Em menos de três meses, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou no Diário Oficial da União o deferimento do registro de 121 produtos agrotóxicos que chegam às mesas brasileiras neste ano. O número é o segundo maior já registrado e, se seguir o ritmo, deve superar a marca de 450 produtos liberados no ano passado — o recorde histórico.
Para tentar “estancar a ampliação de registros”, o deputado federal Alexandre Padilha (PT/SP) propôs um projeto de decreto legislativo, o PDL 43/2019, com o objetivo de “sustar” os atos do Ministério da Agricultura de 2019. Ex-ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff, o médico e deputado federal comandou entre 2011 e 2014 uma das pastas responsáveis pela avaliação, por meio da Anvisa, de novas marcas e agrotóxicos quando as empresas fabricantes solicitam autorização para vender no Brasil.
Embora os processos não tenham começado neste governo, para Alexandre a escalada no número de registros. “Em fevereiro, ao contabilizar os dias úteis dos dois primeiros meses, era uma média de um registro a cada quatro horas. Queremos fazer um profundo questionamento ao papel da Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura. Estão de fato analisando a toxicidade desses produtos?”, pergunta o deputado, em entrevista à Agência Pública e Repórter Brasil. Para pressionar a casa, o deputado abriu uma petição eletrônica onde a população pode expressar sua concordância ou não com o decreto.
O número anual triplicou desde que ele deixou o comando do Ministério da Saúde. Para Padilha, o ex-presidente Michel Temer (MDB) utilizou a liberação de agrotóxicos para negociar com a Bancada Ruralista durante o processo de impeachment de Dilma. “E não se esqueçam que ele depois recebeu apoio da bancada ruralista para evitar a abertura de seu próprio processo de impeachment na Câmara dos Deputados”, diz.
Além da Anvisa e da Agricultura, o Ibama também faz parte do processo de avaliação de agrotóxicos, que é regido pela Lei Federal 7.802/89. Todo procedimento pode levar mais de cinco anos, e até o momento, nenhum dos 121 registros concebidos é oriundo de um processo aberto em 2019. No entanto, apenas este ano, o Ministério de Agricultura comandado por Teresa Cristina já pediu a abertura de 271 processos de novos produtos agrotóxicos.
Total de Agrotóxicos registrados por Ano
Infogram
Leia a entrevista:
O que explica esse crescimento no número de registros em três anos?
Não tenho nenhuma dúvida de que o que justifica essa escalada de registro de agrotóxicos do país é uma decisão política. Primeiro do governo Temer, que foi apoiado pela bancada ruralista para se tornar presidente. E não se esqueçam que ele depois recebeu apoio da bancada ruralista para evitar a abertura de seu próprio processo de impeachment na Câmara dos Deputados.
Foi uma política clara no governo Temer, não só do registro de agrotóxicos, como de portarias no Ministério da Agricultura que flexibilizavam o uso. Como, por exemplo, a indicação de diluições de agrotóxicos, onde permitiram que outros atores além de engenheiros qualificados pudessem fazer diluição. Isso abriu espaço para o que acontece hoje no balcão da venda. O balconista é quem orienta sobre qual agrotóxico usar, faz indicações, vincula o agrotóxico a semente. Você tem a cadeia inteira do agronegócio envolvida com isso gerando muito lucro para esse setor e muito risco para a saúde e para o meio ambiente.
O que justifica a tentativa de anular os registros de agrotóxicos aprovados desde o começo do atual governo?
A defesa do meu projeto de decreto legislativo está focada em dois motivos. O primeiro é da toxicidade desses produtos. Nenhum deles é classificado como não tóxico. A grande maioria é altamente tóxico ou extremamente tóxico. Alguns deles foram banidos nos Estados Unidos e na Europa, e aqui vemos a expansão da utilização de um produto que há pouco tempo foi condenado em outro país pela relação com doenças como o câncer [entre outras, o glifosato, usado em plantações de soja, milho e algodão]. O segundo motivo é estancarmos a ampliação de registro de agrotóxicos no país. Em 2005, tivemos cerca de 90 registros por ano, quando fui ministro da Saúde estava na casa dos 100, em 2015 chegou a quase 150. Em 2018, ultrapassou 450, o recorde no Brasil. Se manter esse ritmo do atual governo Bolsonaro chegaremos ao final do ano com mais de 450 registros. Quando apresentei esse projeto de decreto legislativo, em fevereiro, ao contabilizar os dias úteis dos dois primeiros meses, era uma média de um registro a cada quatro horas. Queremos fazer um profundo questionamento ao papel da Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura. Estão de fato analisando a toxicidade desses produtos? E por que desse recorde de registros de produtos agrotóxicos no país?
O Ministério da Agricultura alega que, com exceção do Sulfoxaflor, os demais ingredientes já eram comercializados no Brasil.
Muitos foram registrados como produtos novos ou que se ampliaram a possibilidade de utilização em outras culturas, e com isso em outros territórios. O agrotóxico que antes era utilizado só em laranjais agora será utilizado em amendoins, couves, repolho. Significa não só utilizar em outras culturas, mas também em outros locais. Tivemos agora autorização para alguns serem utilizados no vale do rio São Francisco, além de outras regiões.
O seu projeto (PDL 43/2019) aguarda na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Tendo em vista a atual conjuntura do Congresso nacional, você acha que será aprovado?
Por conta do quadro e da correlação de forças no Congresso Nacional, depende muito da participação da população. Por isso abri uma petição eletrônica. Mas, eu confio que essa Casa vai ter a sensibilidade de perceber que esses atuais agrotóxicos significam hoje a agressão a vida das pessoas, a saúde da nossa população e ao meio ambiente.
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Em 2008, a Anvisa deu início ao processo de reavaliação do Glifosato, o agrotóxico mais utilizado no país. Foram 11 anos para que saísse o resultado, inclusive passando pelo período em que o senhor comandava o Ministério da Saúde. No mês passado a agência deu parecer positivo e renovou a licença. Mas, já nesta semana, a Bayer, que produz o herbicida Roundupum, à base de Glifosato, foi condenada por um júri nos Estados Unidos a pagar mais de 80 milhões de dólares em danos a um pessoa que desenvolveu câncer nos EUA. Qual a sua visão a respeito do glifosato?
Ao longo desse período só se acumularam estudos que justificam o banimento desse produto, o glifosato, no nosso país. Tivemos decisões recentes de outros países de proibir a utilização do produto, e um caso recente onde a Justiça americana reforçou esse posicionamento, relacionando o produto ao câncer. Eu defendo que existem dados mais que suficientes para a não autorização deste produto no nosso país.
Deve ser votado em plenário nos próximos meses o PL 6299/2002, conhecido pelos opositores como Pacote do Veneno. Como vocês estão se preparando para a votação deste projeto?
Iremos trazer dados que mostrem os impactos econômicos negativos do uso de agrotóxicos. Um deles por meio do fator ambiental. Por exemplo, a morte de abelhas por contato com agrotóxicos. As abelhas têm papel importante contribuindo para a polinização de culturas, aumentando a produção. Estudos mostram queda de 10% da produtividade a partir do impacto ambiental causado (pela morte das abelhas). Outro risco real é a exportação, o impacto econômico na agricultura brasileira. Estamos na escalada do uso de agrotóxicos cada vez mais tóxicos, e muitos deles já são banidos nos Estados Unidos e Europa.
Além dele, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), que busca reduzir o uso de agrotóxicos, também espera para ser incluído na pauta do dia da Câmara.
Nós estamos lutando para a inclusão na pauta deste projeto. Estou confiante, cada vez mais o tema ganha espaço e preocupação junto à sociedade. A alimentação saudável ganha cada vez mais espaço na sociedade urbana, e é muito importante sabermos que a política que existe hoje em relação a agrotóxicos tem uma ligação direta no conjunto da política do agronegócio. Existe um monopólio de quem produz o agrotóxico, quem produz a semente, quem produz o maquinário, quem produz o sistema de informação, os instrumentos de pulverização e etc. Uma cadeia monopolizada que tenta ampliar no país o modelo do agronegócio que trabalha com a ideia de que tem que haver uma homogeneização do padrão alimentar. O grande sonho da indústria de alimentos e do agronegócio é que a mesma comida seja consumida em Brasília, no interior da região amazônica, na grande São Paulo, em Pequim, Nova Iorque e no mundo como um todo.