Com valor fixado em uma resolução da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de 2021, empresas que exploram satélites como os da empresa Starlink, do bilionário Elon Musk, precisam pagar apenas R$ 102 mil à agência em troca da obtenção da licença para operação dos equipamentos sobre todo o território nacional.
Esse foi o valor pago à Anatel pela Starlink em fevereiro de 2022 para ter o direito de operar seus 4,4 mil satélites sobre o Brasil até 2027, conforme documentos obtidos pela Agência Pública. Eles fornecem acesso à internet. Em 2022, a empresa pagou mais R$ 102 mil para operar outras faixas até 2033.
A Starlink é controlada por outra empresa de Musk, a SpaceX, cujo valor de mercado é estimado em US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1,13 trilhão na cotação atual). Segundo a revista inForbes, em 2022 a Starlink registrou uma receita de US$ 1,4 bilhão (R$ 7,9 bilhões).
Desde a criação da Anatel, em 1997, além da Starlink outras 13 empresas pagaram pelo direito de exploração dos satélites do tipo “não geoestacionários” – equipamentos na órbita da Terra com velocidade de rotação diferente da do planeta.
O valor de R$ 102.677 está previsto no Regulamento Geral de Exploração de Satélites, aprovado por resolução da Anatel (nº 748) de outubro de 2021. Esse valor só é cobrado quando a Anatel não exige um processo licitatório para expedir o direito de exploração. Também foi o caso da Starlink, que teve o respaldo da própria Anatel.
Uma análise da agência reguladora anexada ao processo aberto pela Starlink no órgão considerou a licitação “desnecessária” porque a disputa seria “inexigível”.
“No caso do sistema não geoestacionário Starlink, a disputa é desnecessária, uma vez que é possível se conferir direito de exploração de satélite estrangeiro e autorização de uso de radiofrequências associadas a todos os interessados que atendam aos requisitos da legislação pertinente. Trata-se, portanto, de licitação inexigível”, diz uma análise assinada em 2021 pelo conselheiro da Anatel Vicente Bandeira de Aquino Neto. A posição do conselheiro foi aprovada no início de 2022 pelo conselho diretor da Anatel.
Ex-diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da Agência Espacial Brasileira (AEB) e ex-coordenador de Gestão Científica e Tecnológica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o tecnologista sênior Petrônio Noronha de Souza concordou que a Anatel poderia dispensar a licitação, uma vez que, tecnicamente, há espaço para outras licenças a empresas que operam com satélites de comunicação não geoestacionários. Ele falou sobre o assunto em tese, sem conhecer detalhes do processo aberto pela Starlink na agência.
Noronha reconheceu que o valor de R$ 102 mil é “ínfimo” perto das condições financeiras de empresas que exploram satélites, mas a redução do valor foi uma opção adotada pelo Brasil na década de 2010. Antes, a avaliação era que cobranças altas pelo direito de exploração seriam repassadas aos usuários, o que seria “contraproducente”.
Além do valor relativo ao direito de exploração, a Starlink também pagou R$ 26 mil à Anatel como taxa de fiscalização de instalação de uma estação terrestre, valor também previsto na resolução 748, de outubro de 2021, que aprovou o Regulamento Geral de Exploração de Satélites, durante o governo de Jair Bolsonaro. O mesmo valor, segundo o processo na Anatel, também é citado em resolução de 2018, no governo de Michel Temer.
O processo que resultou na autorização de operação da Starlink no Brasil foi aberto na Anatel em 2021 pela Space Exploration Holdings, sediada em Delaware (EUA), para cobrir “o território brasileiro, utilizando subfaixas de radiofrequências das denominadas bandas Ku, Ku planejada (AP30B e AP30-30A) e Ka, pelo prazo até 28/03/2033”.
Sem explicações
Há 28 dias a Pública solicitou à Anatel explicações sobre a fixação, cálculo e reajuste do valor estipulado à Starlink, mas não houve resposta até o momento.
Procurados, os advogados da Starlink no Brasil afirmaram por e-mail: “TozziniFreire Advogados não comenta casos ou processos em andamento e que possam envolver clientes ou contrapartes”.
O representante da Starlink que aparece no processo da Anatel como responsável pela empresa no Brasil, Vitor James Urner, respondeu por e-mail à Pública a respeito do valor pago pelo direito de exploração: “Não tenho estas informações”.
Indagado sobre o uso das antenas da Starlink na Amazônia, Urner respondeu: “Sou apenas o representante legal para a abertura da empresa no Brasil e não tenho nenhum envolvimento com a operação e nem conheço os planos da empresa aqui. Não existe ainda uma estrutura e operação local e não estou autorizado a falar pela empresa nem indicar contatos. As vendas e informações podem ser obtidas pelo site [da Starlink]”.