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Proprietário da Reviver, especializada em administrar presídios, defende o lucro com a gestão do cárcere e afirma que o massacre ocorrido em Manaus na cadeia controlada por uma concorrente não pode "ofuscar o sucesso" do modelo

Entrevista
16 de janeiro de 2017
14:23
Este artigo tem mais de 7 ano

As matanças neste início de ano nas prisões do Norte do país, com chacinas em unidades do Amazonas, Roraima e do Rio Grande do Norte, motivadas por disputas entre facções criminosas que deixaram mais de cem mortos, levantaram críticas e suspeitas sobre a atuação da iniciativa privada nos presídios.

Palco de 56 mortes, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, é um dos 34 presídios administrados no país pelo modelo de cogestão, segundo dados do Ministério da Justiça. Nesse formato, o Estado mantém a custódia e garantia do cumprimento da pena estabelecida ao preso, mas transfere ao setor privado todas as outras responsabilidades – médica, psicológica, jurídica, alimentação, vestuário e o controle operacional das unidades.

No caso do Compaj, a empresa responsável é a Umanizzare, uma das oito existentes no país que trabalham no ramo de administração prisional. Juntas, elas têm sob sua responsabilidade cerca de 18 mil detentos em penitenciárias no Amazonas, Tocantins, Bahia, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Santa Catarina e Minas Gerais, o que representa 3% da população carcerária estimada em mais de 600 mil pessoas.

“Esse é um modelo que acreditamos como a solução para o sistema carcerário, e esse triste episódio de Manaus não pode ser usado para ofuscar um modelo exitoso”, afirma o empresário Odair de Jesus Conceição, de 53 anos, dono da Reviver, que atua na administração de dez presídios e que também preside a Associação Brasileira das Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios (Abesp).

Há 26 anos na atividade de segurança privada, Conceição defende que o lucro dentro do sistema prisional é uma forma honesta do empresário ter rentabilidade. “Muitas vezes as pessoas querem fazer fisiologismo com essa questão do lucro, usar termos pejorativos, mas vivemos em um país capitalista”.

Qual o diagnóstico que o senhor faz do sistema penitenciário brasileiro?

Está assim por causa do abandono e da ausência de políticas públicas sérias. Quando você entra em alguma unidade, logo percebe que o sistema está falido. O sistema carcerário não pode ser comandado por políticos, mas sim por pessoas técnicas, que estudem ou queiram de fato corrigir o modelo. O sistema carece de gestores, esse é o grande problema.

Existe muita gente que sabe fazer discurso, mas não sabe atuar. Há secretários [da Segurança Pública] que nunca entraram num presídio, que não acompanham o que efetivamente acontece nos estados. E a situação é a mesma em todos os países da América Latina. São masmorras, não prisões. Já vi político falando: “mas preso não dá voto”. É dessa forma que eles são tratados.

O governo federal chegou a culpar a Umanizzare pelo massacre em Manaus. A empresa tem culpa, como disse o governo?

O sistema com a participação privada começou em 1999, no Paraná. Em 2017, depois de quase 17 anos, vivemos esse episódio no Amazonas. O modelo de cogestão não pode ser medido pelo que aconteceu no Amazonas. Houve uma sucessão de erros. Da empresa e de seu processo de gestão, e do poder público, que falhou no seu papel de fiscalizar. Mas classifico isso como algo pontual.

O processo de cogestão é relativamente novo. As falhas graves que aconteceram não eram para acontecer, mas isso não pode descredenciar um modelo que tem resultados extraordinários. Há resultados expressivos, com presos sendo tratados com dignidade. Basta ir lá para ver. Temos hoje cerca de 30 unidades no Brasil [segundo dados oficiais do Ministério da Justiça, são 24] geridas no modelo de autogestão, mas o massacre não pode ofuscar esse sucesso.

O que é diferente na gestão privada das cadeias?

Processos de segurança bem definidos, funcionários capacitados, que passam por formação, há programas de reciclagem todos os anos. Procedimentos de segurança que são revistos, instalações físicas monitoradas constantemente, controle de acesso, revistas controladas, ambiente saudável para vivência.

Não basta trancar, é preciso dar condições dignas. Quando se vive em ambiente porco, fedido, dormindo em pé, isso provoca revolta em qualquer cidadão.  

No ambiente privado há disciplina. São regras de segurança que são custeadas e financiadas no dia a dia e que podem ser controladas, mas isso ainda não impede de acontecerem problemas.

“A empresa não ganha nem tem lucro com o trabalho do preso. O lucro será mais preciso quando o presídio funcionar de acordo com a sua previsão”, diz o empresário Odair de Jesus Conceição

Há uma discussão de que, quanto mais presos, maior o lucro. Qual o custo do preso no sistema de cogestão e quanto é o custo nas unidades públicas?

O preço da cogestão é menor que o preço do governo. Esse modelo público falido que aí está custa mais do que o preso administrado pela iniciativa privada, onde você tem a Lei de Execução Penal sendo cumprida. Escuto muita gente dizendo que, enquanto no setor público um preso custa R$ 2.000, R$ 2.500, no privado é o dobro. Isso é desinformação, quem fala não tem noção. No Brasil, fora do modelo privado, ninguém sabe exatamente quanto custa um preso. Ninguém sabe, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, ninguém.

Em 2012 o Ministério da Justiça editou uma portaria apresentando a todos os estados uma metodologia para se calcular o custo de um preso. Nenhum estado brasileiro, até agora, no início de 2017, conseguiu preencher aquela planilha. Não dá para saber quanto custa um preso. Sabe por quê? Faz parte da ausência das políticas públicas.

E como funciona o lucro, de onde ele vem?

A empresa busca o lucro, vivemos num país capitalista. Muitas pessoas recorrem à ideologia, sem nenhum argumento, para dizer que empresas não podem ter lucro para cuidar dos presos. Elas não têm argumento para sustentar um debate. Dizem, “quanto mais presos, maior o lucro”. Mas é o contrário: mais presos, menor será o lucro. Porque quando há uma cadeia superlotada, você perde o controle, diminui as políticas que, numa cadeia controlada, você tem condições de manter. A política de educação numa cadeia controlada é mais efetiva, e estudando o preso pode reduzir parte da pena. Então surgem essas falácias.

A empresa não ganha nem tem lucro com o trabalho do preso. O lucro será mais preciso quando o presídio funcionar de acordo com a sua previsão. Se não é assim, não funciona.

Temos uma planilha em que entra uma rubrica chamada “despesas indiretas” e eu tenho a minha margem de lucro que gira de 5 a 8% sobre esse preço e depois são calculados os impostos. Meu meu lucro vem disso. Para que meu lucro seja o que eu planejei, preciso que a unidade funcione. E não é quanto maior o número de presos que eu tiver lá, melhor, porque a estrutura não vai funcionar com a eficiência que eu quero aplicar.

Quando o senhor diz funcionar, é em que sentido?

Funcionar com os resultados que eu preciso produzir, com os programas de ressocialização do preso. Na hora em que eu tenho 700 presos onde cabem 200, eu comprometi a normalidade desse modelo. Se minha meta é botar pra estudar 20% da minha massa carcerária, eu fiz isso considerando que eu ia ter 200 presos. Só que agora eu tenho 700. Então eu dou esse exemplo para você entender que essa ideia de que quanto mais preso, mais lucro, é uma falácia. O lucro é maior se tiver tudo funcionando dentro daquilo que está previsto. Quando ele sai da curva, ele começa a ter risco.

Como funciona o regime de contratação dos funcionários e como eles são escolhidos?

Os empregados são contratados pelo regime da CLT, e o processo de seleção se dá na cidade onde fomos contratados para atuar. Há um processo de seleção criterioso, com cursos de capacitação. Só depois desse curso, que envolve direito penal, direitos humanos, gerenciamento de crise, defesa, há uma grade curricular. Temos um total de 2.100 empregados nas dez unidades que atendemos, que cuidam de, aproximadamente, seis mil presos.

Como se dá o contrato com o Estado?

Via processo licitatório, com edital, com todas as regras, como funcionará a unidade, a habilitação e os requisitos técnicos. Que tipo de preso, se provisório ou condenado, gênero etc. As empresas interessadas se submetem a esse processo e a que apresenta o menor preço é contratada. O processo deveria sempre ser feito não pelo menor preço, mas pela melhor técnica. Para não correr risco de contratar um aventureiro. Lamentavelmente a técnica não vale nada. Para quem tem experiência no setor carcerário isso é uma aberração. Como ele vai impedir uma fuga, implementar programas de ressocialização, mediar crises?

Há um projeto de lei em trâmite no Congresso para regulamentar as PPPs. Se aprovado, ele mudaria a forma de contratação?

Esse projeto é bom porque privilegia a técnica e o preço, e não somente o preço. É um modelo baseado na PPP que funciona em Minas Gerais, a única que funciona, de forma satisfatória, baseada na técnica e no preço.

Nas atividades de ressocialização há convênios com empresas?

Inúmeros. Temos fábricas de bola, indústria de madeira, indústria de serigrafia. Você tem agricultura, indústria têxtil. Há uma série de atividades produtivas remuneradas para o preso, sempre empregado dentro das unidades. Essas indústrias que têm interesse em produzir dentro da cadeia estão, primeiramente, cumprindo um papel social. E tem o incentivo que a lei de redução penal dá, porque a empresa que vai produzir vai pagar no mínimo 75% do salário mínimo, e não tem obrigação trabalhista, não tem a Justiça do Trabalho no pé. Essas empresas remuneram o preso por produção. A empresa de cogestão não lucra com ele.

O histórico de algumas empresas que administram presídios não é favorável, com registros de fugas e crimes como nas unidades públicas.

Em qualquer ramo há funcionários bons e ruins. A área de cogestão não está imune. O que cabe às empresas é monitorar isso. Sobre o episódio de Manaus, não fujo da responsabilidade que a empresa tem lá. Ela cometeu falhas nos seus processos, que precisam ser aperfeiçoados se ela quiser se manter na atividade.

A própria Reviver teve casos de denúncias de abuso de autoridade, tortura e maus tratos.

Apareceu no relatório da Pastoral Carcerária, um relatório tendencioso e não comprovado. Nós respondemos contrapondo todas aquelas questões. A visita para produção do relatório foi acompanhada por um agente penitenciário do estado da Bahia que é contrário ao sistema de cogestão porque ele reflete os interesses dos agentes penitenciários. De forma tendenciosa, passaram oito minutos no presídio de Serrinha, um presídio de segurança máxima, onde estão os piores presos do estado. Por conta daquele relatório nós recebemos uma inspeção do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e nenhum fato tratado no relatório foi constatado. A Pastoral Carcerária foi tendenciosa.

Como vocês lidam com a presença do crime organizado nos presídios da iniciativa privada? Isso é levado em conta na elaboração do contrato?

Não podemos escolher os presos, essa é uma determinação do Poder Judiciário e do Poder Executivo. Isso não entra em contrato. Não se coloca a periculosidade do preso e nós nunca sabemos disso. Não há ingerência. Sobre as facções, existe uma comissão técnica de classificação dentro dos presídios que vai analisar e tentar identificá-los. Os presos são separados de acordo com facções pelo Estado, não pelas empresas. Quem define a ala ou a cela que o preso vai ocupar é o Estado de acordo com o grau de periculosidade e a facção.

Por que não há administração privada nos presídios de São Paulo, estado que tem a maior população carcerária do país?

Por questões ideológicas. Há um represamento da medida dentro do governo de São Paulo, lamentavelmente. Visão de governo que mantém o formato que está lá, que já mostrou que não dá certo. Não estou falando de governo não, porque é um governo Alckmin, do PSDB, e no governo Aécio Neves foi feita a primeira PPP do Brasil. Aqui no estado da Bahia, o governo do PT fez várias parcerias de cogestão. No caso de São Paulo são questões ideológicas dos secretários que não querem dar espaço para que novas experiências aconteçam.

Como é a assistência jurídica aos detentos das unidades privadas? Ela é feita pela empresa ou pela Defensoria Pública?

Sempre pela Defensoria Pública. Todas as unidades têm advogados, uma média de dois advogados por unidade, que apoiam a Defensoria Pública na assistência ao preso. Nós damos para a Defensoria um apoio por meio de nossos advogados.

Em Minas Gerais houve uma ação porque a defesa dos presos estava sendo feita pelo consórcio que administra o presídio, e não pela Defensoria Pública.

É, mas ela precisa ser feita pela Defensoria. Isso é papel do Estado. A empresa apenas tem que entrar com suporte. É assim que nós fazemos.

Na atual crise muito tem se falado sobre a Lei de Drogas, de 2006, que não faz uma distinção clara entre usuário e traficante. O que o senhor acha – a despenalização do uso de drogas pode ser um caminho para desafogar o sistema carcerário?

Olha, aí é a opinião do cidadão Odair, não do empresário. Acho que o país não está preparado e não deve entrar nesse caminho. Nossos centros estão destruídos pela droga no país inteiro. Esse quadro não vai se atenuar, vai se agravar. Então eu sou totalmente contrário a uma política dessas.

O senhor acha que vai piorar a situação carcerária ao se discutir questões como a despenalização do uso de drogas?

Não tenho dúvida nenhuma. A maior massa carcerária do Brasil vem das drogas. E se você analisar os outros crimes, muitos deles também são causados pelo uso da droga. A droga tira você do prumo. Você vira super herói. Vai poder assaltar, matar, porque você está doido. Vai poder fazer coisas que normalmente você não faria. Então, como cidadão, acho [a despenalização] um grave erro que só vai agravar o sistema penitenciário.

Que solução o senhor vê para o sistema penitenciário? O crescimento nos últimos anos foi impressionante.

Um mutirão carcerário é um band-aid em uma fratura exposta. Quando há uma crise grave, como agora, todos falam em mutirão. Isso deveria acontecer permanentemente. Você vê gente que rouba carne em supermercado sendo presa porque não há uma audiência de custódia. A audiência de custódia precisa ser levada mais a sério. E outro ponto que chama atenção é o julgamento do preso provisório. Isso é outra aberração que há no nosso país. O sujeito está cumprindo uma pena sem ser julgado e tem estados com mais de 60% de presos provisórios. De quem é a responsabilidade por isso? Do Poder Judiciário.

Sobre os presos provisórios, o senhor comentou que é uma aberração existir esse contingente, mas do ponto vista do lucro, a existência deles não é melhor para o seu negócio?

Se a gente for analisar friamente, para o negócio, sim. Se há mais presos, há mais trabalho. Mas raciocino também como cidadão. Não se pode negar o direito de ser julgado. Nem sequer discutimos uma questão dessa, porque vemos o todo. Com essa atividade comercial a gente tem na mão a oportunidade de recuperar pessoas, ao mesmo tempo ter lucro numa atividade séria.

Colaborou Patrícia Figueiredo

Crédito da imagem destacada: Luiz Silveira/Agência CNJ

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