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Pai do recém-eleito presidente do Paraguai e mais quatro diretores do seu banco criaram uma conta secreta nas Ilhas Cook, revelam documentos

Reportagem
29 de abril de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Por Marina Walker Guevara e Mabel Rehnfeldt

Documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) revelam que funcionários do alto escalão do banco paraguaio de Horacio Manuel Cartes, presidente recém-eleito no Paraguai pelo partido Colorado, operavam uma instituição financeira secreta num paraíso fiscal do Pacífico Sul.

O pai de Cartes, Ramón Telmo Cartes Lind, e outros quatro executivos do paraguaio Banco Amambay S.A. criaram o Amambay Trust Bank Ltd. em 1995 nas Ilhas Cook, uma pequena cadeia de atóis e afloramentos vulcânicos a mais de 6 mil quilômetros de distância do país vizinho ao Brasil.

Dono de uma empresa produtora de cigarros, tanto Horacio Cartes como o Banco Amambay, de sua propriedade e com sede em Assunção, foram investigados recentemente por lavagem de dinheiro em uma operação da DEA, a agência anti-drogas americana, de acordo com telegramas diplomáticos vazados pelo WikiLeaks em 2010. (Saiba mais aqui)

Não foi a única vez em que o Banco Amambay e seus funcionários foram manchete por suposta lavagem de dinheiro – embora as acusações nunca tenham levado a prisões. Em março deste ano, o chefe da agência de investigação de lavagem de dinheiro do governo paraguaio afirmou que o banco estava sendo investigado junto com outras instituições financeiras por transferências ilegais de dinheiro ao exterior. No dia seguinte – 22 de março – o funcionário do governo se retratou e disse que “houve uma confusão”. O banco Amambay negou qualquer envolvimento em atividades criminais.

Um banco sem sede e sem funcionários

O banco das Ilhas Cook, Amambay Trust Bank Ltd., parece não ter sede nem equipe, mas tem uma licença bancária que permite realizar transações financeiras como um banco normal. No seu pedido de licença, a instituição afirma que sua intenção é “fornecer serviços bancários a investidores que precisam financiar alternativas indisponíveis em bancos locais do Paraguai”. Esse documento faz parte de um vazamento de 2,5 milhões de documentos sobre paraísos fiscais pelo ICIJ.

Os acionistas do banco offshore eram Ramón Cartes – pai do presidente eleito – e Guiomar De Gásperi, presidente e vice-presidente, respectivamente, do Banco Amambay. Ramón Cartes morreu em 2011. Hoje seu filho, Horacio Cartes, é chefe do conglomerado de negócios da família, que além do Banco Amambay também inclui uma fábrica de cigarros e vários empreendimentos agrícolas. Cartes também é presidente de um popular time de futebol. O colorado apenas se afastou dos negócios da família para concorrer à presidência – e diz que continuará longe enquanto comandar o país.

O banco das Ilhas Cook, que funcionou até 2000, não está listado no website oficial entre as mais de 20 empresas que o Grupo Cartes diz ter possuí­do desde 1961.

O atual presidente do Banco Amambay, Hugo Portillo, não respondeu às perguntas enviadas pelo ICIJ; contatado pelos repórteres, Horácio Cartes também não quis fazer comentários.

Um ex-diretor da entidade offshore, que não trabalha mais no Banco Amambay, Mariano Roque Alonso, disse ao ICIJ que não se lembra de um banco offshore ou de ter qualquer conexões com ele. “Nós nunca nem consideramos uma operação como essa”, diz ele.

Jorge Raúl Corvalán Mendoza, presidente do Banco Central do Paraguai, que fiscaliza instituições financeiras, diz que desde meados dos anos 1990 a legislação das Ilhas Cook requer dos bancos uma permissão antes de abrir subsidiárias, inclusive em locais offshore. Corvalán, que se tornou chefe do Banco Central em 2008, diz que não sabia da existência do Amambay Trust Bank Ltd nas Ilhas Cook. “Eu não tenho conhecimento do que aconteceu nos anos 90”, afirma.

Já que Ramón Cartes e De Gásperi foram listados como os únicos acionistas no Amambay Trust Bank Ltd nas Ilhas Cook, parece que seria uma empresa separada, mais do que uma subsidiária formal do Banco Amambay.

Saiba por que a DEA infiltrou agentes no círculo íntimo de Horácio Cartes

Abrindo o banco secreto

Em janeiro de 1995, um advogado do escritório americano Coudert Brothers abordou a empresa offshore Portcullis TrustNet para criar uma empresa nas Ilhas Cook para um grupo de clientes paraguaios. Naqueles anos, as Ilhas Cook tinham começado a construir uma reputação um paraíso fiscal competitivo, com uma legislação que favorece o sigilo bancário.

Os clientes em questão eram diretores do banco paraguaio fundado apenas três anos antes, o Banco Amambay S.A. Na época em que a entidade nas Ilhas Cook foi criada, o Paraguai embarcava em uma grande crise financeira alimentada pela corrupção generalizada, o que resultou numa fuga de capitais e no fechamento de vários bancos.

Os paraguaios chamaram a empresa secreta das Ilhas Cook de Amambay Trust Bank Ltd e se registraram para receber uma licença bancária do Conselho Monetário das Ilhas Cook. Em cartas simultâneas ao Departamento do Tesouro das Ilhas Cook e ao procurador-geral do país, a equipe da TrustNet afirma que os advogados do Coudert Brothers “indicaram-nos que não têm ressalvas quanto aos clientes”.

Ainda assim, regulamentações locais requerem que a Interpol certifique se os funcionários do banco são idôneos. A checagem do histórico dos acionistas Ramón Telmo Cartes e Guiomar De Gásperi e dos diretores Mariano Roque Alonso, Eduardo Campos Marí­n e Carlos Eduardo Moscarda demorou um pouco, mas saiu limpa.

Os documentos mostram que a TrustNet aprovou resoluções que afirmavam que a empresa não realizaria reunões anuais e que o banco não teria um auditor. O endereço do novo banco era o escritório da TrustNet na principal ilha do arquipélago, Rarotonga. Com a licença bancária aprovada e Cartes e De Gásperi de posse de um milhão de ações cada, o banco estava pronto para funcionar.

Mais investigações: no Brasil, por evadir R$ 600 mi via contas CC5

Em 1998, um funcionário do Departamento de Estado norteamericano, Jonathan Winer, escreveu um artigo sobre as ameaças dos paraísos fiscais à economia global. Ele dizia que o Departamento de Estado tinha analisado entidades offshore com sede nas Ilhas Cook e descobriu clientes desagradáveis por trás deles. “A nossa análise revelou conexões entre o crime organizado dessa “nação-Estado” do tamanho de um vilarejo com a Rússia e alguns dos atores financeiros mais notórios da região do Pací­fico asiático”. Entre os banqueiros das Ilhas Cook, Winer destacou – sem citar os nomes – uma notária famí­lia italiana, políticos brasileiros investigados por lavagem de dinheiro e também “seis paraguaios, vários falantes de russo operando do Chipre e uma série de bancos da Indonésia”.

O registro do Amambay Trust Bank Ltd como uma empresa nas Ilhas Cook foi cancelado em 23 de maio de 2000. No mês seguinte, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) colocou as Ilhas Cook na sua lista negra de lavagem de dinheiro.

O Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro da OCDE condenou as leis das Ilhas Cook por “excesso de disposições sigilosas” que permitem aos donos de empresas e contas offshore se esconderem nas sombras. Ele observou que o governo das ilhas “não tinha nenhuma informação relevante sobre aproximadamente 1.200 empresas internacionais que haviam se registrado” e que não havia registro de documentos de identidade dos clientes dos bancos offshore.

As Ilhas Cook ficaram na lista negra da OCDE até 2005.

Nesse meio tempo, o Paraguai também decidiu limpar suas relações com paraísos fiscais e proibiu bancos que operam no país de fazer negócio com instituições financeiras que apenas existem no papel em jurisdições offshore distantes.

Em 2004, o Ministério Publico Federal brasileiro acusou quarto diretores do Banco Amambay que tinham sido diretores do banco das Ilhas Cook – Ramón Cartes, De Gásperi, Marín and Moscarda – de ajudar brasileiros a sonegarem impostos em 1996, no esquema conhecido como as Contas CC5 – eram acusados de evadir mais de R$ 600 milhões do paí­s. Eles foram todos absolvidos em 2009 pelo Superior Tribunal de Justiça por falta de provas.

*Marina Walker Guevara é vice-diretora do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Mabel Rehnfeldt é membro da ICIJ no Paraguai, e editora do site ABC Digital. Essa reportagem faz parte do Offshore Leaks, o maior vazamento de documentos relativos a paraí­sos fiscais de todos os tempos. Leia aqui a reportagem original, em inglês. E acesse aqui mais reportagens do projeto.

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