ 12,5 bilhões), na área de saúde (R$ 3 bilhões) e fomento a exportações (R$1,95 bilhões). Se incluídos estes itens, que somam R$ 99,4 bilhões, o rombo real para 2016 seria de R$ 96,7 bilhões, conforme solicitado por Dilma em março.
O PLN 1/2016 pedia ainda que não fosse computado, para o atingimento da meta, o valor que seria gasto, naquele momento desconhecido, com a renegociação das dívidas dos estados com a União e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Todas essas exceções ao cálculo da meta fiscal, somadas aos cortes de R$ 44,6 bilhões no orçamento que o governo já fizera em 2016, permitiriam chegar ao superávit desejado, de R$ 2,8 bilhões.
Um relatório publicado em maio pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF), do Ministério do Planejamento, entretanto, previu que o governo fecharia o ano com um rombo de R$ 113,9 bilhões. Ou seja, somente com o contingenciamento de mais R$ 137,8 bilhões atingiria a meta fiscal original. Tais contingenciamentos seriam impossíveis de realizar, pois exigiriam o corte de despesas obrigatórias.
Detalhe importante é que o relatório da Secretaria de Orçamento Federal foi feito já sob a influência da equipe de Temer e, por isso, considerou um cenário econômico mais pessimista até o fim do ano. Além de um ligeiro aumento dos gastos, foram excluídas as previsões de receitas com repatriação de recursos do exterior e com a eventual recriação da CPMF (o “imposto do cheque”), entre outras.
Quando finalmente o governo federal conseguiu mexer na Lei de Diretrizes Orçamentártias, com a devida autorização do Congresso e já na gestão Temer, a meta de superávit de R$ 24 bilhões foi reduzida para um déficit de R$ 170,5 bilhões. Para chegar ao valor, o governo assumiu o rombo previsto pela Secretaria de Orçamento Federal de R$ 113,9 bilhões; que gastaria os R$ 15,5 bilhões previstos no PLN 1/2016, ainda pelo governo Dilma, para o PAC e a área da saúde; e reverteu um corte de R$ 21,2 bilhões no orçamento, determinado pela gestão petista em março. Foram incluídos ainda R$ 19,9 bilhões para a renegociação da dívidas dos estados e “outros passivos”, totalizando os R$ 170,5 bilhões.
Procurada, a assessoria da parlamentar disse que as informações foram extraídas de uma análise técnica feita pela equipe da liderança do PT, na qual a forma que o PLN 1/2016 foi aprovado é considerada como um “cheque em branco” ao presidente interino.
Nada do dos R$ 170,5 bilhões, de fato, consta da alteração do PLN 1/2016 feita pelo governo Temer, que fala de alguns pontos em linhas mais gerais. A proposta somente pedia autorização para atingir o déficit maior, sem mencionar, de fato, como ele seria gasto.
Teria razão a deputada Érika Kokay quando critica a alteração da meta fiscal se o fizesse no momento da tramitação do projeto. Passado mais de um mês da sua aprovação, em 25 de maio, entretanto, já surgiram informações suficientes sobre os gastos. Além disso, ao contrário do que disse a deputada, o governo Temer não vai “gastar R$ 170 bilhões a mais do que os recursos arrecadados”, uma vez que parte dos gastos já estava feita ou programada quando ele assumiu.