As áreas urbanizadas em locais com risco de deslizamento de terra triplicaram no Brasil nas últimas quatro décadas: passaram de 14,4 mil hectares em 1985 para 47,6 mil hectares em 2023, um aumento de 33,2 mil hectares, ou 230%. É como se uma região vulnerável a deslizamentos do tamanho de Belo Horizonte (MG) tivesse sido ocupada nos últimos 38 anos.
Os dados são de um novo levantamento da plataforma MapBiomas sobre o perfil das áreas urbanas brasileiras, publicado nesta sexta-feira, 8. Com base em mapas anuais de cobertura e uso da terra, os pesquisadores analisaram o avanço da urbanização em terrenos de encostas com declividade superior a 30%. O parcelamento de solo nesses locais é proibido pela Lei Federal nº 6.766/1979, mas os resultados da pesquisa mostram que a população tem habitado cada vez mais essas áreas de risco.
Entre 1985 e 2023, a urbanização em terrenos de encostas se expandiu de forma mais acelerada do que nas demais localidades do país. Enquanto as áreas urbanizadas cresceram a uma taxa anual de 2,4%, o aumento nas regiões sujeitas a deslizamento foi de 3,3% ao ano, de acordo com o mapeamento.
As capitais somam um aumento de 3,3 mil hectares. A cidade do Rio de Janeiro (RJ) possui a maior área urbana em encostas, com 2.695 hectares. São 811 hectares a mais do que em 1985. Já São Paulo (SP) tem 1.525 hectares em risco para deslizamento, um aumento de 820 hectares, ou 116%, em 38 anos.
Salvador (BA) teve o mesmo aumento percentual nas áreas urbanas em encostas, com 397 hectares a mais no período. Em Belo Horizonte, o crescimento foi de 65%, de 811 hectares para 1.343 hectares.
“Nesses últimos 38 anos, os governos estaduais e as prefeituras falharam em implementar políticas públicas que pudessem reduzir a ocupação de encostas de morros. A população que ocupa essas áreas não está lá por escolha, e sim por falta de opção, já que as imobiliárias não podem lotear esses terrenos e eles acabam se tornando a única chance de moradia para pessoas com menos recursos financeiros”, afirma Julio Pedrassoli, geógrafo e coordenador de mapeamento urbano do MapBiomas.
Essa ocupação desordenada em áreas de risco é ainda mais preocupante diante da aceleração das mudanças climáticas, que vêm tornando cada vez mais frequentes eventos de chuvas extremas, que podem causar deslizamentos de terra especialmente em locais mal preparados para enfrentar o problema. Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e Jaboatão dos Guararapes (PE) são algumas cidades que passaram por desastres do tipo nos últimos anos.
Dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) apontam que deslizamentos de terra e chuvas fortes resultaram em prejuízos de R$ 139,7 bilhões desde 2015 em todo o país, conforme reportagem do jornal O Globo.
“O crescimento da urbanização nas áreas de encostas aumenta muito as chances de danos e estragos maiores, porque há mais pessoas morando nos locais sujeitos a deslizamentos”, afirma Pedrassoli.
Na visão do geógrafo, os gestores públicos precisam tratar a questão de forma sistêmica. “Qualquer política de enfrentamento à urbanização em áreas sujeitas a deslizamentos precisa considerar o fator econômico. As pessoas precisam ter condições de se manter em locais seguros para não precisarem se mudar para espaços com risco. Para quem já mora em encostas, as políticas de remoções devem considerar as especificidades locais e seguir um diálogo com a população”, analisa o geógrafo.
O mapeamento também constatou um aumento da área das favelas. Hoje, elas representam 4,5% das áreas urbanas no Brasil e duplicaram de extensão entre 1985 e 2023, de 75,2 mil hectares para 180,1 mil hectares. A expansão equivale ao tamanho do município de Belém (PA).
Áreas urbanas também cresceram em locais vulneráveis a inundações
O estudo do MapBiomas também apontou uma expansão da urbanização nas proximidades de cursos d’água. As áreas urbanas em terrenos localizados a três metros de altura ou menos de rios ou córregos cresceram 648 mil hectares de 1985 a 2023, e hoje totalizam 1,1 milhão de hectares – um aumento de 130% no período, ou quase duas vezes o tamanho de Cuiabá (MT).
De cada quatro hectares de crescimento urbano nos últimos 38 anos, um foi em áreas vulneráveis a inundações.
Como explica Pedrassoli, o adensamento urbano em locais próximos a cursos d’água foi um dos principais agravantes do desastre que atingiu o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano. A Agência Pública já mostrou que a degradação das margens do Rio Taquari, uma das regiões mais atingidas do estado, ampliou os danos das inundações. E as mudanças climáticas dobraram a probabilidade da tragédia acontecer.
“Falta muito preparo dos estados e das prefeituras para enfrentar esses problemas. Quando aparece alguma proposta em relação a isso, é sempre muito superficial e não resolve o risco de fato. Precisamos de ações precisas e concretas para preparar nossas cidades”, afirma Pedrassoli.
Em reportagem para a cobertura das últimas eleições municipais, a Pública analisou o compromisso com a pauta climática dos candidatos às prefeituras das capitais do país e encontrou que metade deles não apresentava propostas detalhadas para enfrentar o problema em seus planos de governo.
O estudo do MapBiomas revelou também que a vegetação em áreas urbanas aumentou 4,8% ao ano entre 1985 e 2023 – crescimento anual superior à expansão de áreas não vegetadas, de 2,1%. No ano passado, a vegetação no interior das cidades totalizou 630,9 mil hectares.
Porém, como explica o pesquisador, a expansão de vegetação se concentra em cidades de menor porte. Ao todo, as capitais brasileiras perderam 4,3 mil hectares de vegetação urbana nos últimos 20 anos.
“A arborização ainda é um desafio nas grandes cidades. Faltam políticas mais abrangentes e que considerem a importância do papel das árvores nos centros urbanos, de amenizar o calor e refrescar a cidade”, diz Pedrassoli.