Um dos mais vocais membros da comissão parlamentar que investiga a tentativa de subversão das eleições americanas em 2020 e a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o deputado Jamie Raskin é direto quando trata da ameaça à democracia enfrentada pelo Brasil nas próximas eleições. “Precisamos ter certeza de que qualquer desestabilização ao estilo Trump das instituições democráticas no Brasil falhará”, afirmou, em entrevista à Agência Pública pelo telefone.
Junto com outros 38 parlamentares da base do governo dos Estados Unidos no Congresso, Raskin ajudou a articular uma carta ao presidente Joe Biden que pede que deixe “inequivocamente claro” para Jair Bolsonaro que o Brasil ficará “isolado dos EUA e da comunidade internacional” em caso de “tentativas de subverter o processo eleitoral do país”. Além disso, ele sugere que os EUA revejam a proximidade do Brasil com a Otan e a entrada na OCDE se isso ocorrer.
Para Raskin, existe uma “dimensão global” das ameaças a democracias pelo mundo, e ele enxerga Vladimir Putin como o “maior exportador de mentiras eleitorais do mundo”. É por isso que tem se dedicado a investigar os laços do presidente russo com outros autocratas mundiais – embora afirme que não pode falar em nome de toda a comissão e nem adiantar o teor do relatório final, que deve sair até o final do ano. “Como membro individual da comissão, certamente estou investigando os laços entre o regime de Trump e o movimento de Trump com Putin e Orbán e Bolsonaro e outros políticos autocráticos de ultradireita ao redor do mundo”.
Observando o que ocorreu nos Estados Unidos depois das alegações de fraude de Donald Trump, Raskin pede que os brasileiros aprendam com os erros do norte: ele recomenda “espalhar a verdade, garantir a integridade física do processo eleitoral e mobilizar ao máximo advogados, juízes e tribunais para estarem prontos para defender a integridade dos resultados eleitorais”, além de expor a campanha de ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral “o mais rápido possível”.
Leia a entrevista:
A Comissão Parlamentar sobre o 6 de Janeiro de 2021 (Invasão do Capitólio dos EUA) entregará seu relatório até o final do ano. Portanto, não há muito tempo pela frente. Mas em uma reunião com um grupo de membros da sociedade civil brasileira recentemente, você disse que a comissão começaria a focar nos vínculos internacionais. Por que esse foco? Essa linha de investigação avançou?
A Comissão tem muita consciência de que estamos vendo instituições democráticas sob cerco em todo o mundo. E também estamos vendo fortes conexões globais entre diferentes movimentos autoritários e autocráticos. Então a Comissão está tentando compreender a magnitude total das ameaças que estão se abatendo sobre a democracia americana. E há uma dimensão global para essa ameaça, assim como há uma dimensão global para ameaças às instituições democráticas em outros países. Vemos recentemente reportagens sobre os gastos muito pesados de Vladimir Putin para influenciar eleições e campanhas eleitorais em outros países. Então, espero que nosso relatório final tente levar em conta essa dimensão global do problema que enfrentamos enfrentando na defesa das instituições democráticas.
Você está olhando para os laços entre a direita dos EUA e a ultradireita brasileira, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro? Recentemente, o ex-porta-voz de Trump, Jason Miller, esteve no Brasil em um ato que foi usado para a campanha de Bolsonaro. Além disso, ele tem apoiado a eleição através da plataforma Getter. E acho que há uma semana, Trump endossou a reeleição de Bolsonaro.
Como membro individual da comissão, certamente estou investigando os laços entre o regime de Trump e o movimento de Trump com Putin e Orbán e Bolsonaro e outros políticos autocráticos de ultradireita ao redor do mundo. Então eu certamente estou interessado nisso. Mas eu não posso falar por todo o comitê. Não posso falar sobre o relatório, que ainda não foi escrito.
Você acredita que o que estamos vendo é uma conspiração internacional para derrubar eleições ou uma democracia?
Bem, não sei se usaria essa palavra, mas acredito definitivamente que os governos democráticos e partidos políticos estão em uma batalha com os autocratas, os cleptocratas e os teocratas. Então eu acho que há uma luta muito poderosa ocorrendo entre as forças democráticas dentro de cada país e as forças do autoritarismo. Isso está acontecendo dentro de cada sociedade e também em nível global. E você pode ver isso claramente em torno da invasão russa da Ucrânia, onde as forças políticas autoritárias e governos autocráticos endossaram a invasão e estão apoiando Putin, enquanto os movimentos democráticos e partidos e governos estão apoiando fortemente o presidente Zelensky, da Ucrânia.
Qual é a sua visão sobre o futuro da democracia brasileira? Eu sei que recentemente nas últimas duas semanas, Bolsonaro foi destaque na imprensa dos EUA, e tem havido muita cobertura expondo que ele está basicamente usando a cartilha de Trump. Você está preocupado com o que pode acontecer no Brasil?
Sim. Nós vemos que a autocracia é contagiosa, e esforços violentos para derrubar as instituições democráticas operam como um vírus. Para que o povo brasileiro tenha o direito de escolher seus próprios líderes e de participar de eleições livres e justas. Isso é importante para o Brasil. Mas o Brasil é obviamente uma democracia muito grande e importante, e precisamos ter certeza de que qualquer desestabilização ao estilo Trump das instituições democráticas no Brasil falhará.
Nesse sentido, o governo dos EUA tem sido bastante avançado em enviar mensagens fortes de que não apoiaria nada do tipo. Então a embaixada no Brasil disse que nosso sistema de votação eletrônica é um modelo para o mundo. E eles receberam a missão da sociedade civil muito abertamente. Até onde o governo ou o Congresso dos EUA poderia ir se algo como um cenário do 6 de janeiro acontecer no Brasil?
O povo brasileiro tem o benefício da experiência do povo americano em 6 de janeiro. O Brasil viu que nossa eleição quase foi revertida, e que todo o nosso sistema democrático de governo esteve em perigo. Então, espero que o povo do Brasil possa aprender com o exemplo do que aconteceu conosco. Mas eu sei que o presidente Biden e as maiorias no Congresso hoje iriam agir agressivamente para apoiar a democracia brasileira e rejeitam qualquer esforço para desestabilizá-la ou derrubá-la.
Mas como?
Nós redigimos uma carta ao governo Biden, junto com o senador Bernie Sanders e outros senadores, dizendo que precisamos estar preparados para agir de forma agressiva em caso de provocações ao estilo Trump contra instituições democráticas e as eleições no Brasil. Essa carta descreve o número de medidas que propomos que o governo tome para fortalecer a democracia brasileira, por exemplo, a revisão do status do Brasil como parceiro da Otan, assim como a perda do apoio dos EUA à adesão do Brasil à OCDE, assim como revisão de futuros acordos bilaterais de defesa e segurança.
Qual seria o impacto na região se houvesse uma ruptura institucional no Brasil?
Se não me engano, o Brasil ainda é o maior país da América Latina. E a desestabilização do constitucionalismo democrático no Brasil poderia ter um efeito corrosivo em toda a América Latina. Não queremos que isso se espalhe. Pelo contrário, você sabe, queremos que a América Latina seja um forte baluarte para eleições e instituições democráticas.
Vou te pedir para você expandir um pouco sua reposta anterior, quando disse que os brasileiros podem aprender com o que aconteceu nos EUA em que medidas podem ser tomadas. Estamos agora a duas semanas das eleições. Se você pudesse voltar no tempo, o que deveria ter sido feito de diferente nos EUA que ainda podemos fazer no Brasil?
Bem, obviamente nosso sistema eleitoral é diferente, então não necessariamente se traduz precisamente da nossa cultura política para a sua. Mas obviamente eu sinto que deveríamos ter garantido melhor a segurança do Congresso e deveríamos ter trabalhado a segurança física de todo o processo eleitoral. Isso é crítico. Nós também deveríamos ter feito muito mais esforços públicos para desmentir mentiras sobre a eleição e mentiras sobre o processo eleitoral também. Portanto, é importante neutralizar a enxurrada de mentiras o mais rápido possível, com o máximo de verdade possível. Então, espalhar a verdade, garantir a integridade física do processo eleitoral e mobilizar ao máximo advogados, juízes e tribunais para estarem prontos para defender a integridade dos resultados eleitorais.
Você sabe que Bolsonaro continua fazendo movimentos em direção a uma Grande Mentira [referência às alegações de Trump sobre fraude em 2020, chamadas de “The Big Lie] e esforços para minar o processo eleitoral. Toda a sua campanha precisa ser exposta ao público o mais rápido possível.
Uma das maiores especialistas em desinformação dos EUA chamada, Claire Wardle, me disse uma vez que os Estados Unidos se tornaram o maior exportador de mentiras sobre as eleições do mundo. E ela está querendo dizer que o que os autocratas estão fazendo em todos os lugares é seguir a cartilha de Trump. Agora, por outro lado, no meu país e em muitos outros países, tais mentiras são espalhadas pelas redes sociais, que são quase todas, exceto TikTok, empresas americanas sediadas no Vale do Silício que não foram regulamentadas nos EUA. Qual é a responsabilidade geral dos EUA nessa tendência autoritária em diferentes países?
Deixe-me discordar de uma coisa. Quer dizer, eu acho que a Rússia sob Putin é o maior exportador de mentiras e propaganda. Mas você está certa ao dizer que são as empresas americanas de mídia social que forneceram os canais para essa propaganda se espalhar pelo mundo. Isso não é uma defesa do que elas fizeram. Parece claro para mim que as empresas americanas de mídia social agiram com muita irresponsabilidade quando se trata de permitir mentiras sobre eleições e propaganda de Fake News. Então, você sabe, por uma questão do Direito Americano e políticas públicas, nós ainda não agimos para neutralizar a disseminação de propaganda eleitoral e desinformação por meio de corporações de mídia social americanas. Essa é uma das coisas que espero que o comitê especial de 6 de janeiro aborde. Espero que o comitê trate da combinação de propaganda antidemocrática de inspiração russa e a mídia social americana.
A última pergunta é sobre Donald Trump. Ontem, ele afirmou, em relação aos documentos apreendidos em Mar-A-Lago, que se ele fosse indiciado, “haveria problemas”. Como a Comissão pretende garantir que a responsabilidade de Trump seja devidamente punida?
Bem, tenho certeza de que o papel do nosso Comitê é fazer um relatório abrangente ao Congresso e ao povo americano sobre o que aconteceu em 6 de janeiro e por que e como evitar qualquer tipo de repetição no futuro. Nós não somos um comitê de promotoria. Cabe ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos prosseguir com as investigações criminais. Mas o Departamento de Justiça não deve ser intimidado ou retardado de forma alguma em seu trabalho por ameaças de acusados de crimes de que haverá retaliação violenta. Você sabe, se houver retaliação violenta, isso em si é um crime. E nossa aplicação da lei americana não recua diante de ameaças criminosas violentas. Então, você sabe, nós temos instituições fortes de aplicação da lei. Temos uma polícia forte. E eles não recuam diante de ameaças violentas da máfia ou de outro crime organizado ou dos arquitetos da violência política.
Você tem uma mensagem final para os eleitores brasileiros que vão exercer seus direitos democráticos nas eleições em duas semanas?
As instituições democráticas são frágeis. E os autocratas e ditadores sabem disso, e tentam derrubar as instituições democráticas. Mas a vontade e o espírito do povo nas sociedades democráticas são muito fortes. E os povos democráticos do mundo não querem entregar nossas Constituições e nossas eleições democráticas. Então, eu sei que o povo do Brasil é um povo muito forte e resiliente, e tenho toda a confiança de que eles permanecerão fortes apoiando o processo democrático.