“Esse comportamento que eles vão tentando fazer como natural, como piada, como brincadeirinha? O machismo vira piada e o racismo também vira piada”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) após deputadas de nove partidos terem acionado o Conselho de Ética do Senado contra o senador Plínio Valério (PSDB-AM). O parlamentar disse ter sido obrigado a “tolerar Marina Silva por seis horas e dez minutos sem enforcá-la”, durante evento no Amazonas na sexta-feira (14). “É de um grau de violência que nós não podemos aceitar”, resumiu Feghali.
As deputadas argumentam que a fala ultrapassa os limites da imunidade parlamentar e configura violência política de gênero. “O uso do termo ‘enforcá-la’ direcionado a uma mulher em um contexto de discordância política carrega uma carga simbólica extremamente grave, pois remete à supressão da voz feminina pelo uso da força, à tentativa de desqualificar e intimidar uma liderança política pelo simples fato de ser mulher”, diz a denúncia.
A representação defende que a fala do senador feriria o decoro parlamentar e os princípios éticos do Congresso Nacional. O documento cita a Lei nº 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir e combater a violência política contra a mulher, e afirma que a declaração reforça um discurso de incitação à violência, o que configuraria crime.
“Uma fala irresponsável, violenta e desnecessária. […] Demonstra o total desrespeito para com as mulheres que ocupam espaços políticos em nosso país”, pontuou a deputada Ana Paula (Podemos-CE) à Agência Pública. “Precisamos avançar, e muito, [para] desconstruir o cenário machista e a ideia de que os espaços de decisão não são para as mulheres.”
A representação foi assinada também pelas deputadas Benedita da Silva (PT-RJ), Duda Salabert (PDT-MG), Gisela Simona (União Brasil-MT), Laura Carneiro (PSD-RJ), Maria Arraes (Solidariedade-PE), Tabata Amaral (PSB-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) e pelo deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE).
O Conselho de Ética do Senado, sob a presidência de Jayme Campos (União-MT), analisará a denúncia e decidirá se abre ou não um processo disciplinar. Caso a acusação seja aceita, Plínio Valério poderá enfrentar sanções que variam de advertência à cassação do mandato.
Discurso de Marina citado por Plínio Valério foi em CPI de 2023
Plínio Valério participava de um evento da Fecomércio no Amazonas quando mencionou o discurso da ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, na CPI das ONGs, em novembro de 2023.
“A Marina esteve na CPI das ONGs por seis horas e dez minutos. Imagine o que é tolerar Marina Silva por seis horas e dez minutos sem enforcá-la. A minha mulher, que está ali, a Ana, mandava mensagens o tempo todo, né? Instigando, jogando gasolina. E, no final, ela me disse: ‘Se você tivesse dez por cento da paciência que teve com a Marina, a gente nunca brigaria’”, declarou o senador.
Na quarta-feira (19), Plínio Valério minimizou a situação e disse que sua declaração foi feita em tom de “brincadeira”. “Um ano se passou e eu fui receber uma medalha e na brincadeira, em torno de brincadeira, eu falei: ‘Imagina vocês o que é ficar com a Marina seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la?’. Todo mundo riu, eu ri, brinquei”, justificou, durante discurso no Senado, em que disse não se arrepender da declaração.
Procurado pela Pública, Plínio Valério afirmou que a questão vem sendo “explorada politicamente” e que usou “termos fortes, mas que correspondem ao sentimento da população local”. “Talvez, como senador da República, não devesse fazer isso, menos pela real intenção, que é zero, e mais pela possibilidade de interpretações descabidas, que realmente aconteceram”, declarou.
Valério disse rejeitar acusações de que seria misógino e machista. “Minha vida pessoal e minha trajetória política desmentem esses adjetivos”, e finalizou: “Peço desculpas, de forma sincera, a todos que se sentiram ofendidos pela minha infeliz colocação”, sem se dirigir diretamente à ministra e sem comentar o conteúdo da denúncia na Comissão de Ética.
Até o momento, a ministra Marina Silva não comentou o conteúdo da denúncia das deputadas. Nesta quarta-feira (19), em entrevista ao programa Bom dia, ministra, do CanalGov, afirmou que dificilmente seria alvo desse tipo de comentário caso fosse homem.
“Quem brinca com a vida dos outros, faz ameaça aos outros de brincadeira e rindo, só os psicopatas são capazes de fazer isso. […] É dito porque é com uma mulher, uma mulher preta, de origem humilde e uma mulher que tem uma agenda que, em muitos momentos, confronta os interesses de alguns que, no meu entendimento, deveria ficar apenas no espaço da divergência política”, afirmou Marina em dois trechos da entrevista.