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Reportagem

Os senhores é que vão julgar

No tribunal do júri, consensos sociais a respeito de lealdade, fidelidade, vingança, honestidade, honra e outros valores sociais absolvem e condenam PMs

Reportagem
24 de março de 2015
09:00
Este artigo tem mais de 9 ano

Criado no Brasil em 1822, quando o país ainda era colônia de Portugal, o júri popular é uma instituição que se explica pelo nome. Derivado da palavra latina

“jurare”, que significa “fazer juramento”, baseia-se no compromisso prestado pelas pessoas que formarão o tribunal popular, em geral cidadãos de “conduta ilibada no seu cotidiano”, de examinar a causa com imparcialidade para decidir culpa ou inocência do julgado de acordo com a consciência.

O artigo da Constituição de 1988 que determina a existência do Tribunal do Júri está logo no primeiro capítulo, o que significa que é entendido como um direito e um dever inalteráveis. Além de garantir o sigilo das votações, a Carta Magna atribui ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Ou seja, delitos que envolvem homicídio doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto – tentados ou consumados – e crimes conexos.

O funcionamento do júri depende de 91 artigos existentes no Código de Processo Penal. Todos os anos, o magistrado que preside o Tribunal do Júri alista entre 80 e 1.500 cidadãos, a depender do tamanho da comarca, para que fiquem à disposição na condição de jurados. Os nomes podem ser indicados por associações de classe e de bairro, sindicatos, instituições de ensino e repartições públicas. O Conselho de Sentença é formado por sete jurados sorteados a partir de 25 nomes, que, por sua vez, foram pinçados dentro do grupo previamente alistado. Defesa, primeiro, e acusação, depois, podem recusar até três nomes sem apresentar motivos. Uma vez sorteados, os jurados não podem mais conversar sobre o processo entre si, nem com ninguém, sob risco de exclusão e pagamento de multa de até dez salários mínimos.

O ponto culminante do julgamento é o debate entre a acusação, a cargo do promotor, e a defesa, feita pelo advogado do réu. Como precisam convencer pessoas comuns de suas versões do fato, eles costumam lançar mão de um discurso com forte apelo emocional. É depois dos argumentos finais de defesa e acusação que o colegiado popular realiza o julgamento por meio de respostas aos quesitos do juiz, que são as perguntas que o presidente do júri faz sobre o fato criminoso e demais circunstâncias essenciais ao julgamento. Assim, o júri responde a quesitos sobre materialidade do crime (se o delito ocorreu), autoria (se o acusado cometeu o delito que lhe está sendo imputado), se o acusado deve ser absolvido, causas de diminuição da pena e atenuantes, causas de aumento e qualificadoras etc.

Segundo a antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, professora e coordenadora do Núcleo de Antropologia do Direito da Universidade de São Paulo, o júri pode ser pensado como “um sistema de persuasões”, pois lida com o princípio do contraditório, no qual uma das teses – acusação ou defesa – tem de prevalecer. “É um jogo que não vai dar uma soma zero. Alguém perde, alguém ganha.”

Esse sistema, porém, não apela apenas para a razão dos jurados como constatou a autora do livro Jogo, ritual e teatro: um estudo antropológico do Tribunal do Júri, escrito depois de ter presenciado centenas de julgamentos e analisado perfis de réus, vítimas, jurados e testemunhas. “Por ser oral, a sessão de julgamento implica uma performance corporal, cênica, de como olhar, entonar a voz, andar no plenário”, explica Schritzmeyer. Há muito mais para ver e ouvir nas sessões de julgamento no Brasil, do que absolvições e condenações de suspeitos, explica a antropóloga: “Assistimos, em ato, à produção e reprodução de valores que embasam o cerne da cidadania, ou seja, ao que socialmente se entende por vidas legítimas e mortes ilegítimas ou por vidas ilegítimas e mortes legítimas.”

Em 2013, Schritzmeyer depôs na condição de antropóloga especialista em júri como testemunha de defesa do julgamento do estudante Gil Rugai, condenado pelas mortes do pai e da madrasta, em São Paulo. Ela aceitou o convite dos defensores não porque estava convicta da inocência do acusado, embora tampouco o estivesse da culpa, mas porque ele se enquadrava perfeitamente no estereótipo do “garoto estranho” que, por isso (e não com base em provas incontestes), “tinha tudo” para ser o assassino. “Ele foi assim construído, desde a coleta de provas, na fase do inquérito policial (foram selecionados “indícios” que provariam sua “esquisitice”), até a lógica que sustentou toda a arguição do acusador.”

O desempenho de defensores e acusadores e as capacidades de elaborar e narrar versões dos acontecimentos são, segundo ela, tão determinantes no desfecho dos julgamentos, seja de policiais ou não, quanto as provas técnicas. “Os tribunais do júri, se vistos como cenários sociais privilegiados para a atualização de valores sociais, atuam como canais por meio dos quais tais valores fluem. Em outras palavras, mesmo defensores ou acusadores considerados brilhantes podem não ser bem-sucedidos se as argumentações contrariarem estereótipos do senso comum hegemônico. Fica igualmente mais fácil para eles construírem narrativas que, de antemão, contam com a adesão do senso comum, geralmente presente nos julgamentos dos jurados.”

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Silêncio meditativo

Um ponto amplamente discutido no mundo jurídico é se faz ou não sentido prever que os jurados não se comuniquem. Um debate aberto poderia garantir um grau maior de fundamentação da decisão ou acabaria por impor a visão daquele que tem melhor capacidade de argumentação?

Na França, por exemplo, não existe a incomunicabilidade. Além disso, a corte é composta de forma mista, por seis leigos e três magistrados, todos os nove com direito a voz e voto durante os debates deliberativos. Lá, os jurados ficam juntos no tribunal, almoçam fora e, no fim do dia, podem voltar para casa e conversar com amigos, ver o noticiário. “Lá existe uma ideia de que você forma sua convicção no embate de ideias e não o evitando”, diz Schritzmeyer. “No Brasil, o pressuposto é de que é no silêncio meditativo que você julgará bem. Além disso, a obrigação de votar ‘sim’ ou ‘não’ inviabiliza a opção que em outros júris é possível, como se abster. “É possível, no limite, na França, o jurado dizer ‘estou em dúvida’”, esclarece a antropóloga. No entanto, há no mundo jurídico um farto campo de controvérsias a respeito das gestões do silêncio e do diálogo como instrumentos garantidores das liberdades de pensamento e de expressão.

No Brasil, um aspecto determinante, do início da investigação a um eventual (e raro) julgamento, é o passado da vítima da ação policial. Nesse caso, os critérios para considerar alguém suspeito ou culpado não diferem muito dos adotados pela polícia, como constatou uma pesquisa feita pela equipe do sociólogo Michel Misse na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os pesquisadores chegaram a descobrir um caso em que o inquérito contra policiais foi arquivado com base na presunção de que as vítimas praticavam atos criminosos, embora não houvesse qualquer indicação disso; o fato de morarem e circularem por áreas pobres foi o suficiente para supor que os réus tivessem envolvimento com o tráfico.

Promotores, policiais civis e até mesmo parentes de vítimas deram aos pesquisadores da UFRJ declarações de que a morte de um bandido não pode resultar na punição de um policial. “Se os jurados acham que são bandidos só porque são pretos, imagina com uma ficha dessas. Não dá para denunciar, não”, resumiu um promotor, rogando-se o direito de adivinhar o pensamento dos jurados.

Pena de morte

Na prática, os jurados concordariam com a aplicação da pena de morte para os supostos bandidos como faz boa parte da sociedade, observa o delegado Orlando Zaccone, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, responsável pelo inquérito policial do caso Amarildo. “É como se fizesse a sociedade ficar mais pura. É algo racista. Porque se identifica um determinado grupo como perigoso e esse grupo precisa ser exterminado. É uma ideia eugênica. É um fundamento de limpeza social”, diz o delegado. Essa lógica se arrasta desde a fase de apuração dentro da Polícia Civil, persistindo entre os agentes do Ministério Público, do Judiciário e do Tribunal do Júri. “Sendo os jurados escolhidos no ambiente social, eles mais ou menos reproduzem essa ideia. Se morreu uma pessoa considerada perigosa, vão inocentar o policial. Os policiais só vão ser condenados quando não se conseguir construir a figura do matável. A grande briga que se dá no júri é isso: sobre quem morreu. Não é como morreu, quem matou”, resume Zaccone.

Schritzmeyer avalia que os julgamentos dos réus e os julgamentos das vítimas nunca estão dissociados. “Como existem valores morais, a dobradinha réu e vítima compõe um conjunto a ser avaliado moralmente. Se um é muito qualificado de forma negativa, o outro se destaca positivamente.” Em relação aos réus militares, a antropóloga conta que já assistiu a inúmeros júris que envolviam PMs. Na maioria dos casos, eles “eram testemunhas e não réus.” A explicação, diz ela, está no fato de que a própria polícia é a responsável pelo inquérito e investigação. No caso de PMs réus, “existe a ideia de que, na dúvida, prevalece o fato de eles estavam agindo para preservar a população do mal”, argumenta a antropóloga da USP. Para Schritzmeyer, “todo judiciário funciona ideologicamente”, sobretudo em São Paulo, “que tem o eleitorado mais de direita e que apoia candidatos da bancada da bala”. Um depoimento padrão, afirma ela, é o argumento “de que adianta a polícia prender se o juiz solta?.”

A antropóloga também chama a atenção para a diferença de perfil entre jurados e réus. Enquanto a maioria das pessoas que vão a julgamento no Brasil pertence a camadas socialmente vulneráveis, o júri tende a ser composto por cidadãos de classe média. “Complexas elaborações culturais (e não a falta delas) levam à conclusão de que determinados tipos de seres humanos, suspeitos de cometerem crimes, são potencialmente culpados, perigosos, danosos, sendo ‘melhor prevenir do que remediar’. Esse caminho nos permite perceber que existem grupos sociais, no Brasil, historicamente marginalizados (não brancos, não heterossexuais, pobres, mulheres, pessoas portadoras de ‘deficiências’, desviantes de padrões comportamentais considerados normais) e que, por isso mesmo, são excluídos do gozo de direitos, como do direito à presunção da inocência”, esclarece.

Presidente de 1.500 sessões de tribunais do júri ao longo da carreira, o juiz José Henrique Torres considera que não se pode atribuir peso pejorativo à suposta emotividade e subjetividade que pesa sobre o Conselho de Sentença, sob pena de desmerecer a atuação dos jurados. “O júri trata de questões humanas, que se aproximam muito da realidade. É inevitável que isso aconteça no júri, mas isso também acontece nos processos comuns. Se não há uma carga grande de emotividade, há uma carga imensa de retórica. Hoje, o direito é muito mais linguístico do que normativo”, diz o magistrado, que atualmente está em Campinas, no interior paulista, cobrando que se busque olhar de maneira mais crítica para as fases que antecedem o julgamento. “Há um posicionamento muito cômodo de se olhar apenas o jurado. Temos de olhar o sistema de Justiça como um todo. Começa na investigação. A polícia está capacitada para fazer uma boa apuração? O Ministério Público consegue fazer uma denúncia bem feita? O sistema judicial está pronto para acolher essas provas?”

 24 horas no tribunal do júri

Dos sete jurados localizados à esquerda de quem entra no plenário 3 do 5º Tribunal do Júri, no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, seis são mulheres e um é homem – apenas uma das mulheres é jurada pela primeira vez. Enquanto familiares, mídia e curiosos se acomodam no plenário, eles fazem a leitura de um documento de meia dúzia de páginas que resume o processo a ser julgado.

Os jurados são todos jovens e nenhum deles é negro. Não estão ali por opção, mas, sim, porque foram sorteados para julgar o caso da vez, que envolve quatro policiais militares acusados de montar uma farsa para tentar encobrir as execuções de César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, caso descrito na reportagem.

Réus e advogados de defesa ficam de frente para os jurados. Ao centro do plenário, lado a lado, o promotor e a juíza Lisandra Maria Lapenna Peçanha, que explica detalhadamente ao Conselho de Sentença a função que devem exercer dali até o final do julgamento. Entre as recomendações, “ninguém pode saber o que os senhores estão pensando” e “prestem atenção a tudo para formarem convicção”. “Os senhores é que vão julgar”.

Na primeira hora do julgamento, a juíza ordena que o plenário seja esvaziado para que as testemunhas protegidas, chamadas de “alpha” e “beta”, façam depoimentos. Podem estar presentes somente os jurados, o promotor José Carlos Cosenzo (que fará a acusação) e o advogado Celso Machado Vendramini (que fará a defesa).

Todas as perguntas são iniciadas pela juíza. Quando a testemunha é de acusação, quem pergunta na sequência é o promotor, depois o advogado de defesa. O contrário ocorre quando a testemunha é de defesa. Ao fim dos depoimentos, a magistrada consulta o júri. “Os senhores querem perguntar algo?”. Somente uma jurada usou dessa prerrogativa numa questão direcionada a um dos réus. Durante o julgamento, que teve a duração de dois dias, foram ouvidas oito testemunhas, uma de defesa, duas de acusação, duas do juízo e três comuns.

Promotoria e defesa se confrontavam com a intervenção da juíza em vários momentos. “Me respeitem. Não vou começar a gritar aqui em plenário”, intervinha. Apesar do calor que fazia em São Paulo, uma cena curiosa fez parte do julgamento: cobertores foram distribuídos aos jurados por conta do forte ar-condicionado do plenário.

O depoimento da mãe de César foi um dos momentos de maior emoção. Ela contou à juíza que não tinha o que reclamar do filho e que preferiu não ver as fotos dele morto. “Eu não tive muita força e nem tenho para falar do assunto”, desabafou. “Não podia imaginar que tivesse sido a polícia a matar meu menino. Graças a Deus tenho minhas duas filhas para continuar de pé.” Ao fim, ela precisou ser amparada pelo marido, ambos visivelmente emocionados, assim como emocionadas ficaram duas juradas que acompanharam a cena. De tempos em tempos, o turno dos policiais militares que faziam a segurança era trocado. De prontidão atrás dos réus, sempre havia de dois a três PMs.

Perto das nove da noite, muitos jurados já bocejavam. A juíza avisou do jantar. “O julgamento segue amanhã, a partir das 10h. Os senhores continuam incomunicáveis sobre o processo, mas podem falar de futebol, novela etc.”

O segundo dia começou mais tenso. Havia grande expectativa dos debates entre promotoria e defesa. A presença de familiares dos PMs foi maior, o que deixou o plenário cheio. Perto de 50 pessoas acompanhavam os acontecimentos. Durante os depoimentos dos réus, o argumento comum de que “revidaram a injusta agressão” pareceu não fazer efeito no júri. “Essas acusações não são verdadeiras”, defenderam-se. Durante todo o julgamento, eles permaneceram algemados. Todos são casados e a maioria tem filhos. Para o advogado de defesa, Celso Vendramini, que já no primeiro dia havia perguntado a uma testemunha de acusação se era “palhaço por estar rindo”, os policiais “cumpriam o dever e estavam sendo punidos por uma inversão de valores”.

De estilo eloquente e polêmico, Vendramini é conhecido por atuar na defesa de policiais militares por muitos anos. Ele já foi advogado do programa do apresentador Ratinho e é ex-PM da Rota.

Se no primeiro dia a emoção tomou conta da família das vítimas, o segundo foi marcado pela emoção dos familiares dos réus. Era aniversário de 13 anos da filha de um deles e outro declarou que o filho pequeno pensava que o pai estava viajando.

Na fase dos debates, o primeiro a falar foi o promotor Cosenzo. Ele dispunha de 2h30 e ponderou todas as provas dos autos, explicou aos jurados que eles eram seres humanos falíveis, mas que ali não “havia dúvidas” de que, além “do fuzilamento de dois homens trabalhadores”, os PMs “assassinaram suas carreiras e mataram não apenas César e Ricardo, mas seus pais, mães e familiares”. Ele reforçou que “esse seria mais um caso de troca de tiros, não fosse o Daniel, testemunhas, delegado de polícia”. A todo instante, o promotor se dirigia à jurada novata, explicando como votar nos quesitos da sala de sentença. “Ninguém, a não ser você, saberá o voto que deu”.

Perto das cinco da tarde, chegou a vez de Vendramini explanar a defesa dos réus. “Estou perplexo com o que está acontecendo nesse processo”. Para ele, “não houve investigação séria”. “O que se fez foi uma defesa de bandidos com alarde da imprensa”, disse. A todo momento ele tentou desqualificar as testemunhas alpha e beta, “nóinhas que não tinham um passado bom”. “Este governo hipócrita quer acabar com os policiais militares. A ação deles foi legítima”, esbravejou. Boa parte do seu tempo foi usada para tratar de outros temas, ou para provocar ou cair na provocação do promotor. “Cala a boca, promotor!”, disse inúmeras vezes. Numa das raras cenas de descontração do plenário, Vendramini cantou o jingle de sua campanha para deputado estadual ao promotor, que fez um chiste pela votação pouco expressiva obtida por ele no último pleito. Vendramini concorreu sem sucesso a uma vaga de deputado estadual pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) em 2014.

Entre afirmar ser a favor da pena de prisão perpétua, da desmilitarização e da unificação das polícias, o advogado reclamou da não remuneração de jurados pela justiça e disse ser “um absurdo oferecer de jantar uma pizza”. “Os senhores deveriam ser levados aos melhores restaurantes de São Paulo…”, sugeriu. Também não faltaram críticas ao governador paulista. “O Alckmin é um bom administrador, mas péssimo na segurança pública”.

Quando se concentrava na defesa dos réus, retomava a tese de deslegitimar as testemunhas que, segundo ele, deram depoimentos contraditórios. Assim como fez o promotor, a defesa explicou aos jurados como votar a favor de sua visão dos fatos na sala de sentença. “Ô paísinho de merda. Tô de saco cheio”, disse Vendramini antes de a juíza perguntar ao promotor se ele faria uso da réplica. Nos julgamentos, também pode haver tréplica do advogado, se necessário, o que não ocorreu.

“Os senhores estão habilitados para votar?” Era chegada a hora mais delicada para todos. Encaminhados à sala de sentença, os jurados têm “sim” ou “não” como opções para cada quesito a ser votado. Os quesitos são elaborados pela juíza de modo a conduzir a condenação ou absolvição. Do lado de fora, nos corredores do Fórum, alguns familiares de PMs já choravam. No corredor, Vendramini confirmara a condenação. “Já era.”

A tese da promotoria foi acolhida pelo Conselho de Sentença, que reconheceu os réus como autores do crime de homicídio duplamente qualificado (por dificultarem a defesa da vítima), além dos de fraude processual e prevaricação. A sentença foi lida pela juíza às 21 horas. Cada um dos PMs recebeu a pena de 24 anos e 9 meses de reclusão, mais 30 dias-multa, em regime inicial fechado.

Eles puderam ver os familiares por uma porta lateral antes de serem encaminhados ao presídio militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo, onde vão cumprir pena. Outros parentes, indignados, acusavam o pai de César e a mídia pela condenação. O clima era de muita tristeza. “Meu coração está aliviado por um lado, mas carregado por ver como os parentes dos policiais estão sofrendo”, disse mais tarde Daniel. “Esses PMs acabaram com as nossas vidas e das famílias deles também.”

São Paulo: dados inexistentes e respostas curiosas

Em São Paulo, o destino comum de um policial militar condenado ou à espera de julgamento pelo Tribunal do Júri é o presídio militar Romão Gomes. Considerado modelo, o presídio tem selo ISO 9001, e todo o esquema de funcionamento é fundamentado na ideia de devolver a liberdade gradualmente aos presos, que vão avançando nos chamados “estágios” à medida que apresentam bom comportamento.

A Agência Pública solicitou uma visita ao presídio, além de dados atualizados a respeito da penitenciária. Em relação à visita, obteve como resposta que “no momento, não havia interesse da Corporação Polícia Militar” na reportagem, por isso, o pedido foi “indeferido”. Em relação aos dados solicitados, o tipo de crime que mais encarcera os policiais é o homicídio. Dos 182 detentos atuais, 82 (45%) cumpre pena por esse crime. Roubo (19 presos), crimes sexuais (18 presos) e tráfico de entorpecentes (6 presos) representa o restante dos encarcerados. Além disso, atualmente são 82 os presos provisórios que aguardam julgamento. A penitenciária comporta até 225 presos.

A reportagem também tentou, via Lei de Acesso à Informação e por meio das assessorias de imprensa, dados relativos a condenações e absolvições de policiais militares nos tribunais do júri; número de inquéritos policiais recebidos pelo Ministério Público, no período 2011-14, relacionados a crimes dolosos com recorte em homicídio doloso; números gerais e específicos de réus policiais militares; plenários realizados no período 2011-14 nos tribunais do júri para réus em geral e, especificamente, para réus policiais militares; número de condenações e absolvições no Tribunal do Júri para crimes dolosos com recorte em homicídio doloso. Como respostas, a falta de dados tanto do Tribunal de Justiça de São Paulo (leia aqui) quanto do Ministério Público Estadual (leia aqui).

As dificuldades para conseguir informações sobre assassinatos cometidos por policiais militares poderiam ser evitadas se os órgãos responsáveis se empenhassem numa pesquisa como a que resultou no relatório Julgando a tortura: análise de jurisprudência nos tribunais de justiça do Brasil (2005-2010), que mostra como a tortura é vista, julgada e tolerada no país.

O estudo, lançado em janeiro deste ano, foi produzido pela Conectas, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), Pastoral Carcerária e Acat-Brasil e apontou, a partir do levantamento de 455 decisões de todos os tribunais de justiça do Brasil, que funcionários do Estado condenados na primeira instância têm mais chances de serem absolvidos, em segunda instância, do que atores privados. No período pesquisado, agentes públicos foram absolvidos após recursos em 19% dos casos, enquanto que, entre agentes privados, o índice ficou nos 10%.

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