“Colocar decisões do Ibama sobre licenças ambientais no âmbito de câmaras de conciliação da Advocacia Geral da União (AGU) não faz qualquer sentido. No meu ponto de vista é inaceitável.” Essa declaração indignada é de Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, em resposta ao parecer da AGU de hoje sobre a decisão do Ibama de negar um pedido da Petrobras de prospecção de petróleo na Foz do Amazonas.
O posicionamento da AGU, divulgado na tarde desta terça-feira (22), foi interpretado como um sinal verde para que a atividade seja realizada e também como uma derrota política para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A AGU se manifestou a partir de um pedido feito pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de esclarecimento sobre a decisão do Ibama, em maio.
Em seu despacho, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho justificou o indeferimento “em função do conjunto de inconsistências técnicas” no processo. “Não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projeto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”, argumentou.
A Petrobras queria perfurar um poço no chamado bloco 59, em águas profundas, ainda neste ano para prospectar a presença de petróleo. A equipe técnica do Ibama argumentou que não apenas faltavam elementos nos estudos apresentados pela empresa para entender os riscos em jogo, como seria necessário realizar uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) na bacia – algo que nunca foi feito. Segundo o Ibama, isso permitiria identificar áreas onde não é possível extrair e produzir petróleo e gás por conta de riscos ambientais.
Foi sobre esta menção à AAAS que o MME pediu um posicionamento da AGU. A Advocacia avaliou que a AAAS não é indispensável e não poderia impedir o licenciamento ambiental para exploração e produção de petróleo e gás natural no país.
Segundo a argumentação da AGU, o Ibama estaria exigindo “por vias transversas a realização da AAAS”. A AGU chega a dizer que o Ibama está “fazendo uma exigência ‘fática’”. Em outras palavras, a advocacia entendeu que o Ibama estaria sim condicionando a licença à AAAS.
Além de avaliar que a AAAS não é obrigatória, a AGU encaminhou Ibama e Ministério de Minas e Energia para acertarem suas divergências em uma conciliação: isto, na Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), subordinada à Consultoria-Geral da União (CGU). Segundo a AGU, o objetivo é buscar a “resolução consensual dos demais pontos divergentes relativos ao caso, incluindo os levantados pelo Ibama na negativa do licenciamento sobre os impactos de sobrevoos para as comunidades indígenas e o plano de proteção à fauna”. A conciliação é um processo administrativo, e que poderia gerar um Termo de Conciliação.
Araújo, que quando estava à frente do Ibama também negou um pedido de exploração na mesma região, questiona a análise da AGU. Ela lembra que já era sabido que a AAAS não é uma obrigação legal, visto que o STF já havia dito isso. “Mas o Ibama não recomendou a AAAS por ela ser obrigatória; mas sim porque é um elemento técnico importante para as decisões na região. Porque sem ela não há elementos suficientes para decidir bloco a bloco. É preciso ter uma visão regionalizada. É isso que o Agostinho disse: que é tecnicamente importante. Ele não disse que estava negando a licença porque não tinha avaliação, nem disse que a avaliação é uma obrigação legal”, frisou a ambientalista.
Para ela, porém, o pior do parecer da AGU é considerar que o licenciamento ambiental é um espaço de conciliação de interesses ou de acordos políticos. “Estão transformando essa arena, usando argumentos jurídicos para impor uma decisão política. Licenciamento ambiental não é arena para conciliação de interesses, para conciliação de brigas entre ministérios. É um processo de análise técnica do Ibama, isso tem que ser respeitado. Não pode esvaziar o licenciamento e colocar decisões sobre licenças no âmbito de câmaras de conciliação da AGU. Não compete conciliar interesses. Imagina se a moda pega?”
Questionada sobre se essa decisão da AGU se sobrepõe à do Ibama, Araújo lembrou que o órgão é soberano em relação ao licenciamento. “A autoridade para emitir ou não licenças ambientais no plano federal, naqueles licenciamentos que competem ao Ibama, segundo a Lei Complementar 140, é o Agostinho. Não cabe recurso para ministro do Meio Ambiente, muito menos para a AGU. Não cabe recurso nem para o presidente da República. Então a autoridade é o Rodrigo Agostinho, isso juridicamente.”
Para ela, “essa história de achar que o licenciamento ambiental pode ser remetido a uma câmara de negociação” é uma politização de algo que deveria ser meramente técnico. “Não há uma divergência jurídica para a AGU conciliar. A questão não é jurídica, o que está pegando é uma decisão técnica, que não está sendo aceita, é isso. Poderia até haver divergências jurídicas, mas elas não existem”, diz.