Ilustração: Biba Rigo
A Polícia Federal prendeu, na manhã desta quinta-feira (3), dez suspeitos de envolvimento num esquema de corrupção que movimentou R$ 35,5 milhões, entre eles, o ex-secretário municipal de Obras do Rio de Janeiro, Alexandre Pinto. A operação “Rio 40 Graus” investiga um sistema de pagamento de propina pela Carioca Engenharia em um trecho da obra do BRT Transcarioca, baseada na delação da empreiteira. Pinto teria pedido R$ 7,5 milhões, segundo o Ministério Público Federal (MPF). É a primeira vez que a Lava Jato alcança a gestão do peemedebista Eduardo Paes, prefeito da cidade entre 2009 e 2016. Grande aposta do governo depois que a cidade venceu a competição para sediar a Olimpíada de 2016, o BRT era uma esperança para a zona oeste, a região mais carente de integração. Mas ele entregou menos do que prometeu, trechos inteiros ainda não estão prontos e há estações abandonadas.
Além disso, o sistema não conta com o entusiasmo do atual secretário de Transportes, que garante que ele só foi implementado por pressão dos empresários (veja o box). BRT é sigla para Bus Rapid Transit, ou ônibus de trânsito rápido. O sistema do corredor expresso e exclusivo também tem ônibus articulados sem degraus e pagamento da passagem antes do embarque na plataforma, para garantir agilidade.
Jussara Lopes, de 54 anos, mora no bairro Mendanha, em Campo Grande, zona oeste do Rio, e trabalha no Leblon, bairro nobre da zona sul. Diariamente leva cerca de duas horas para se deslocar entre sua casa e o trabalho, cerca de 60 quilômetros. Somando ida e volta, são 40 dias inteiros a cada ano perdidos no trânsito do Rio. Como aproveitar esse tempo? “Dormindo”, ri a cozinheira. “Quando consigo ir sentada, aproveito para descansar. É o jeito.”
Ela não está sozinha nessa batalha. A região metropolitana do Rio de Janeiro tem o maior tempo médio de deslocamento de casa ao trabalho de todo o país. Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, 28,6% da população gasta mais de 60 minutos no transporte. E boa parte dessas pessoas reside em bairros da zona oeste, como Paciência e Guaratiba, que registram cerca de 62 minutos gastos no trânsito.
Périplo na Zona Oeste
Duas estações do BRT ajudam a contar um pouco dos desafios do usuário de transporte público da zona oeste do Rio de Janeiro. Distantes 14 km, as estações Maria Tereza, em Campo Grande, e Mato Alto, em Guaratiba, guardam poucas semelhanças. Na verdade, a única característica em comum é a falta de ligação entre elas.
Quando o sistema BRT foi anunciado em 2009, os moradores da região se animaram. A promessa de não precisar mais atravessar a estrada da Grota Funda, uma serra íngreme e estreita onde ônibus enguiçavam diariamente, era animadora. Mas no meio do caminho havia uma Olimpíada. A linha de BRT que ligaria Campo Grande à Barra, passando por Guaratiba, começou a ser construída em 2012, ano de eleições municipais, nas quais Paes acabaria reeleito. “A partir daí, tudo mudou”, recorda-se Guilherme Braga Alves, criador do grupo Nós de Campo Grande, que se mobiliza por melhorias no transporte na região. Tão logo ficou pronta, em 2014, a estação Maria Tereza foi abandonada. “A ideia era fazer esse trecho-tronco entre Campo Grande e Guaratiba. A partir de então, essa linha some do projeto em prol da ligação da Alvorada ao metrô do Jardim Oceânico (também na Barra), que era mais interessante politicamente”, explica. Esse trecho, chamado de Lote Zero, e os corredores Transolímpica e Transcarioca tornaram-se prioritários diante da iminência dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Hoje às moscas, Maria Tereza virou cobertura para pessoas em situação de rua.
“Se a gente voltasse atrás, não faria a Maria Tereza naquele momento”, justifica o então secretário de Transportes Alexandre Sansão em entrevista à Pública. “A gente optou por essa obra prevendo que o funcionamento dela seria mais rápido. Mas, alguns meses depois, concluiu que ia demandar fôlego do consórcio e ia atrapalhar outras coisas prioritárias. Ele poderia operar por um tempo com linhas alimentadoras ali, até a estação de Mato Alto. E o fôlego de investimento ser usado para implantar a Transcarioca, a Transolímpica e o Lote Zero”, resume. O Consórcio que “não teve fôlego” é investigado hoje na Lava Jato.
Na política carioca, o que era para ser temporário virou permanente. Até hoje, já na prefeitura do pastor Marcelo Crivella (PRB), ninguém diz quando a linha vai ser concluída.
Ao morador de Campo Grande sobrou uma linha do BRT Transoeste, que o liga a Santa Cruz, um desvio de pelo menos 12 km. Campo Grande tem cerca de 330 mil moradores. Eles vão de ônibus até a estação Mato Alto, em Guaratiba, onde embarcam no BRT. “Para chegar ao BRT, você já pega um ou dois ônibus, dependendo de onde você morar, já que Campo Grande é muito espraiado. Chegando a Mato Alto, não há nenhuma infraestrutura para servir de transferência, não tem plataforma ampla, cobertura, banheiro, nada”, aponta Guilherme, que também integra o Laboratório de Direito à Cidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso transformou o cenário da parada, que vive apinhada de gente, com filas caóticas e bancos, portas e máquinas quebradas.
Aguardando o ônibus na estação Mato Alto, a babá Josiane Almeida, de 47 anos, brinca: “Você está com tempo pra anotar tudo? A gente espera muito nessa plataforma, que é totalmente desorganizada. Sempre tem gente sendo empurrada, idoso, criança. Tem até quem se machucou indo trabalhar. Os ônibus vivem sem ar, a gente sufoca lá dentro. É um inferno. E é todo dia”.
A zona oeste do Rio se espalha por 886,24 km², mais de 70% do território carioca, e é dividida em duas macrorregiões. A primeira, mais rica, reúne Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e a região de Jacarepaguá. A segunda, mais pobre, tem os bairros de Bangu, Realengo, Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz. O diagnóstico elaborado para o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Prefeitura do Rio explica que “os moradores da Zona Oeste são os que mais sofrem com as necessidades diárias de deslocamentos na cidade e, ao mesmo tempo, são os que apresentam relativamente as menores rendas”.
A licitação
O projeto original do BRT previa quatro corredores expressos interconectando a cidade: Transoeste (de Santa Cruz à Barra), Transolímpica (de Deodoro ao Recreio dos Bandeirantes), Transcarioca (do aeroporto internacional à Barra) e Transbrasil (de Deodoro ao aeroporto Santos Dumont). Até hoje este último corredor não terminou de ser construído. De acordo com previsões feitas pela prefeitura, os quatro corredores teriam potencial para levar até 2 milhões de pessoas por dia, cerca de 45% dos passageiros de transporte coletivo do Rio.
Na manhã do dia 29 de abril de 2010, a Prefeitura do Rio, sob comando de Eduardo Paes (PMDB), publicou o edital de licitação das linhas de ônibus. Era a primeira experiência de regular os ônibus no Rio a partir de concessões, e não mais por meio de permissões de uso precárias, determinadas entre a administração e os empresários, sem uma licitação clara explicitando prazos, número de passageiros ou lucro máximo. “No caso da zona oeste, o problema é aumentar a oferta e melhorar o atendimento”, declarou Sansão, então secretário de Transportes. Na prática, o que se viu foi o oposto disso. “A concorrência pode ser benéfica ou predatória, quando você deprecia o serviço por causa da concorrência. Se fosse fazer de novo, eu faria da mesma forma”, justifica Sansão.
[pullquote]“Se fosse fazer de novo, eu faria da mesma forma”, diz Sansão[/pullquote]
No fim de 2014, a prefeitura já havia cortado oito linhas de ônibus, e 36 tiveram seu trajeto modificado. Entre outubro de 2015 e janeiro de 2016, eliminaram-se mais 13 linhas na região. As linhas que faziam trajetos longos até o centro foram encurtadas e os passageiros, obrigados a fazer baldeação.
O edital dividiu a cidade em quatro grandes áreas, que ficaram sob administração de quatro consórcios: Internorte, Intersul, Santa Cruz e Transcarioca. No caso do BRT, o edital dava mais autonomia para as empresas – elas deviam se associar nos trechos em que o BRT cruza duas regiões ou mais. “Nós pensamos no acordo operacional, que é um instrumento que o contrato dava para que dois ou mais consórcios se entendessem na operação de um BRT. A gente não tem contrato com o Consórcio BRT, mas com quatro consórcios. Então, é um entendimento deles”, explica Sansão.
Para o pesquisador em política urbana Igor Matela, o problema disso é que as empresas ganham autonomia demais e o poder público tem pouco controle no sistema, que ele chama de “consórcio terceirizado”. Apesar de definir o futuro do BRT, o edital de licitação não trazia nenhum tipo de projeto ou estudo a respeito do sistema.
“Qual seria a frota necessária por consórcio? Qual o preço dos veículos? Quantas estações por linha? Quantas linhas alimentadoras por parada? Todos esses dados são imprescindíveis tanto para se projetar a demanda quanto para se calcular o custo operacional. E eram dados ainda desconhecidos, havia riscos”, diz Jorge Martins, professor do Instituto de Economia e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. “Por que o sindicato das empresas concordou com o edital sem que os estudos e projetos do BRT estivessem todos concluídos para que pudessem elaborar propostas sem tanto risco ou sem tanto erro?” Na prática, as empresas que já operavam os ônibus de uma região entraram no consórcio e passaram a operar o BRT, sem nenhuma disputa pública.
Para administrarem os três corredores que estão em funcionamento, as empresas de ônibus criaram em 2012 o Consórcio Operacional BRT. O grupo é formado hoje pelas empresas Bangu, Barra, Campo Grande, Caprichosa, Futuro, Jabour, Madureira Candelária, Normandy, Paranapuã, Pégaso, Redentor, Santa Maria, Tijuca, Translitoral, Transurb e Três Amigos. Todas as empresas integram também os quatro consórcios. São empresas como a Jabour, de propriedade de Jacob Barata Filho (leia também: Imobiliárias podem mascarar sobrelucro de empresários de ônibus), hoje preso pela Lava Jato por suspeita de envolvimento no esquema de propina do governo Sérgio Cabral.
Encurralados dentro do Rio
Uma pesquisa de Vitor Mihessen, da organização Casa Fluminense, aponta que cerca de 90% dos cariocas que demoram mais de uma hora no deslocamento de casa para o trabalho têm emprego no próprio município do Rio. O motivo não está apenas nas longas distâncias físicas, mas também na ineficiência do sistema de transporte.
Além disso, Mihessen indica que a região metropolitana do Rio de Janeiro é líder no gasto do orçamento familiar com mobilidade. No Rio, o gasto consome 4% da renda, enquanto em São Paulo esse gasto é de 3,2% e em Curitiba, 1,7%. A média brasileira é de 3,1%. Os dados se referem a 2009.
Uma das consequências desse excesso de tempo e dinheiro gastos com transporte público é a busca por modais não oficiais, como vans, “lotadas” – carros particulares que circulam com vários passageiros – e ônibus piratas. Após alguns anos longe das ruas com a promessa de renovação total do transporte no Rio, a reportagem constatou que eles estão de volta.
Leia também – O fiasco das CPIs dos ônibus no Rio de Janeiro
Assista – Animação: Como é calculada a tarifa do ônibus no Rio?
O tempo melhorou, mas chovem críticas às operadoras
Superlotação, desorganização das plataformas, asfalto destruído, portas quebradas… A lista de reclamações é extensa, mas os passageiros da Transoeste não economizam em um elogio: tempo. “O trajeto está sendo bem tranquilo, não tem mais engarrafamento. Só isso ajuda muito. Vou reclamar de tudo, mas isso aí foi bom. É bem mais rápido”, conta a auxiliar de serviços gerais Regina Saraiva. As obras para a construção do BRT duplicaram vias importantes na região e implodiram um trecho da serra da Grota Funda, criando o Túnel Vice-Presidente José Alencar, que liga Guaratiba ao Recreio dos Bandeirantes. Hoje, a conexão do morador da zona oeste com a Barra da Tijuca ficou muito mais rápida. “A vida melhorou 100%. A gente passava horas pendurado pela porta do ônibus lotado enquanto ele atravessava a serra, sempre num trânsito maldito, sempre ônibus quebrado naquele trecho”, relembra com desgosto a doméstica Palmira Barros, de 49 anos.
O Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês) desenvolveu uma ferramenta para avaliar corredores BRT. No primeiro teste, a Transoeste recebeu o selo Ouro, o mais alto possível. Em 2014, o corredor foi reavaliado e qualificado com o selo Prata. A queda de padrão se deu sobretudo devido à superlotação e à falta de manutenção do asfalto. “O trecho Santa Cruz-Alvorada apresenta uma frota operante menor do que a recomendada. A revisão do tamanho da frota reserva de ônibus, acionada quando há a quebra de um ônibus, poderia auxiliar a garantir a boa operação do corredor”, avalia Gabriel Tenenbaum Oliveira, coordenador de transporte público do ITDP.
Um dos idealizadores do projeto, o ex-secretário de Transportes Alexandre Sansão, explica que são comuns as quedas de braço entre poder público e o consórcio por questões como a quantidade de veículos necessária: “Só em 2016, a prefeitura aplicou 3 mil multas no sistema BRT. Elas são aplicadas por descumprimento de ordens da prefeitura. Basicamente, respeitar os intervalos”, revela.
O Consórcio BRT alega que a crise econômica e os altos índices de desemprego afetaram o setor de transportes. As empresas reclamam também da nova gestão da Prefeitura do Rio, de Marcelo Crivella, que não executou o reajuste anual da tarifa e mudou o comportamento em relação ao transporte pirata. “Se a política do Eduardo Paes era coibir, desde o início de sua gestão, as vans e Kombis ilegais voltaram a circular livremente pela zona oeste”, queixa-se a porta-voz do consórcio, Suzy Balloussier.
O transporte ilegal, de fato, voltou a fazer parte do cenário dessa região. Com veículos muitas vezes em mau estado de conservação e lotados, as vans fazem ponto final a poucos metros da estação de BRT Santa Cruz. Operadores ficam na calçada para atrair potenciais passageiros – os principais argumentos são o preço (a passagem é R$ 0,80 mais barata que os ônibus ou vans oficiais), a rapidez e a comodidade (“Deixa na porta de casa!”, diz um usuário). Esses funcionários não quiseram conversar com a Pública, mas confirmaram que, em 2017, a prefeitura “aliviou”.
No caso do corredor Transoeste, grande parte do deslocamento é pendular, ou seja, ida ao trabalho de manhã e volta para casa ao fim do dia. “Esse é um corredor caro, porque o sobe e desce é baixo ao longo do dia. Então eles diminuem a frota. Quanto mais cheio andar, mais rendoso é”, identifica Clarisse Linke. “Eles vão precisar resolver. Não tem como a gente ter um corredor que não funcione.”
Afastado do BRT desde o fim do governo Paes, Sansão critica também as operadoras. “Está com dificuldade? Vai lucrar menos. Não está fácil pra ninguém. O Brasil está em crise, o estado também, sabemos que isso tem consequência para qualquer um. Mas não pode deteriorar o sistema. Eles têm um contrato de 20 anos. Então é gastar mais agora e pressionar para que o Transbrasil seja feito, o que vai dar um grande equilíbrio para o sistema BRT. É a galinha dos ovos de ouro, eu acho. Não apenas pelo dinheiro, mas como salvação do sistema”, conclui.
Ambos apontam que o pior problema do BRT é mesmo o fato de ele estar inacabado. Apesar de ter sido planejado para atender 45% da demanda, ou 2 milhões de pessoas, na prática esse número encontra-se bem abaixo do esperado. Transoeste, Transcarioca e Transolímpica, segundo dados fornecidos pelo Consórcio BRT, transportam diariamente 433 mil pessoas, menos de um quarto do previsto. A Transoeste é o campeão de viagens, com 216 mil passageiros diários.
Quando a rede integrada estiver completa, a circulação deve subir, ligando os passageiros da região metropolitana ao centro, diz o ex-secretário Sansão. Porém, questionado pela Pública, o atual secretário de Transportes, Fernando MacDowell, não deu uma data para a inauguração do trecho final. Resultado: o sistema segue subaproveitado na maior parte do dia e superlotado no horário de pico. Resta saber se a Lava Jato ou a CPI dos Transportes que será aberta na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) vai revelar outros esquemas que, em nome da corrupção, prejudicaram o transporte oferecido à população.
Empresários pressionaram por BRT e não abaixaram os custos, revela secretário
O ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) implementou o BRT Transbrasil por pressão dos empresários de ônibus, segundo revelou em entrevista à Pública Fernando MacDowell, vice-prefeito do Rio e atual secretário de Transportes. “Na época do Eduardo Paes, ele me chamou para fazer parte do Conselho da Cidade. E eu disse para ele não fazer [o BRT Transbrasil]. Você tem a Supervia colada [na avenida Brasil], ali é uma região de muita gente. E você vai gastar um dinheiro que não vai valer a pena. A demanda é muito grande, maior que a capacidade do sistema. Expliquei várias coisas. Ele chegou a anunciar que não iria fazer nos jornais”, relembra.
A decisão foi revertida, o que MacDowell ficou sabendo também pelos jornais. “Ele me ligou, falou que foi por causa dos ônibus: ‘Oh, não tem jeito, vou ter que fazer. O negócio dos ônibus, os caras ficaram zangados’. Então, foi assim que a coisa aconteceu. Eu alertei o Eduardo, ele tinha dado pra trás e foi pra frente. Acabou fazendo”, afirma. Questionado sobre as razões de Paes para retomar o BRT Transbrasil, o político reiterou: “Pressão mesmo, dos ônibus. Pressão para implementar. Eu falei: ‘Tá bom…’. O que eu vou fazer?”.
A assessoria de Eduardo Paes não se posicionou sobre as declarações de MacDowell até a publicação desta reportagem.
Segundo MacDowell, a lua de mel de Paes com as empresas de ônibus não reverberou no processo de remanejamento das linhas feito no ano passado – que ele critica veementemente. “Quando conversei com os empresários de ônibus, perguntei: ‘Por que vocês fizeram isso’?. Aí eles falaram: ‘Nós não fizemos, o governo que quis fazer’. Eles falaram que eram contra. Disseram que para eles não foi legal. Eu perguntei também a outras empresas que ficaram largadas e todo mundo concordou que era melhor como estava. As pessoas ficaram perdidas”, explica.
“Hoje, tem gente que chega a pagar duas a três vezes a mesma tarifa. Faremos um novo esquema de sinalização, com o mapa das linhas, o traçado e os pontos de interesse. E as empresas vão voltar às cores [diferentes para cada linha], como era naquela época. Não podemos repetir a dose que foi essa confusão”, garantiu, em dois encontros com a Pública, nos dias 28 de março e 1o de junho deste ano. No entanto, a data prevista para a nova reorganização – 15 de junho – passou, e não houve mudança nenhuma.
Nas entrevistas, o vice-prefeito deixou claro que não vê os BRTs como solução para o transporte na cidade. Mas garantiu que vai terminar as linhas já planejadas: “Agora vamos ter que dar uma solução para aquele processo. O prefeito quer terminar as coisas que ficaram não terminadas”.
Para ele, “o metrô é a salvação do Rio”. “O Rio é perfeito para o metrô porque tem alta densidade demográfica nos corredores. A Barra é uma linha reta. Esse sistema [BRT] não consegue resolver o problema porque não tem capacidade para isso. A Supervia larga e o metrô não consegue retirar [os passageiros]. O metrô do Rio tem uma capacidade fantástica, igual ao de São Paulo, mas perdeu 88% da capacidade. Então, eu tenho o maior interesse de ficar com o metrô. Tem que consertar.”
Sua relação com o metrô remete à origem da sua participação na vida pública, durante a ditadura. O engenheiro de transporte entrou na política carioca em 1975 na gestão do Floriano Peixoto Faria Lima, ex-presidente da Petrobras (1973-1974) e ex-governador do Rio de Janeiro (1974-1979). Faria Lima foi nomeado para ambos os cargos pelo general Ernesto Geisel, com quem o vice-prefeito também já trabalhou.
Segundo MacDowell, os militares “exigiram” que ele assumisse o cargo de diretor de planejamento e projetos na recém-criada Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro. Após certa relutância inicial e uma passagem pela Petrobras, ele topou. Até hoje, quando comenta o passado, refere-se ao período militar como a “época da revolução”.
Com 72 anos, MacDowell tem a fala lenta e alguns lapsos de memória. Perdeu parte da audição e enxerga com dificuldade devido a uma catarata não tratada. Mas se empolga quando o assunto é transporte público. Ele se orgulha, por exemplo, de não ter aumentado a tarifa desde o começo do ano: “Desde que eu entrei, segurei o aumento da passagem de ônibus. Por uma razão muito simples: o BRT reduziu o custo operacional dos ônibus em 31%. Em Bogotá, também. A diferença é que [a redução de] 31% lá foi para tarifa. Aqui não. Isso me incomodou. Eu apresentei isso na Fundação Getulio Vargas em uma conferência rápida. Estavam lá o ministro das Cidades, alguns professores canadenses e também o Lélis, presidente da Fetranspor [preso em julho deste ano]. Depois disso tivemos uma reunião e ele também tinha chegado à conclusão dos 31%. Eu falei: ‘Ótimo, então vamos resolver esse problema’”.
A tarifa, é claro, não foi reduzida. “Isso não foi repassado para a população, como em Bogotá. Aqui no Rio, todo o sistema de transporte de massa de alguma forma é da iniciativa privada. Eles são concedidos à iniciativa privada. Quem rege isso é a engenharia financeira.”
“A transferência entre modais tem que ser revista, precisa ser modernizada”, diz. “Hoje, é assim: se uma [passagem] custa 2 [reais] e outra custa 4 [reais], a pessoa paga 6. Isso não é uma máquina de fazer dinheiro, não pode continuar. Temos estudos bem avançados para fazer essa composição”.
Questionado pela Pública, ele não apresentou os estudos e afirmou que as mudanças sonhadas “não têm prazo” para ocorrer.
O secretário não dá detalhes de como vai implementar outras de suas promessas, como o fim da dupla função de cobrador e motorista. Ele garante que as empresas de ônibus arcarão com os custos da adaptação dos veículos, mas a secretaria não apresenta prazos para isso.
MacDowell se diz contra a isenção de ISS para as empresas de ônibus, porém não especificou nenhuma ação da Secretaria de Transportes para buscar a restauração desse imposto municipal.