Buscar
Nota

Palestrante aponta discriminação em voo da Azul enquanto ia a evento do MP sobre racismo

21 de junho de 2024
14:00

Mãe de santo em Carapicuíba (SP), Odecidarewa Zana Yalorixá foi convidada a palestrar, em Brasília, durante o seminário “Racismo Ambiental na Visão do Ministério Público: Justiça Climática, Direitos Territoriais, Segurança da Água e Direitos Humanos”, realizado na última quinta-feira (13), na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). 

Mãe Zana, como é conhecida, é defensora de direitos dos povos tradicionais de matriz africana e graduanda em gestão de tecnologias de políticas públicas. No final de 2022, seu terreiro de 200 m² em Carapicuíba foi demolido pela prefeitura municipal sob alegação de problemas no solo.

No intervalo do evento, Zana disse aos participantes ter passado por um episódio de racismo na própria viagem ao evento, em um voo da Azul, que partiu de Congonhas, naquela manhã. Ela usava um fio de contas, uma miçanga branca e marrom, de Xangô.

Em entrevista à Agência Pública, Zana relatou: “Na hora de os comissários de bordo começarem a dar aqueles lanchinhos, passou o primeiro carrinho e eles deram o lanche pra todo mundo. Eu abri a minha bandejinha lá, fiquei aguardando, como todo mundo fez. Eles passaram, deram pra todos do avião. Pra mim, não. Como vinha um segundo carrinho, eu falei: ‘Bom, deve ser o segundo’. O segundo também passou, atendeu as pessoas que estavam no avião. Eu também não. Eu achei estranho. E aí o terceiro rapaz passou com o café e a água. E também não me atendeu. Atendeu o pessoal que estava na fileira do lado, tudo”. 

“E aí o rapaz da fileira do lado olhou assim pra mim, falou: ‘Você não vai querer?’. Eu falei que ‘sim, mas eles não me deram’. Aí, ele olhou pra trás e falou: ‘Olha, falta uma aqui’. Aí, o rapaz [comissário] olhou assim, mas também ignorou. Enfim, eu fiquei lá, aguardando, e nada de eles voltarem. Aí eu levantei assim e falei: ‘Moço, você não vai me atender?’. Ele: ‘Ah, espera um pouquinho’.” Segundo ela, só depois da reclamação, o comissário trouxe um suco e um lanche. 

Na hora de recolher o lixo, mais uma vez, Zana foi ignorada, como mostra um vídeo que ela gravou. Ela desceu do avião levando o lixo na mão.

Zana passava por uma grave crise familiar. Seu pai havia falecido uma semana antes. Ela contou que, por isso, a sua percepção imediata sobre o episódio foi afetada. “Foi uma coisa muito rápida. E comumente – eu sou uma defensora dos direitos humanos – jamais iria aceitar uma situação dessa [no avião] sem falar nada. Mas acho que eu estava tão impactada, eu nem sei te dizer o que que o racismo me fez naquele momento. Eu não consegui ter reação nenhuma.”

Na saída do avião, ela disse ter percebido ser a única passageira de pele escura. No saguão do aeroporto, ela procurou um funcionário da Azul na tentativa de formalizar uma denúncia. Segundo Zana, o funcionário disse que isso só poderia ser feito por meio de um aplicativo.

Pouco depois, ela disse que teve uma crise de choro. À noite, não conseguiu dormir. “Eu fiquei tão destruída… Porque eu não sei se a minha indignação é tanto pelo desconforto, pelo constrangimento, de todo mundo me olhando… Mas também ninguém teve uma reação. Se eu não tive, as pessoas também me olhavam e não tiveram. Mas eu fico indignada comigo mesma porque eu não aceito isso. Eu sou uma mulher que, desde os meus 15 anos, sou militante contra esse tipo de coisa, contra o racismo e tudo mais. E quando aconteceu comigo, eu não tive reação. O negócio é muito forte. Ele te destroi, ele te minimiza.” 

No dia seguinte, já em São Paulo, Zana registrou um boletim de ocorrência por “este episódio de racismo, com base na Lei 7.716/89”. Ela recebe o apoio jurídico da Frente Ilé Odé Ibualamo, um coletivo por reparação aos povos tradicionais de matriz africana. 

Procurada pela Pública, a assessoria da companhia aérea disse em nota: “A Azul repudia veementemente todo e qualquer tipo de discriminação, seja por raça, gênero, orientação sexual, religião, ideologia, origem étnica ou diversidade funcional. Destacamos que toda a tripulação é orientada e treinada para combater qualquer ato de discriminação, preservando sempre a integridade e a segurança dos clientes e consequentemente de nossa operação”.

Edição:

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Notas mais recentes

MPF recomenda à Funai que interdite área onde indígenas isolados foram avistados


Reajuste mensal e curso 4x mais caro: brasileiros abandonam sonho de medicina na Argentina


Do G20 à COP29: Líderes admitem trilhões para clima, mas silenciam sobre fósseis


COP29: Reta final tem impasse de US$ 1 trilhão, espera pelo G20 e Brasil como facilitador


Semana tem depoimento de ex-ajudante de Bolsonaro, caso Marielle e novas regras de emendas


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes