A ginecologista e obstetra Helena Paro, criadora do primeiro serviço de aborto legal por telemedicina do país, teve nova palestra cancelada por interferência de deputados conservadores. Na última sexta-feira (15), Paro foi informada por telefone do cancelamento de sua participação no I Encontro do Fórum Aborto Legal de Minas Gerais, segundo ela, por intervenção de “parlamentares bolsonaristas e do PL”. O encontro aconteceria no próximo dia 22, em formato híbrido, na sede da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, com transmissão pela plataforma Zoom.
“Fui comunicada que a chefia maior da Defensoria de Minas Gerais tinha sido procurada por deputados bolsonaristas, do PL, ameaçando uma moção de repúdio à defensoria por causa da palestra. A princípio, eles iriam manter o evento sem minha participação, mas depois toda a programação foi cancelada”, disse Paro. A programação focava na qualificação dos profissionais que trabalham no serviço de aborto legal, previsto em caso de violência sexual, anencefalia do feto e risco de morte da gestante.
Esta é a segunda vez, em menos de um mês, que parlamentares conservadores se articulam para impedir a realização de eventos sobre interrupção legal da gravidez com participação de Helena Paro. No fim de agosto, a Defensoria Pública da União (DPU) cancelou abruptamente um painel da médica, depois que deputados das frentes parlamentares em Defesa da Vida e da Família e Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida enviaram ofício criticando a palestra. Em 28 de agosto, quando o ofício foi enviado, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) apresentou requerimento para aprovar uma moção de repúdio pedindo que a DPU cancelasse o evento.
Na sessão plenária do dia 29, o senador Eduardo Girão (Novo-CE), um ferrenho militante antiaborto, declarou que, com a palestra, a DPU promovia “incitação explícita ao crime e apologia ao aborto”. Como noticiou a Agência Pública, a Associação das Mulheres Defensoras Públicas do Brasil (AMDEFA) chamou o cancelamento da palestra de “censura prévia”.
Em agosto, a mesma Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Família promoveu um seminário, na Câmara dos Deputados, sobre a ADPF 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana gestação, que será julgada a partir do dia 22 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os expositores estavam juristas com fortes conexões políticas, como Ives Gandra e sua filha, Angela Gandra, ex-secretária da Família no governo Bolsonaro.
O atendimento de aborto legal por telemedicina, criado por Helena Paro, é pioneiro. Embora os procedimentos por telemedicina sejam regulamentados no Brasil, desde que lançou a cartilha “Aborto legal via telessaúde”, em 2021, a médica vem sofrendo uma série de ataques coordenados por políticos e agentes de órgãos públicos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Ministério da Saúde.
Por nota, a Defensoria Pública de Minas Gerais informou que a Defensoria Pública-Geral orientou uma “melhor formatação” do evento, “de modo a compatibilizar previamente os diversos contextos que a temática envolve”. O texto informa que o “fórum presencial fica prejudicado conforme formatado para sua realização na data inicialmente agendada (22/9), tendo em vista a exiguidade do tempo para tal reformulação”.
A Defensoria Pública de Minas Gerais também comunicou que “considera de suma importância a discussão sobre as hipóteses legais do aborto no Brasil, na mesma medida em que o interesse institucional também reside no aprofundamento da questão entre todas as instâncias envolvidas, inclusive com a participação mais plural possível de especialistas, qualificando a informação e as orientações necessárias ao completo entendimento da temática”.