Pelo menos três prefeitos de cidades paulistas sancionaram, entre fevereiro e abril deste ano, projetos idênticos à lei conhecida como “Anti-Oruam”, que proíbe o poder público de firmar contratos com cantores e artistas que façam “apologia ao crime”. É o que aponta o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), no estudo “Apologia à Censura: o avanço dos PLs Anti-Oruam e a criminalização da cultura negra e periférica”, ao qual à Agência Pública teve acesso com exclusividade.
De acordo com o IDDD, projetos com o mesmo conteúdo viraram lei em Guaratinguetá, Cruzeiro e Ribeirão Preto. Na capital, o PL “Anti-Oruam” foi apresentado pela vereadora paulistana Amanda Vettorazzo (União), coordenadora do Movimento Brasil Livre (MBL), em janeiro deste ano, após o rapper Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, conhecido como Oruam, ter se tornado alvo de ataques por ter se apresentar em um festival de música com uma camiseta em que pedia liberdade para o pai, Marcos dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado como um dos líderes do Comando Vermelho no Rio de Janeiro. O PL paulistano aguarda discussão em plenário.
Desde então, Vettorazzo iniciou uma campanha para que vereadores de todo o país repliquem o projeto dela. Em um site, a parlamentar disponibilizou o texto do PL para download, orientando parlamentares de outros municípios a apresentá-lo.
Pelo país, o mesmo projeto foi inserido nas câmaras municipais de seis capitais: Rio de Janeiro, Florianópolis, Campo Grande, Maceió, Cuiabá e Natal. O deputado federal Kim Kataguiri (União) também apresentou um PL semelhante ao de Vettorazzo na Câmara dos Deputados, em Brasília. A proposta dele está em tramitação.
“O que a campanha em defesa dos PLs ‘Anti-Oruam’ tem revelado é que a decisão de contratar artistas com base na previsão de se eles cometerão ou não os crimes de apologia funcionará como um instrumento de perseguição às culturas representadas pelo funk e pelo rap”, afirma o estudo.
Embora o projeto original use a retórica da “proteção à infância”, o instituto afirma que o “PL não apresenta qualquer definição sobre o que se entende como apologia ao crime ou ao uso de drogas, ao mesmo tempo que dá a entender que sua aprovação é necessária para que tais condutas passem a ser proibidas, o que não é verdade.”
“A lei pouco traz os critérios e mecanismos pelos quais a administração pública irá apurar se houve ou não expressão de apologia ao crime, ou ao uso de drogas durante as apresentações para aplicar a multa. Essa ausência de transparência também contribui para práticas arbitrárias, censura política e cultural”, diz o documento.
O IDDD conclui que o conjunto de ações parlamentares na aprovação de projetos iguais, como nesse caso, é “uma estratégia coordenada que reforça a já existente criminalização da cultura periférica, censura expressões culturais e dá peso a discursos punitivistas sob a aparência de combate à criminalidade.”
Em abril, Vettorazzo lançou uma frente nacional de combate ao crime organizado, em que ela protocolou 15 projetos de leis, incluindo o de “combate à cultura do crime”, que prevê a criminalização de movimentos sociais, o endurecimento das incursões de guardas civis em bailes funk e o próprio PL Anti-Oruam. O evento contou com a presença do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e de parlamentares de todo o país.
Na ocasião, a vereadora justificou que o pacote foi inspirado nas leis de combate ao crime organizado, implementadas pelo presidente de extrema direita, Nayib Bukele, de El Salvador, que já encarceraram quase 2% da população total do país.