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Longe do olhar público, EUA intervêm na guerra da Somália através de ataques militares que já vitimaram 162 pessoas

Reportagem
23 de fevereiro de 2012
16:34
Este artigo tem mais de 12 ano

Chris Woods, do Bureau of Investigative Journalism. Colaboraram Emma Slater, Alice Ross e David Pegg

Desde 2007, cerca de vinte ataques militares americanos mataram 162 pessoas na Somália, segundo numa nova pesquisa do Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública. Dentre os mortos há entre 11 e 59 civis.

A intervenção militar americana na guerra que assola a Somália é muito menos notada do que no Iêmen ou no Paquistão. Mas os ataques a alvos da Al Shabaab, um grupo fundamentalista islâmico que atua no país, aumentaram de forma aguda no ano passado.

O Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública, realizou uma pesquisa detalhada sobre as atividades militares ocidentais na Somália na última década. A pesquisa foi feita com base em registros de jornais, pesquisas acadêmicas, registros dos exércitos dos EUA e do Reino Unido e registros diplomáticos.

A equipe comparou relatos divergentes para checar o máximo de incidentes possível. A investigação revela uma teia complexa de inimigos, invasões e conflitos de interesse, além de ataques secretos e mortais das Forças Especiais americanas.

Ataques

O banco de dados montado pelo Bureau registra mais de 50 eventos ocorridos desde 2001. A atuação americana abrange desde operações contra a pirataria na costa da Somália até ataques aéreos de aviões tripulados e não tripulados contra supostos militantes islâmicos.

A pesquisa descobriu entre 8 e 20 ataques contraterroristas de 2007 a 2012. O total de mortos varia entre 46 e 162 – a maioria supostamente militante. Mas o número de mortos pode ser ainda maior, já que alguns relatos dizem apenas que “muitos morreram”, e outros ataques podem não ter sido registrados por jornais ou exércitos.

Apesar das Forças Especiais americanas estarem na Somália desde o 11 de setembro, a investigação do Bureau indica que os ataques dos EUA só começaram em janeiro de 2007.

Oito ataques foram confirmados por porta-vozes americanos ou oficiais que preferiram não se identificar. Nestes ataques morreram entre 46 e 60 pessoas – sendo entre 11 e 13 delas declaradas civis.

Há outros quatro ataques cobertos pela imprensa, mas que não foram reconhecidos por militares americanos. Estas ações teriam matado entre 13 e 45 pessoas, sendo entre 4 e 31 delas civis.

Também há oito ataques não corroborados por mais de um relato, mas todos eles foram reportados por meios de comunicação confiáveis. Estes ataques geraram de 22 a 57 mortes, com 15 vítimas civis.

O Departamento de Defesa americano nega-se a fornecer correções e esclarecimentos sobre estes ataques.

Durante a investigação, o Bureau também examinou 56 ataques realizados por veículos não-tripulados dos EUA que foram registrados pela emissora iraniana Press TV. Apesar da TV iraniana aformar que houve mais de 1370 mortes nestes ataques, a equipe de reportagem não achou nenhuma evidência que fundamente estas declarações.

Vigilância secreta

O estudo do Bureau mostra fases distintas na intervenção militar ocidental na Somália. Apenas algumas semanas depois do ataque terrorista de 11 de Setembro, as Forças Especiais americanas foram acionadas no país.

Na época, temia-se que a nação se tornasse outro Afeganistão, apoiando a Al-Qaeda e outras organizações terroristas transnacionais.

Entre 2001 e dezembro de 2006, o engajamento americano consistia principalmente em operações de vigilância secreta. Em março de 2003, por exemplo, os comandos americanos instalaram uma dúzia de câmeras escondidas na costa da Somália para monitorar atividades militares.

Os EUA também realizaram rendições extraordinárias, sequestrando clandestinamente cerca de oito suspeitos de terrorismo neste período. Foi o caso de dois homens, identificados pelo Bureau: Suleiman Abdallah, sequestrado em março de 2003, e Mohammed Ali Isse, capturado em junho de 2004.

Ataques aéreos

Em dezembro de 2006, os americanos acionaram uma nova fase de intervenção. A Joint Special Operations Command (JSOC) aproveitou a invasão etíope na Somália para lançar uma série de ataques aéreos, navais e por terra contra supostos militantes da Al-Qaeda.

Esta segunda fase “não tinha a ver com as fronteiras da Somália, mas com perseguir indivíduos particulares ligados a complôs terroristas específicos, que por acaso estavam ali”, explica o Dr. Micah Zenko, do Conselho de Relações Estrangeiras.

Em janeiro de 2007, aviões AC-130 das Forças Especiais americanas fizeram mais de quatro ataques a acampamentos de militantes; entre 26 e 61 pessoas morreram nos ataques – incluindo de 6 a 35 civis.

Além disso, em junho de 2007, o navio USS Chafee realizou um bombardeamento naval contra militantes islâmicos no norte da Somália, matando doze pessoas.

Na terceira e atual fase de empenho militar americano na Somália, que começou em meados de 2011, os EUA começaram a mirar diretamente a Al-Shabaab, já que a organização  passou a ser reconhecida como uma ameaça à segurança interna americana.

Segundo o consultor-chefe de contraterrorismo da Casa Branca, John Brennan, afirmou em outubro último, “a Al-Qaeda tradicionalmente tira vantagem de áreas que foram destruídas por conflito, desordem e falta de governança. São vistas como um porto seguro para lançar ataques… A Somália é uma das áreas mais desafiadoras neste momento por causa do conflito interno e da fome devastadora. É uma área que a Al-Qaeda tenta regularmente explorar”.

Ataques com veículos aéreos sem tripulação: de 2011 até agora

A pesquisa do Bureau mostra que, depois de uma lacuna de 18 meses, os EUA definitivamente voltaram à ofensiva na Somália, realizando o primeiro ataque com aviões controlados remotamente em 23 de junho de 2011. Os ataques visavam os principais líderes da Al-Shabaab, mas até hoje não se sabe se algum deles foi morto.

Os aviões das Forças Especiais operam a partir de bases em Djibouti, na Etiópia e possivelmente nas Ilhas Seychelles. Em fevereiro de 2012, foram registrados de 3 a 11 ataques aéreos deste tipo.

“Nós não podemos fornecer detalhes operacionais específicos”, afirmou o porta-voz do Pentágono, tenente-coronel James Gregory. “A respeito da Somália, nós apoiamos a African Union Mission e os esforços do governo de transição assim como eles continuam a combater o terrorismo”.

Quem são os militares estrangeiros na Somália?

JSOC

A Joint Special Operations Command é a divisão de elite das Forças Especiais americanas que realiza a maioria das operações na Somália. Formada em 1980, durante as tentativas desastrosas de libertar reféns americanos no Irã, o papel da  JSOC é coordenar pessoal de elite das Forças Especiais do Exército, Marinha, Força Aérea e Fuzileiros. Seus objetivos: “Estudar requisitos e técnicas de operações especiais, assegurar interoperatividade e padronização de equipamento, planeja e conduzir exercícios e treinamento de operações especiais, e desenvolver táticas conjuntas de operações especiais”

Desde 11 de setembro de 2001, a JSOC tornou-se um elemento crítico da “guerra contra o terror”.  Suas forças mataram Abu Musab Al-Zarqawi e capturaram Saddam Hussein no Iraque. Em maio do ano passado, o Navy Seal Team 6, parte da JSOC, matou Osama Bin Laden no Paquistão. A JSOC também trabalhou com a CIA no Iêmen em setembro de 2011 para matar Anwar Al-Awlaki. Seus soldados também se envolveram em ações controversas como uma série de incursões por terra ao Paquistão que resultaram na morte de civis.

Amison

A African Union Mission in Somália (Amison) é uma força de paz da ONU que busca estabilizar o pais e desalojar a Al-Shabaab. Foi criada em fevereiro de 2007 com um mandato de seis meses. Cinco anos depois, as forças da Amison permanecem na Somália. Em março, a União Europeia doou mais US$ 92 milhões, enquanto os EUA providenciaram equipamento militar no valor de US$ 45 milhões. Sua missão da Amison tem três componentes: policial, militar e civil. O setor militar é de longe o maior, com cerca de 9.500 soldados principalmente de Uganda e Burundi. A ONU tem exigido um “aumento urgente” deste número para 12 mil até outubro de 2012. Desde 2009, a Amison encarrega-se da segurança nas áreas de onde as tropas etíopes se retiraram.

Enquanto a Amison afirma que forças seguem padrões internacionais, a ONG Human Rights Watch denunciou em agosto de 2011 que “todas forças envolvidas na recente luta em Mogadishu… incluindo a força de paz African Union, Amison têm sido responsáveis por violações graves da Lei Humanitária Internacional (as leis de guerra). Estes abusos incluem ataques indiscriminados, execuções extrajudiciais, capturas e prisões arbitrárias e recrutamento forçado ilegal”.

CJTF – Horn of Africa

A operação Combined Joint Task Force – Horn of Africa (CJTF-HOA) foi criada para ajudar na conclusão de objetivos da Operation Enduring Freedom – Horn of Africa, uma iniciativa americana pós-11 de Setembro que visa combater o terrorismo e a pirataria no Chifre da África.

Alocada em Camp Lemmonier, no Djibouti, a CJTF-HOA possui um contingente de 2 mil soldados dos EUA e países aliados, além de 1.200 funcionários da iniciativa privada.

A iniciativa conduz operações militares e civis no leste africano sob comando do Africom, um setor do exército americano designado para a África. A primeira meta da força-tarefa foi detectar e destruir esconderijos potenciais de terroristas, localizar indivíduos, inviabilizar rotas de transporte e atacar diretamente grupos ligados à Al-Qaeda.

O campo militar Lemmonier também serve de plataforma de lançamento para mísseis e aviões não-tripulados operados pela CIA e pela elite da JSOC.

Em 2008, o tenente-coronel do exército americano R. Bates comentou: “à medida que a missão CJTF-HOA progrediu, logo tornou-se claro que a invasão do Afeganistão não provocou a fuga de terroristas para o Chifre da África, como o Comando Central americano havia previsto. Na verdade, a região do Chifre da África tinha menos terroristas do que se temia”.

Como resultado, a força-tarefa expandiu-se e passou a assumir outras tarefas civis e também o treinamento de forças contraterroristas. No entanto, por volta do começo de 2011 o contingente militar americano dentro da força-tarefa aumentou muito. Com a ascendência da Primavera Árabe no Iêmen, ainda mais militares americanos foram destacados para Djibuti.

Combined Task Force 150

Criada para enfrentar o terrorismo, prevenir contrabando e promover segurança nos mares, a Combined Task Force 150 está desde 2007 em embarcações na costa da Somália . Seu objetivo é procurar suspeitos de terrorismo. É uma das três forças-tarefa operadas pela Combined Maritime Forces (CMF), que já teve entre as nações participantes o Reino Unido, França, Canadá, Alemanha, Paquistão, Austrália, Dinamarca e os EUA. Suas operações cobrem os golfos de Aden e Oman, os mares Árabe e Vermelho e o norte do Oceano Índico.

Ela realiza missões de “contato, abordagem, procura e apreensão” em barcos pesqueiros e petroleiros na costa somaliana. O objetivo é “deter indivíduos com conexões com a Al-Qaeda e outras organizações terroristas que usem o mar como rota de fuga potencial”, de acordo com o Departamento de Defesa dos EUA.

Clique aqui para ler a reportagem original, em ingles. Tradução de Marcus V. F. Lacerda

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